Literatura: Em “Monique se liberta”, o escritor francês Édouard Louis observa esperançoso o futuro de sua mãe

texto de Gabriel Pinheiro

Em 2021, o francês Édouard Louis lançou “Lutas e metamorfoses de uma mulher“, livro onde registra o fim do casamento dos pais e acompanha a mãe após o término. O divórcio, para a mulher, foi um ato de libertação, o ponto final em um ciclo permeado pela violência do discurso, pelo alcoolismo e pela onipresença do machismo. Um abandono dos papéis, até então, socialmente impostos ao feminino. No futuro, a mãe embarcará numa outra relação, onde se verá, mais uma vez, mergulhada num ciclo marcado pelo medo, pela dor e pela violência. “Monique se liberta” (“Monique s’évade”, 2024) é um lançamento da Todavia com tradução de Marília Scalzo.

“Monique se liberta” tem início com uma ligação na madrugada. De um lado, Monique, do outro, Édouard. “Ela me contou ao telefone que o homem que conhecera depois de ter se separado do meu pai e com quem agora morava num apartamento de zelador no centro de Paris a fazia reviver a mesma coisa, ele reproduzia os mesmos comportamentos que meu pai havia infligido a ela durante vinte anos, piorados”.

Enquanto tenta convencê-la a deixar imediatamente aquele apartamento, Louis escuta as ofensas do atual companheiro da mãe, direcionadas tanto à mulher quanto ao filho. Breve e marcadamente reflexivo, o livro registra uma nova metamorfose da figura materna, intimamente acompanhada pelo filho: Monique e Édouard planejam juntos a nova vida da mulher, uma nova tentativa de fuga de um relacionamento abusivo.

“Um quarto, um espaço, paredes, chave, dinheiro: cem anos depois, é também disso que minha mãe precisava; não para se tornar uma escritora, mas para se tornar uma mulher mais livre e mais feliz”. Édouard Louis retoma o clássico texto de Virginia Woolf, “Um teto todo seu”, para refletir sobre a condição materna. Se no texto centenário Woolf discute quais as necessidades primordiais para que uma mulher possa se dedicar ao ofício da escrita, Édouard as reinterpreta à luz da nova realidade de Monique. “Woolf já havia entendido, cem anos antes, que a liberdade não é, em princípio, uma questão estética e simbólica, mas uma questão material e prática. Que a liberdade tem um preço”.

Édouard Louis, aqui, já é um escritor de sucesso – ele está em uma residência literária na Grécia quando recebe a ligação da mãe. A carreira literária é uma peça importante no longo processo de afastamento do escritor e sua família, sobretudo pelo gesto autoficcional de Louis, que escreve sobre a própria intimidade, a infância e as relações familiares para refletir sobre temas como a pobreza, a desigualdade social e a violência.

Em “Monique se liberta” ele analisa como a escrita dos livros – vistos com vergonha pela mãe e pela irmã do autor, que rechaçam o fato do passado compartilhado em família ser retratado por ele – e o posterior êxito literário, possibilitaram o suporte, sobretudo financeiro, à mãe neste momento dramático. “O que a minha mãe tinha visto como traição era agora o que nos permitia, juntos, construir sua liberdade. Ela ficou com raiva de mim — assim como minha irmã – por eu ter escrito um livro sobre minha infância e sobre nossa família. Mas, paradoxalmente, foi porque escrevi esse livro, e depois os outros, que ganhei o dinheiro que agora eu podia gastar com ela.”

“Monique se liberta” é um olhar esperançoso para o futuro, para um reinício: a reescritura da própria história e da liberdade, mas não só. É também o reinício de uma relação entre mãe e filho, tanto registrada quanto possibilitada pelo ofício literário.

– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel

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