Celebração queer: 1º Zig Festival expande alcance com grandes shows de Jup do Bairro, Irmãs de Pau e Urias

texto de Renan Guerra
fotos de Fred Othero / Zig Festival

A boate Zig nasceu como inferninho no centro de São Paulo, crescendo aos poucos e ganhando diferentes espaços, como a Zig Duplex e a Zig Studio, até se transformar em uma espécie de conglomerado importante para a cena queer da cidade, conforme contamos aqui quando do aniversário de um ano da Zig Studio. Nos últimos anos, o palco da Zig já recebeu alguns dos mais variados e importantes DJs brasileiros, de Clementaum, DJ Ramemes e Paulete Lindacelva a Zopelar, DJ Zé Pedro e Johnny Luxo. Ponto de encontro de artistas pop brasileiros, de Jaloo à Pabllo Vittar, a Zig se transformou no local dos afters e festas de artistas gringos como ShyGirl e Slayyyter até Fred again.. e Victoria De Angelis (Måneskin).

Mirands

Em 2024, um dos marcos mais simbólicos da casa foi a realização da festa Party Girl, de Charli XCX, um dos eventos oficiais de lançamento de “BRAT”, um dos discos mais celebrados do ano. A festa com DJ set de Charli foi realizada no mês de junho em Londres, na Cidade do México e em São Paulo e por aqui foi uma escolha da própria artista realizar o evento no local – que ela já havia visitado durante a realização do ClubShy, de ShyGirl, após o Primavera Sound Brasil 2022. De todo modo, para além de ser palco de eventos que unem diferentes celebridades do mundo da música, a Zig se transformou também em um espaço importante para artistas da cena independente LGBTQIA+ brasileira, recebendo de Mia Badgyal até as ousadias Irmãs de Pau e Katy da Voz e as Abusadas. Por isso mesmo, com toda essa trajetória, fez todo sentido que o Zig ganhasse o seu primeiro festival com um line-up que celebra essa história e esse universo de artistas.

Realizado no dia 7 de dezembro, no Canindé, na capital São Paulo, a primeira edição do Zig Festival reuniu nomes como as brasileiras Urias, Irmãs de Pau, Jup do Bairro, Katy da Voz e as Abusadas e as atrações internacionais Brooke Candy e Coucou Chloe, além de um refinado leque de DJs como CyberKills, Mirands, Pedrowl e o próprio anfitrião da festa, Rafa Maia. Criador e gestor do Zig ao lado de Werik Andrade, Rafa Maia explicou que esse novo passo com o Zig Festival “soa natural dentro da nossa caminhada dos últimos anos em São Paulo. À medida que a gente foi recebendo esses artistas em afters para curtirem o Zig, desde a Slayyyter e Pabllo Vittar, até começar a receber artistas internacionais para tocar e cantar, como Fred Again, Hercules and Love Affair e Tinashe, por exemplo, a gente entendeu que um festival, um momento de comemoração e celebração do que a Zig e o público vêm construindo juntos na nossa noite, faria completo sentido. É um passo pequeno por enquanto, mas sem dúvida o início de um sonho mesmo sendo realizado”. E um sonho ousado, feito de forma independente, como toda a história do Zig, sem o apoio de grandes marcas – que como sabemos bem, muitas vezes não querem ser associadas aos discursos e às próprias existências dos artistas e do público que frequenta um festival como esse.

Sobre a curadoria do Zig Festival, Maia reforça que ela “precisava refletir 100% artistas e atmosferas que a gente ama, nutre e perpetua ao longo do ano todo nas três unidades da Zig. A gente está muito satisfeito que, para a primeira edição de um projeto grande como esse, a gente tenha conseguido recriar e transportar o que fazemos semanalmente na pista de dança para um festival em um local aberto para celebrarmos por mais de 13 horas esses artistas dançando com eles ao lado deles!”. E isso foi o que se viu no espaço do Sonora Garden, no Canindé: uma reunião dos mais diversos públicos do Zig em torno da música. O festival começou no início da noite de sábado e só se encerrou no meio da manhã de domingo, em uma noite que mesclou show e DJ sets em duas pistas: um palco principal, onde rolavam os shows, e uma pistinha reservada só para as mais fervidas.

CyberKills

Além dos DJs sets livres, o evento foi marcado por três momentos simbólicos que celebraram artistas que fizeram parte da história da boate: Madonna, Charli XCX e Beyoncé, com os momentos chamados Madonna Hour, Brat Hour e Renaissance Hour, celebrando lançamentos que renderam algumas das festas mais icônicas da marca nos últimos anos. Para além das questões musicais, vale destacar nesse primeiro Zig Festival o excelente uso do espaço, que propiciava uma circulação fácil e tranquila entre as duas pistas, criando uma experiência muito próxima da encontrada nos diferentes espaços da Zig, em que se encontra amigos e se bate-papo entre conhecidos e novos conhecidos. Isso é uma vitória, pois conseguir manter esse mesmo clima em uma estrutura muito mais ampla e cheia de detalhes é um desafio que a equipe da casa conseguiu sustentar.

Para dar um panorama de como foi a noite, separamos abaixo quatro destaques e seremos bastante bairristas: gringos, o que temos a ver? Nossas artistas brasileiras entregaram performances muito ricas e interessantes e por isso vamos no ater nelas:

Jup do Bairro feat. Fuso!

