Dirigindo no Escuro
por
Marcelo Costa
11/08/2003
Woody
Allen mantém uma posição curiosa no cinema
atual. Não pratica o cinema tido como artístico,
cujo maior prestígio surge nas obras vindas da Europa,
mas também não cede ao cinema comercial hollywoodiano,
incansável na busca de blockbusters. Entre um extremo
e outro, Woody Allen faz filmes à la Woody Allen.
Seu
novo filme, curiosamente, é uma sátira ao tema.
Allen ironiza a indústria do cinema e os maneirismos
críticos que fazem de um filme um sucesso absoluto em
um país e um desastre irreversível em outro. Dirigindo
no Escuro (Hollywood Ending – 2002) é o 32º
longa do cineasta e chega com um atraso de um ano ao Brasil,
após o diretor já ter um outro filme pronto, Anything
Else (Igual a Tudo na Vida).
Em
Dirigindo no Escuro, a velha mão do diretor continua
revigorando seu estilo, usando e abusando de cacoetes que reerguem
as velhas máximas expostas em todos os seus filmes: as
dificuldades em se lidar com as mulheres, consultas ao psicanalista,
as ruas de Nova York, o bom gosto versus vulgaridade, tudo isso
ao som do bom e velho jazz. Os temas, os ambientes, a sonoridade,
é tudo deja vu no mundo de Woody Allen.
É
deja vu, mas não soa como repetição por
causa dos detalhes. E o curioso é que soando deja vu,
Allen prende seus críticos no mesmo círculo vicioso
de se auto-repetir. Sim, porque tudo que vem sendo falado da
obra recente do diretor, ao menos nos últimos cinco anos,
cabe aqui: Dirigindo no Escuro é o pior filme
do diretor. E o pior filme de Allen é melhor que 95%
do que se encontra em cartaz atualmente.
Dito
isto, vamos aos detalhes. Em O Escorpião de Jade,
filme de 2001, sobrava diálogos matadores, mas faltava
um roteiro que segurasse a obra. Já em Dirigindo no
Escuro é o contrário. O roteiro surge inteligente,
mas as piadas soam desgastadas. Na verdade, o filme é
mais ironia que comédia e se serve de uma excelente piada
(justamente a última) para justificar sua existência.
Aqui,
Allen interpreta Val Waxman, cineasta dono de dois Oscar cuja
carreira está no lixo. Famoso por seu temperamento difícil
e neurótico, Val não consegue contrato para nenhum
filme e se vê reduzido ao vexatório mundo das propagandas
para televisão. Tudo isso até a sua ex-mulher,
Ellie (Tea Leoni), dar uma forcinha. Ellie deixou Val para viver
com um produtor poderoso em Hollywood, Hal (Treat Williams).
Sob
o apoio de Ellie, Hal cede e permite que Val Waxman assuma a
direção em uma refilmagem de um filme noir dos
anos 40, que a companhia aposta ser sucesso nas bilheterias.
Tudo segue bem até Val, na manhã do primeiro dia
de filmagem, se descobrir cego. Isso mesmo, cego. Uma cegueira
psicológica ataca o diretor que, impulsionado por seu
empresário, segue a rotina de filmagem sem nem ver o
que está filmando.
Com
essa história nas mãos, Allen faz aquilo que sabe
melhor: adaptar suas obsessões a suas histórias.
E dá-lhe piada sobre judeus, Hollywood, casamentos, família
e a sua própria posição de cineasta. E
uma nova piada, agora: ironizando Hollywood, Allen goza com
a posição do Estúdio de Cinema que o acolhe,
a poderosa Dreamworks de Steven Spilberg. A brincadeira diverte
ao mesmo tempo em que critica, o que em se tratando de Allen
torna o passatempo de ver um filme, algo mais emocional que
qualquer outra coisa. E só isso já vale a expectativa
pelo filme anual do diretor ser compensada. E a espera pelo
ano que vem...
Por
enquanto, ironia das ironias, um belo final hollywoodiano já
nos faz sair do cinema sorrindo muito. E, principal, sem ter
vergonha disso.
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