texto por Paulo Pontes
foto de Nicko McBrain de John McMurtrie
demais fotos do texto de Fernando Yokota
Você já passou pela experiência de presenciar um momento histórico, sem saber (enquanto passava por ele) que tal momento seria tão especial? Então, quem esteve presente nos shows que encerravam a The Future Past World Tour, do Iron Maiden (iniciada em julho de 2023 na Eslovênia e finalizada com dois shows sold out no Allianz Parque, em São Paulo, em dezembro de 2024), pode ver não apenas a Donzela de Ferro em ação como também assistir às últimas apresentações do baterista Nicko McBrain com a banda – os únicos fãs que presenciaram de forma consciente esse momento que vai entrar pra história foi o pessoal que compareceu ao Allianz na segunda noite da banda em SP, no sábado, 7 de dezembro.
Horas antes do último show da banda em 2024, Nicko e o Iron soltaram uma nota nas redes sociais anunciando que aquela seria a última vez que o batera — um dos maiores da música pesada e referência indiscutível pra uma porrada de gente que veio depois — subiria ao palco com os amigos. São Paulo foi escolhida para receber esse evento histórico em uma turnê que celebrou um disco histórico, “Somewhere in Time” (1986), e um que ainda precisa passar pela prova do tempo, o excelente “Senjutsu” (2021).
E, olha só, a The Future Past Tour ainda teve outro fator que deixou ela muito mais especial. A banda incluiu no setlist da turnê uma música nunca antes tocada ao vivo: “Alexander the Great”. Foda! Bom, voltemos ao dia em que ninguém sabia que iria acompanhar o penúltimo show de McBrain com o Maiden.
Às 18h da sexta-feira, o trânsito no entorno do Allianz Parque, no bairro da Pompeia, era insano. Em determinado trecho da Av. Mário de Andrade, eram 30 minutos pra percorrer uma distância de 200 metros (sem brincadeira). Mas deu pra chegar ao estádio a tempo de conferir a banda de abertura, os dinamarqueses do Volbeat.
A banda é muito boa, tem músicas bem legais (com uma mistura de metal, rockabilly e hard rock setentista) e chegou a empolgar parte do público. A qualidade do show estava bem ok pra uma banda de abertura (vale lembrar que o Avatar, por exemplo, não teve a mesma sorte em 2022, quando abriu para o “Donzela de Ferro” no Morumbi). Infelizmente (como aconteceu com o Avatar) os telões ficaram desligados durante toda a apresentação dos caras, o que prejudica muito a experiência do público — e até mesmo dá uma quebrada na atenção da galera que está mais distante do palco.
Quando o sistema de som do Allianz deu play em “Doctor Doctor”, da banda UFO, todo mundo já sabia que o sexteto inglês estava chegando. Na sequência, parte da trilha sonora de “Blade Runner”, do Vangelis, foi o prenúncio de “Caught Somewhere in Time”, faixa que abre o disco de 1986, e que já colocou geral pra cima. Logo de cara, tanto “Caught Somewhere in Time” quanto (a maravilhosa) “Stranger in a Strange Land” provaram que não importa o tempo que ficaram engavetadas — o público cantou como se nunca tivessem saído dos setlists da banda. A recepção foi de arrepiar.
Depois veio a primeira de “Senjutsu”, “The Writing on the Wall”, que manteve a empolgação lá no alto. As outras duas do álbum mais recente, “Days of Future Past” e “The Time Machine”, não causaram o mesmo impacto, mas ainda assim são excelentes. Depois foi a vez de “The Prisoner”, única faixa do clássico “The Number of the Beast” (1982) a dar as caras na atual tour. “Death of the Celts” foi a próxima representante de “Senjutsu”, uma espécie de folk metal de primeira classe.
A animação geral voltou com tudo em uma verdadeira festa com “Can I Play With Madness?”. Todo mundo cantou a plenos pulmões. E não parou por aí: “Heaven Can Wait” empolgou geral, especialmente com a batalha no palco entre Dickinson e o Eddie versão “Somewhere in Time”. Um show à parte.
Mas o ápice mesmo foi a estreia de “Alexander the Great” nos palcos. Demorou quase quatro décadas pra rolar, mas valeu a espera. Dá pra dizer que a faixa já se garantiu como peça fixa nos próximos setlists. “Fear of the Dark” veio na sequência pra provar (mais uma vez) que, ao contrário do que muita gente fala, não pode ficar fora dos setlists do Maiden. A galera reclama que já deu, que é batida (e é), mas na hora não tem um ser vivo que permaneça imune a esse clássico. O mesmo (com um pouquinho menos de frenesi) acontece com a seguinte, a música que carrega o nome da banda: “Iron Maiden”.
Era hora do bis. Um cara ao meu lado, empolgado com o show, comentou com a galera dele: “Não dá pra ir embora sem ouvir ‘The Number of the Beast’”. Como ninguém avisou que essa não tava no set, fiz o favor: “Dessa vez não vai rolar, cara!”. A decepção foi visível, mas não tirou a animação que rolou até o acorde final da última música (vai ser difícil agradar todo mundo, né, mas que todo mundo deve ter saído feliz do Allianz, mesmo com as ausências de músicas clássicas, isso deve).
O bis começou com a intensa “Hell on Earth”, que veio com direito a labaredas no palco. Depois foi a vez de “The Trooper”, que dispensa apresentação, uma das melhores músicas da Donzela, de uma sensibilidade melódica que é característica de um dos maiores guitarristas da história do metal: Adrian Smith. Que final.
Uma celebração do passado, do presente e um adeus a uma lenda das baquetas. Uma banda que se firmou como um dos nomes mais representativos da história da música pesada. Ah, pra quem perdeu, Bruce deixou bem claro que eles vão voltar na Run For Your Lives World Tour, que começa em maio de 2025 em Budapeste. Só não vai ser com Nicko. De qualquer forma, não perca!
– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/