Nove
Rainhas
por
Redação S&Y
Dezembro de 2000
Posso
estar enganado, mas a Argentina tem tanta tradição
em cinema quanto o Brasil tem em hóquei no gelo. E daí?
E daí que, não bastasse o nosso futebol que anda
mal das pernas, também estamos sendo passados para trás
nas telas.
Primeiro foi o México, com Amores
Brutos (Amores Perros). Agora é a vez
da Argentina, com este excelente Nove Rainhas (Nueve
Reinas), escrito e dirigido pelo estreante Fabián
Bielinsky. Enquanto o cinema nacional é representado
em circuito comercial por dois filmes que ainda vi não
porque estava viajando e agora estou meio sem coragem, afinal
sou preconceituoso e tenho medo do Rodrigo Santoro em papel
principal e pavor de filme com elenco, direção,
produção e jeitão de novela da Globo, nossos
vizinhos portenhos dão um show à parte.
Assim como o citado primo asteca, Nove Rainhas é
local sem ser regional. O cenário é Buenos Aires,
a língua é espanhola, e a malandragem é
argentina. Mas a história é internacional, do
tipo que supostamente pode acontecer em qualquer grande cidade.
E no filme não há tango ou bigodinho, os homens
não são cabeludos, e não se vê uma
só camisa do Boca Juniors. Também não há
questões filosóficas, políticas, sociais,
nem grandes mensagens a serem passadas.
O roteiro é simples e conta o que se passa em um dia
e pouco da vida de Marcos (Ricardo Dárin) e Juan (Gatón
Pauls), dois golpistas que logo após se conhecerem encontram
o que parece ser a oportunidade de suas vidas. Acostumados a
ganhar uns trocados com pequenos golpes, os dois se deparam
com a chance de juntos concretizarem um negócio extremamente
lucrativo com uma série de selos valiosos, as Nove Rainhas.
Mas, como diz o ditado, "cachorro mordido por cobra tem medo
de lingüiça", e em meio a tanta safadeza fica difícil
confiar até no seu próprio cúmplice, principalmente
quando ele também é golpista e você acabou
de conhecê-lo. Esqueça parafernálias tecnológicas,
lasers e satélites. Esqueça força bruta,
perseguições de carros e tiroteios de metralhadora.
Esqueça FBI, CIA, traficantes e mafiosos. Aqui o que
vale são a astúcia, a rapidez de raciocínio,
a confiança, a experiência nas ruas, e, principalmente,
a cara-de-pau, no melhor estilo Paul Newman e Robert Redford
no bom e velho Golpe de Mestre.
Dinâmico e recheado de reviravoltas, o filme prende a
atenção do espectador do início ao fim,
porém de maneira leve e despretensiosa, sem ser cansativo.
Chega a ser "pop", por assim dizer. Logo nas primeiras cenas
nota-se que houve cuidado no uso das cores e da luz de forma
que estas deixassem o filme vivo, brilhante, mas sem exageros.
As ótimas atuações dos dois protagonistas,
assim como uma bela fotografia, um bom humor generalizado e
algumas cenas e diálogos impagáveis, colaboram
para a fácil digestão do longa. São raros
os filmes que divertem a ponto de terminarem deixando no espectador
um sorriso no rosto e uma vontade de entrar na fila da próxima
sessão para ver tudo novamente. Nove Rainhas é
um deles.
Ao final dos créditos fica quase impossível deixar
de perguntar-se o que falta para o Brasil produzir filmes realmentes
bons nos dias de hoje. Filmes nacionais, nossos, brasileiros,
que sejam autênticos e originais como Nove Rainhas,
e que não pequem pela filosofia-crítica barata
e regionalismo poeirento de Central do Brasil, pelo americanismo
de comédia-romântica chata de Bossa Nova,
ou pela clonagem de molde de sitcom desordenada de Amores
Possíveis. Estaríamos fadados a continuar
indefinidamente ora tentando copiar o cinema estrangeiro ora
transformando novela e mini-série da Globo em filme?
Espero que não.
Talvez o que nos falte seja um diretor iniciante com talento
e boas idéias, coisa que pelo visto tem aparecido em
todo lugar do mundo, menos aqui. Para citar alguns conhecidos,
M. Night Shyamalan (Sexto Sentido e Corpo
Fechado), Guy Ritchie (Snatch
e Jogos, Trapaças...), Alejandro González
Iñarritu (Amores Brutos), Darren Aronofsky (Pi
e Requiem For a Dream), e o próprio Fabián
Bielinsky (Nove Rainhas). Talvez o segredo seja ter sobrenome
do leste europeu, terminado em "sky". Se eu fosse diretor mudaria
meu nome para Trissomiesky para tentar ajudar o nosso cinema
a sair do buraco. Superstição é bem típico
de brasileiro, poderia funcionar. O problema é que assim
como eu todo mundo finge que entende, fala demais e reclama
de tudo, mas FAZER, que é bom, nada.
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