Woody
Allen, Uma Trilogia
Repetir-se é pra quem pode
por
Eduardo Fernandes
29/10/2000
A
esta altura você já deve ter assistido ao Poucas
e Boas, filme mais recente de Woody Allen. É um falso
documentário sobre um jazzista da primeira metade do
século 20. Falso porque o sujeito não existiu.
Mas poderia ter existido. Na época do lançamento
do filme, os cadernos culturais bateram na mesma tecla: Poucas
e Boas é bom. Mas Woody Allen está se repetindo.
Está refazendo o mesmo filme há anos".
Kit Crítica ao Woody Allen
Parece que há um texto pré-escrito, quando se
vai falar do cineasta. Alguns críticos apenas mudam o
nome do filme em questão. Mas o enfoque é sempre
o mesmo. Junte os pedaços abaixo e faça sua própria
crítica a um filme de Woody Allen:
1. Todo filme que ele faz é autobiográfico (aqui
você escolhe as passagens do filme e as da vida pessoal
de Woody que quer comparar em seu texto).
2. O cineasta está se repetindo.
3. Seu filme mais recente recupera a vitalidade perdida em musicais
como Poderosa Afrodite e Todos Dizem Eu Te Amo.
4. Felizmente, Woody Allen parou de imitar Ingmar Bergman.
Woody e seu tempo
Embora cada um destes itens tenha lá sua utilidade e
veracidade, poucos críticos enxergaram que, desde Desconstruindo
Harry (1997), Woody Allen vem tentando entender o que significa
viver num mundo no qual a mídia é tão importante.
É um novo enfoque para uma pergunta que sempre esteve
nos seus trabalhos: quais são os desejos mais profundos
das pessoas que vivem na nossa época?
E as respostas colhidas pelo cineasta parecem ser: as pessoas
querem sucesso-poder e amor romântico (heterossexual,
satisfação sexual e amizade reunidas em uma só
pessoa, sentimento de posse do parceiro). Mais até do
que dinheiro, que pode ser um meio de consegui-los.
Uma trilogia?
Woody, Woody Allen está cada vez mais pop. Se antes citava
o cinema americano clássico do início do século
20, hoje fala para um público mais amplo: o que assiste
ao Seinfeld (e acha o sujeito um gênio),
ao David Letterman e aos programas de fofocas sobre pop stars.
Enfim, hoje está mais para TV do que para cinema. Se
vistos por este ângulo, seus três filmes mais recentes
formam uma trilogia:
1. Desconstruindo Harry fala do sucesso entre os intelectuais.
O sucesso cult - talvez mais instável até do que
o sucesso popular.
E, é claro, as dificuldades pessoais de manter este sucesso.
O escritor Harry Block sente-se oprimido por milhares de critérios
estéticos e pela tradição da literatura.
Pergunta-se, constantemente: "sou bom ou ruim? O que escrevo
tem qualidade? É relevante o suficiente para ser escrito"?
Tudo isto lhe provoca bloqueios, falta de inspiração
para escrever.
Assim, Harry baseia suas estórias na vida dos amigos.
E estes o odeiam, porque vêem sua intimidade exposta,
mescladas às opiniões que Harry não teria
coragem de lhes revelar pessoalmente.
2. Em Celebridades, vemos o tédio por trás
do glamour do sucesso popular. Os famosos estão cansados
de ter suas vidas vasculhadas pela mídia. Mas, ao mesmo
tempo, não conseguem viver sem este assédio.
E mesmo os não famosos se perguntam: "será que
eu só sou importante na medida em que sou famoso? E na
medida em que as pessoas me reconhecem e estimam uma imagem
que fazem de mim, que pode não ser real?"
3. Em Poucas e Boas, o jazzista vive a eterna contradição
que assola os intelectuais e os que têm pretensões
a ser artistas: "Sou um gênio? Ou um sujeito frágil,
inadaptado e incompetente? Comporto-me como um gênio?
Ou um artista pode ou deve ter uma vida comum?"
Nossos valores e desejos
Enfim, são três filmes que discutem como nós
construímos nossas identidades, na atualidade. Em que
valores nos baseamos, quais as nossas expectativas de vida,
como nos justificamos para nós mesmos e como fazemos
para nos sentirmos importantes.
Woody Allen mostra que hoje o sucesso (isto é: estar
na mídia), é um dos nossos valores. Daqueles que
fazem com que nos sintamos parte de uma sociedade, de uma comunidade.
Como outrora a liberdade e o domínio de si (para os gregos),
a honra, a religião, o sucesso profissional. Entre outros.
Mais: em seus filmes mais recentes, Woody Allen conseguiu resgatar
a leveza e a sagacidade que lhe sobravam na época em
que escrevia para a revista New Yorker (no Brasil, os
textos estão nos livros Cuca Fundida, Que Loucura
e Sem Plumas). Assim, se ele estiver se repetindo, que
o faça muito mais. Afinal, até para ser repetitivo
é preciso ter talento.
Woody
Allen por Woody Allen:
"Imagino
que existam temas recorrentes no meu trabalho, mas, sinceramente,
eu não os abordo de maneira consciente porque nunca
revejo meu trabalho. Fico feliz só pelo fato de
que consegui ter uma idéia e a idéia era
engraçada".
"Para mim, todos os meus filmes são um não-evento.
São uma coisa natural: é o que eu faço.
(...) Por mim, eu acabaria um filme e iria para a casa.
Sem ir a premières, sem dar entrevistas, sem ler
críticas, sem saber qual foi a bilheteria".
Entrevista para Ana Maria Bahiana, publicada na revista
Bravo, de fevereiro de 1998.
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Leia
também:
Poucas e Boas, por Ana Cecilia
Del Mônaco
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