Watchmen, o Filme

Por Murilo Basso

Existem uma série de filmes, músicas e livros que, de alguma forma, são dirigidos para um determinado público e dificilmente conseguem atrair alguém que esteja fora desse “círculo”, por assim dizer. Isso acontece com as adaptações de quadrinhos para o cinema, que são destinadas não só a um público fiel fã de HQ (Hollywood quer o mundo, pode acreditar), mas a todos aqueles que curtem aventura e boas histórias. Quando um destes filmes consegue ultrapassar o “mundinho”, alguma coisa está acontecendo.

O blá blá blá sobre “Watchmen” alcançou níveis maiores do que havia acontecido com os empolgantes “Dark Knight”, “Sin City” e os três filmes do Aranha. Baseado em uma graphic novel escrita por Alan Moore e ilustrada por David Gibbons, publicada em 12 volumes entre 1986 e 1987, pela DC Comics, “Watchmen” mostra uma sociedade irônica que se encontra a beira do caos, imersa em uma atmosfera repleta de contradições, sadismos e paranóia política. Com a tensão causada nos últimos anos da Guerra Fria, um holocausto nuclear está próximo.

É neste cenário pouco convidativo que “super-heróis” surgem como indivíduos que parecem verdadeiros lutando constantemente contra seus conflitos éticos e psicológicos. Eles são declarados fora da lei e os que permanecem na ativa são diretamente controlados pelo governo. Quando um de seus ex-companheiros é assassinado, Rorschach (Jackie Earle Haley, brilhante! Disparado o que o filme tem de melhor) decide investigar o crime e acaba descobrindo um “plano” muito mais amplo do que imaginava, e que possui relações diretas com o passado dos vigilantes. E irá trazer graves conseqüências para o presente.

Os personagens foram muito bem construídos e desenvolvidos, tornando-os densos e explorando suas complexidades. Há ainda um forte lado psicológico e a narrativa, quando fundamentada nessas características, não perde sua força em nenhum um minuto. Enquanto alguns estão divididos entre “compreender quem são, para onde vão, o que querem, e seu papel no mundo“, Snyder escancara cada face da sociedade em que “Watchmen“ acontece: de alguma maneira ela está retratada no rosto de seus heróis.

Rorschach é enigmático e perturbado; tem seus traumas expostos gradativamente e isso faz com que você se sinta profundamente mal – e você nem percebeu, mas já está torcendo por ele. A amoralidade do Comediante (Jeffrey Dean Morgan) é escancarada na medida em que o personagem tenta se conformar, sem receios. O herói em crise de meia-idade Coruja (Patrick Wilson) tem ótimas doses de bom humor e o faz-tudo Doutor Manhattan (Billy Crudup), que após um tradicional acidente em um laboratório adquiriu poderes como, erh, fazer o que lhe der na telha, como ver o futuro, teletransportar-se, controlar a matéria e desmontar veículos militares com a força do pensamento – divertido não? – cativa o público desde o primeiro momento. Por outro lado, atuações como a de Malin Akerman (Laurie / Espectral) e Matthew Goode (Adrian Veidt / Ozymandias) são, no mínimo, constrangedoras.

A reação de Laurie ao desvendar seu passado e sua tentativa em sensibilizar Dr. Manhattan em solo marciano (aliás, ela conseguiu sensibilizar alguém?), emocionam tanto quanto… bem, melhor deixar pra lá. E o “mega empresário – super-herói – homem mais inteligente do mundo” Ozymandias? Metódico e pragmático; ranzinza e fraquinho. Não consegue impor respeito algum. Está mais para David Beckham no elenco atual do Milan do que para herói, ex-herói, herói aposentado ou algo que o valha.

A trilha sonora – com Nina Simone, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Billie Holliday, Bobd Dylan e a Budapest Symphony Orchestra – é praticamente irretocável. Começa arrebatadora e segue se propondo a acompanhar uma geração que cresceu lendo “Watchmen“. E assistindo MTV. Porém My Chemical Romance tocando Bob Dylan é imperdoável. Sem contar a cena embalada por “Hallelujah“: deprimente, bizarra e engraçada. Ao mesmo tempo. Um feito.
O ritmo da narrativa é bem distribuído e está longe de ser cansativo. A trama é toda entrecortada e os flashbacks trazem questões fundamentais para o enredo, estabelecendo diversas relações entre os personagens. As quase duas horas e quarenta minutos passam voando e você quer mais, porém não se engane: “Watchmen“ não é a salvação do cinema, como alguns dizem por aí. Na verdade está bem distante deste posto e esta não é, nem de longe, sua proposta. Também não deve ser comparado, como obra cinematográfica, a “Dark Knight“. Como muitos insistem em fazer.

