Concorrência Desleal
por Marcelo Silva Costa

NOTA DO DIRETOR

"Viver na mesma cidade, na mesma rua, fazer o mesmo tipo de trabalho, pertencendo ao mesmo meio social, tendo o mesmo tipo de família - uma esposa, duas crianças, tias, tios, avós - e ainda não ser igual, não ter os mesmos direitos, não poder freqüentar as mesmas escolas, nem exercer sua profissão ou abrir seu próprio negócio, por sofrer intolerância e exclusão. Descobrir que você é considerado "diferente", por nascimento ou devido à raça. Isto foi o que aconteceu no passado, com os judeus e os negros. Hoje, isto está acontecendo na Europa com os imigrantes e trabalhadores que vêem do outro lado da União Européia.

Concorrência Desleal, o filme que escrevi com Furio Scarpelli, Silvia Scola e Giacomo Scarpelli, é sobre as leis raciais surgidas repentinamente em 1938, na Itália, contra os Judeus: regras e proibições impostas ao cotidiano, que foram absurdas e, além disso - como muitas vezes acontece em nosso divertido país - tragicamente engraças e grotescas. Esta é a história de dois comerciantes de roupas, que trabalham lado a lado e cuja rivalidade profissional, primeiramente os divide, estimulados por ardis e trapaças sujas, posteriormente, no entanto, são reunidos em amizade quando a verdadeira Injustiça é sofrida por um dos dois.

O filme também é uma denúncia da discriminação e da indiferença - que alude ao silêncio culposo do Papa Pio XII - do Vaticano. Não é por acaso que a cúpula de São Pedro aparece em quase todas as cenas externas.

Uma amarga e divertida comédia sobre uma parte da nossa história que é raramente tratada e da qual pouco há do que se orgulhar."

Ettore Scola



Lindo. Lindo é a primeira palavra que me vem a cabeça na ânsia de escrever algo sobre Concorrência Desleal. Tocante também diz muita coisa. Assim como em Cinema Paradiso, O Carteiro e o Poeta e A Vida é Bela, o mérito maior do italiano Concorrência Desleal é invadir a alma do espectador e voltar de lá com lágrimas. Convenhamos, isso não acontece a toda hora. 

Principalmente com tamanha simplicidade, lirismo e poesia. A narrativa conduzida por uma criança é de uma inocência insuspeitável. É tudo tão simples e tão lírico e tão possível nas lentes de Ettore Scola que uma sessão de Concorrência Desleal deixa de ser mero entretenimento para invadir o território do inesquecível. 

Concorrência Desleal, como escreveu o diretor, é a história de dois comerciantes. As lojas são vizinhas. O filho mais velho de um namora a filha mais velha do outro. Os filhos mais novos são amiguinhos inseparáveis, mas os pais não se suportam. Um tenta ser mais esperto que o outro e essa concorrência segue na vida comum de homens comuns. 

Mas, 1938 na Itália não era um período comum. Mussolini, sob influência do Terceiro Reich, começa um processo racista que procurava separar os judeus do povo italiano. Assim, o fascista cria uma série de leis que mudará a vida de seu povo. A primeira regia que nenhum judeu poderia ter rádio em casa e todos os aparelhos seriam confiscados pela polícia. 

Nos padrões fascistas, os dois comerciantes são diferentes. Umberto Melchiorri é italiano enquanto Leone Simeoni é judeu. 

Uma cena diz tudo: após ter seu rádio confiscado, a esposa judia Giuditta Simeoni (Antonella Attili) irá ouvir La Boheme, no rádio da vizinha italiana Marguerita Melchiorri (Anita Zagaria). Lirismo comovente. 

Uma segunda lei dizia que familias judias não poderiam ter empregados da raça ariana. Assim, o governo fascista começa a mudar a vida de seu povo. Umberto já não vê seu vizinho como concorrente, e tenta ajuda-lo, deixando que a ira comercial se transforme em compaixão pessoal. Enquanto os pais se aproximam, o novo período que passa a Itália acaba distanciando os filhos. 

A fotografia de Franco Di Giacomo é simples e bela. Paolo, nosso narrador infantil, nos diverte e nos comove. Quando diz, no âmago de sua inocência, "que é impossível que dois amigos que tomaram óleo de fígado de bacalhau juntos se separem", nós acreditamos nele, mesmo sabendo que acontece, e muito (talvez, por isso, nossos olhos nos traiam e lágrimas escorram). Mas, apesar do drama, não há provocação, repulsa. Ettore confirma dizendo que "não é um filme sobre o ódio, mas sim a indiferença".

O diretor nos permiter apalpar a delicadeza de seu filme, com um q de melancolia, sublimando o passado. E, principalmente, nos mostra que as amizades podem surgir, sempre, da maneira mais incomum, desde que exista vontade de ambas as partes. 

Como disse Gerard Depardieu (numa bela participação na trama), "este filme é importante, agora mais do que nunca, porque a tragédia pode sempre ser repetida antes do que se espera. O que podemos fazer? Proteger a liberdade, não exatamente a nossa... e nunca esquecer isto."

Lindo. Lindo é a primeira palavra que me vem a cabeça na ânsia de escrever algo sobre Concorrência Desleal. Tocante também diz muita coisa. E obrigatório acha que poderia ser a palavra final. Obrigatório.

Concorrenza Sleale, Itália, 2000, 120 min