Em 2024, Jup do Bairro lançou o ótimo EP “In.corpo.ração”, porém seu show no festival já abre novos caminhos com suas produções mais recentes ao lado do DJ e produtor Fuso!, que se apresentou com ela nas bases. Reunindo canções do novo EP e de sua estreia “Corpo Sem Juízo”, Jup abriu a festa com uma força e um entendimento muito claro do que seria aquela noite. Sua performance começou em modo mais emotivo e delicado, se expandiu por seus jogos teatrais e explodiu em rock e dança. Durante o espetáculo, Jup fez cover de “Máscaras”, de Pitty, com seus simbólicos versos de “O importante é ser você / Mesmo que seja estranho, seja você”; celebrou figuras queers negras fundamentais como Jorge Lafond / Vera Verão, Lacraia e outros personagens fundamentais do funk dos anos 2000; e conclamou o público para uma roda punk, quando ela própria desceu para o meio da galera e dançou junto. Jup fez questão de abrir a noite reforçando que o que viria pela frente seria uma celebração dos talentos trans do underground paulistano e foi realmente o que veio a seguir.


Katy da Voz e as Abusadas

As Katy da Voz e as Abusadas foram ganhando espaço no underground com uma mescla de batidas techno e letras de funk proibidão, que falam sobre sexo, prazer e fantasias sem nenhum pudor. Donas de dois dos discos mais potentes e pesados de 2024, “Atormentadas Y Remixadas” e “AINDA MAIS ATORMENTADAS Y REMIXADAS”, no palco as artistas criam um show único, que nos surpreende pelo inesperado. Com suas batidas pesadas e com a ousadia das artistas, o show de Katy da Voz e as Abusadas é com certeza uma das experiências mais punk da atualidade e isso é curioso, pois elas passeiam por diferentes extremos, tanto que vão desde conclamar o público para uma roda punk para logo na sequência fazer coreografias à lá girl band enquanto entoam palavrões, como os versos quase mântricos que repetem “porra-caralho” em looping, da perfeita faixa “VTNC”. Divertido e anárquico, o show de Katy da Voz e as Abusadas é uma experiência que vai do punk ao camp, sem medo algum e, por isso mesmo, é um dos melhores espetáculos do ano.


Irmãs de Pau

Desde o lançamento do single “Shambaralai”, no final de 2022, a dupla Irmãs de Pau passou por uma fase de mudanças e amadurecimento em seu trabalho que culminou no lançamento do ótimo disco “Gambiarra Chic pt.1” neste ano. Esse amadurecimento se reflete no palco, fruto de circulação pelo Brasil e passagens por importantes festivais, conseguindo expandir e deixar seu show cada vez mais redondinho. No palco, as artistas transitam entre o funk e o rap, criando diálogos extremamente interessantes com a música pop, com coreografia e a apresentação de remixes importantes de suas faixas. No show da Zig, além do repertório usual da dupla, elas receberam no palco as participações de Lia Clark e Katy da Voz, em momentos extremamente divertidos. Junto de Katy, elas cantaram a divertidíssima “Sensação de…”, lançada em parceria com KFOKK1963, em um pancadão pesado. Entre todos os momentos lindos do show das Irmãs de Pau, o que segue como a coisa mais absurda ainda é a comoção causada por “Shambaralai”, uma faixa que traz uma força que impulsiona a plateia a pular e cantar junto, quase que em uma congregação coletiva.


Urias

Urias é artista divisiva, nem todos embarcam nos seus sons e muitos podem ser afugentados pelo seu timbre único de voz, mas o fato é que a artista tem um charme que cativa no palco, ela sabe seduzir e conquistar sua plateia e isso se provou mais uma vez em seu show no Zig Festival, espetáculo esse que marca a fase de encerramento de sua era “HER MIND”, nome de seu disco de 2023. No palco, Urias se apresenta como uma diva pop que faz performance, dança com seus bailarinos e entrega um espetáculo que diverte ao mesmo tempo em que nos arranha – para lembrar que ela não é brincadeira. Nesta noite seu repertório navegou por canções de diferentes momentos de sua carreira, como as iniciais “Diaba” e “Racha” até números mais recentes, como “Je Ne Sais Quoi” e “KAWASAKI”. Após o dia já ter raiado, Urias finalizou seu show com o hit “Cuntelectual”, com a pista ainda pegando fogo.


O saldo final dessa primeira edição de Zig Festival foi de total celebração. Na pista de dança, foi lindo ver o set de CyberKills celebrando toda a sua história e a sua já inconteste marca deixada no pop brasileiro; assim como foi novamente uma catarse poder assistir e dançar ao som da pesquisa sempre inteligente e deliciosa de Mirands. Mais que se jogar na pista de dança, essa também foi uma noite de encontros, de celebrar a existência de um espaço como o Zig e de entender como esse “universo Zig” se expandiu para além de um espaço físico e existe hoje em dia como uma experiência maior, um coletivo de pessoas, um agrupamento de uma gente que se sente livre e solta de ser como se é e que celebra isso de forma poderosa na pista de dança. E ter no palco artistas tão diversas e tão múltiplas, celebrando ousadias e histórias, é também mais uma forma de reverberar o que há de mais bonito na própria Zig. Por isso mesmo, a gente sai dessa primeira edição com o desejo de que esse festival tenha vida longa e apenas cresça, seguindo como um palco importante para tantos talentos LGBTQIA+ do nosso underground.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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