Trata-se apenas de “mais uma obra” inovadora e ousada em seu contexto histórico e social, e que teve um efeito devastador no cenário cultural dos Estados Unidos, influenciando gerações subseqüentes de autores, um bom número de cineastas, alguns escritores. Talvez seja essa sua maior qualidade: Sua capacidade em fazer você refletir sobre diversas questões, como princípios morais, a sociedade e, também, a própria arte. E então você consegue perceber como uma HQ revolucionou uma mídia.

Duas décadas depois a história não envelheceu. Sua força, utopias, sonhos e ilusões continuam atuais. Mudou uma época e pode sim mudar outra, mas no final, como na maioria das vezes, não há uma redenção ou reabilitação verdadeira. Sobram apenas marcas, que não podem e nem devem ser esquecidas.

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Murilo Basso, 20 anos, nunca tinha lido uma HQ, mas está indo comprar a primeira.

9 thoughts on “Watchmen, o Filme

  1. Para quem é um chato apaixonado pela HQ, a história peca muito. Mas para quem deseja apenas uma diversão, corresponde totalmente. Belo filme!

  2. Guri, belo texto! Mas o filme é fraco, mesmo esquecendo a obra original. Tem pontos positivos, mas ele não passa de uma matinê.

  3. Fraquinho o filme. (2)
    Como adaptação, ele resvala na obra de Alan Moore. É uma adaptação muito mais visual que qualquer outra coisa.
    Colocaram quase tudo que tinha no gibi dentro do filme, mas de um jeito totalmente corrido. Não há um bom desenrolar da trama e tudo acaba saindo brusco.
    Ozymandias e Espectral são muito insípidas. A Espectral é uma bonequinha andando no set sem emoção ou sentido algum. Ozymandias não convence nem um pouquinho.
    Rorschach ficou muito bom. Coruja e Dr. Manhattan, passáveis. Faltou o Zack Snydar largar um pouco os detalhes gráficos e se preocupar em dirigir o seu elenco.

    Sinceramente, Watchmen é um filme que vai ser esquecido antes mesmo de chegar o DVD. Pelo menos serviu pra Panini lançar uma versão completa e linda da HQ… 🙂

  4. Murilo, saí do cinema indeciso…Tenho a HQ original de 1987/1988 publicada mal-e-porcamente pela Abril, mas sei lá…Esperei/torci muito pelo filme…Mas não me emocionou, fiquei mais empolgado com os detalhes da transição “semi-quadro-a-quadro”…muito coisa ficou de fora, lógico, mas pra isso temos os DVDs…Tive a impressão de um filme no qual faltam partes, muito bonito e o final bem mais intrigante do que no original (arrisco dizer até melhor)…só não pretendo ver novamente como fiz com Dark Knight ou X-Men2…ah..tenho 38 anos e nos meus 20 curtia imaginar como seriam adaptaçoes para o cinema…que irônico..

  5. Os comentários do Douglas acima foram precisos: é muito mais uma adpatação (ou melhor, transposição) visual da HQ de Moore/Gibbons do que qualquer outra coisa. Mesmo assim, gostei do filme, confesso que já esperava uma adaptação difícil mesmo, pois é muito mais fácil você pegar quarenta anos de Homem-Aranha, coar tudo para aproveitar só o essencial e fazer um filmaço do que transformar uma mini-série em quadrinhos desse quilate e transformá-la num filme com a mesma densidade (e intensidade). Com relação à “Edição Definitiva” lançada pela Panini, é melhor esquecer: apesar da exuberância gráfica, é uma tradução pavorosa, uma vergonha. Com todos os defeitos, a tradução da reedição da Abril de 1999 é a melhor no mercado brasileiro. Aconselho a compra da versão “Absolute” gringa: no final das contas, com o frete, vai sair o mesmo preço da versão da Panini. Abs.

  6. acho que tudo é um questão de expectativa. pela complexidade da HQ, eu tinha absoluta certeza que o filme seria um lixo, mas saí do cinema fascinado pelas partes legais. um filme de “compensações”, no final das contas.

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