por Bruno Capelas
Uma memória: não recordo exatamente quando foi a primeira vez que ouvi falar em Harry Potter, mas sei que foi durante o ano de 2001, às prévias do lançamento do primeiro filme da saga do bruxinho, que comecei a ler suas aventuras. Eu estava na terceira série na escola, e lembro que li os três primeiros livros de J.K. Rowling em menos de uma semana, a despeito de suas muitas páginas – cerca de oitocentas, somando os três volumes, segundo as minhas contas.
Esperei ansiosamente o lançamento das continuações, e passei horas discutindo personagens e acontecimentos da trama com amigos ou pessoas desconhecidas pela internet. Assim como eu, muitas outras crianças e pré-adolescentes cresceram e amadureceram lendo – e/ou assistindo – a trajetória de Potter ao longo de sete romances e oito longas-metragens. Até que se mude isso, com o surgimento de uma continuação para o livro (um oitavo livro que renderia um nono filme, que sabe), um (provável) ponto final foi colocado na história nas últimas semanas com o lançamento de “Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2”, película de pouco mais de duas horas que dá fim à jornada do mago órfão.
É difícil estabelecer um comentário isolado a respeito do filme, ignorando seus antecessores. Quem apenas assistir a ele sem ter sido um espectador/leitor do que veio antes até pode captar boa parte da história, mas não terá o mesmo prazer e entendimento do que se vê em cena que um seguidor da série provavelmente teria. O roteiro de “Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 2” não se dá ao trabalho de recuperar elementos desnecessários. Há sim, obviamente, menções a acontecimentos que aconteceram no passado, mas trata-se aqui de algo mais sugestivo do que explícito para o espectador, tal como um romance policial que sugere pistas ao longo de muitas e muitas páginas e só as une no final. É claramente um filme de final de saga, que tenta resolver em pouco mais de duas horas todos os conflitos criados ao longo da série, a fim de que quem acompanhou Potter desde o primeiro livro, “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, saia satisfeito.
O destino de Harry, Rony, Hermione e outros tantos personagens é desvendado e é possível perceber um esmero da produção no que diz respeito a efeitos especiais. Os atores – já nem tão mirins (eles cresceram – e nós também) – são respaldados por ótimas aparições nos papéis “coadjuvantes”. As interpretações de Helena Bonham Carter (Belatriz Lestrange), Ralph Fiennes (Lord Voldemort) e Alan Rickman (Professor Severo Snape) são um show à parte.
A trilha sonora de John Williams, se não chega a ser memorável como em tantos outros casos, também não faz feio: na maior parte do tempo serve como bom pano de fundo, e quando da citação do tema clássico da série, chega até a emocionar quem acompanhou a série de perto. Sobre o trio principal de atores é difícil arriscar um palpite futurista: dos três, Emma Watson (Hermione Granger) é a que parece estar mais bem segura de sua imagem e seu potencial, enquanto Rupert Grint (Rony Weasley) e Daniel Radcliffe (Harry Potter) ainda soam como incógnitas – terão eles o mesmo destino de Mark Hamill, por exemplo?
Entretanto, mais do que ser um simples desfecho, “Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2” é um bom olhar sobre a geração que hoje tem entre 15 e 25 anos. Não como retrato simples e espelhado, mas sim como painel de influências. É clichê dizer que se vive uma crise de valores hoje em dia, e que a moral é cada vez mais relativa, individualmente e socialmente falando. Entretanto não seria estranho apontar como uma das causas de sucesso do bruxinho justamente a presença de valores em sua trama – ainda que representados de maneiras por vezes piegas ou numa concepção levemente maniqueísta.
Noções de substantivos que parecem cada vez mais abstratos – como honra, coragem, confiança, hombridade e respeito – foram passadas a muitos dos espectadores e leitores de “Harry Potter” pela primeira vez justamente durante suas histórias. Uma imagem icônica, por exemplo, é a do funeral do elfo Dobby, no sétimo filme: apesar de ter a opção de fazer sua cova com magia, como qualquer mago faria, o protagonista decide por cavá-la da maneira “tradicional”. É possível perceber ali que Potter talvez não saiba por que está fazendo aquilo, mas tem a noção de que é mais correto.
Cabe ainda citar sempre o aspecto de “iniciação ao mundo da literatura” que a heptalogia trouxe consigo desde sua criação, ainda no século passado. Muitos foram aqueles que tiveram seu primeiro contato com os livros a partir dos milhares de páginas que a compõe – e uma boa porcentagem desses acabou por descobrir outros romances, ou filmes importantes para a história da arte e da humanidade. Ou simplesmente se dedicaram a ler outros livros – o que talvez na Europa não seja um grande feito, mas para o mercado e a cultura de um país como o Brasil, é algo considerável. É válido argumentar que, até aí, qualquer obra artística pode ter o mérito de servir como “abre-portas” para outras. “Harry Potter”, entretanto, se destaca por sua amplidão: mundialmente, a série vendeu cerca de 450 milhões de livros, até julho de 2011.
É arriscado, porém, dizer o que Harry Potter representaria para além desse muro geracional. Que é uma história muito bem contada com ideais à baila, está mais que provado. Mas existe ali algo mais do que essa história simples, repleta de elementos de Jornada do Herói, e cunhada muito bem calculadamente para atingir em cheio um público-alvo carente de bons exemplos, a partir de rascunhos feitos num café em Edimburgo? Seria essa uma série capaz de atingir fãs de outras gerações, criando um culto quase inesgotável, como Star Wars, ou ainda mais, ter um valor literário universal, como Senhor dos Anéis? É cedo e difícil dizer por agora – é preciso dar tempo para a história envelhecer, e é preciso surgir novas gerações de crianças e adolescentes que possam validar esse raciocínio.
Todavia, para toda uma geração, “Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2” soa como uma despedida da adolescência, um bonito réquiem para o amadurecimento daqueles que cresceram junto com o “menino que sobreviveu”. Para uma época carente de simbologias e ritos de passagem, não deixa de ser algo significativo.
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– Bruno Capelas é estudante de jornalismo e assina o blog Pergunte ao Pop
Se vale como exemplo, sou uma pessoa de outra geração (35 anos) que foi fisgada pelos filmes da série. Poucos filmes do cinemão de entretenimento são tão bons quanto os 8 da série. Cresci assistindo a Star Wars e sinceramente acredito que a série Harry Potter é mais bem resolvida do ponto de vista de enredo e roteiro. Comparar direção de arte seria covardia, por conta dos recursos existentes hoje, ainda que a primeira trilogia Star Wars seja fantástica. Agora, quanto ao elenco – especialmente o de apoio -, Harry Potter dá verdadeiro show. Pelo que vejo de crianças na faixa dos 10 anos de idade, são boas as chances de o culto se prolongar. Quanto aos livros, admito que li um pouco do derradeiro, e está mais que suficiente. Se têm seu valor por inspirar a cinesérie e, principalmente, por serem responsáveis pelo contato de inúmeras pessoas com a literatura – sob esse último ponto de vista até o Paulo Coelho tem méritos parecidos -, o que é inegável, muito pouco acrescentam em termos de valor artístico.
Só gostaria de fazer uma pequena correção. A trilha sonora desse último filme é assinada por Alexandre Desplat. John Williams foi realmente quem criou a música tema e permaneceu como compositor das trilhas até o terceiro filme da série. Depois dele vieram Patrick Doyle, Nicholas Hooper e o próprio Desplat que também foi reponsável pela parte 1 das Relíquias da Morte.