entrevista de Leonardo Vinhas
O Scream & Yell sempre apresentou e defendeu iniciativas de integração latino-americana pela música, tendo até mesmo feito seu pequeno quinhão de contribuição, com vários álbuns inéditos que nasceram a partir desse mote e estão disponíveis no selo do site. Por isso, quando vemos uma iniciativa como “Unidad Riddim”, é difícil esconder o entusiasmo.
O álbum é uma coletânea calcada na sonoridade que se originou nos soundsystems jamaicanos, especialmente o dub. Só que ninguém no disco vem das praias da terra de Lee Perry, e sim dos becos e clubes de cidades ibero-americanas – e ainda sobra espaço para representantes da França e da Alemanha. Aliás, é no país germânico que nasceu essa ideia, concebida por Mortiz Von Korff, baixista da banda Dub Inc. e fundador do selo Oneness Records, dedicado a fazer conexões entre doidões enfumaçados do mundo inteiro.
A ideia de “Unidad Riddim”, na verdade, é uma espécie de single turbinado, ou pelo menos uma abordagem bastante literal de “visões sobre o mesmo tema”. Korff e o tecladista francês Frederic Peyrón compuseram algumas frases melódicas que se propunham a mostrar semelhanças entre a música andina e a canção francesa. Depois, passaram esse material a vários artistas para que cada um compusesse em cima dele.
Algumas dessas criações são contribuições multinacionais, como a união da francesa Sara Lugo ao espanhol Morodo para entregar “Un Mejor Mañana”, ou a ponte entre o mexicano Legualerta e o chileno Tiano Bless que resultou em “A La Deriva”. Há, também, um dueto de feitio brasileiro, “Antes Que Seja Tarde”, a cargo de Jhayam e Srta Paola.
Claro que um álbum com nove releituras de uma mesma base musical não é para ser ouvido de uma vez só. O legal é ouvir aos poucos para conhecer como cada artista confere sua identidade ao pacote – tarefa na qual uns são mais bem-sucedidos que outros, naturalmente. E também vale como um ponto para conhecer os artistas que mais chamam a atenção do ouvinte.
É interessante notar que essa sonoridade de inspiração jamaicana encontrou uma cara própria, ainda que nichada, em diversos países da América Latina. A Argentina, por exemplo, deu ao continente verdadeiros reggae stars que ficaram conhecidos para além de suas fronteiras, como Fidel Nadal (presente neste álbum) e Dread Mar I. México e Equador se aprofundaram nas experimentações e buscaram novas sonoridades para o estilo, enquanto alguns poucos malucos espalhados por lugares como Colômbia e Brasil.
Aproveitamos o lançamento do álbum para fazer algumas perguntas para Moritz Von Korff. As respostas definitivamente não são aquele clichê underground do “batalhar espaços” e afins.
Apesar de certa tradição na América Latina, os soundsystems e mesmo o dub ficam relegados à cena underground por aqui. O que seria necessário para que eles se tornassem mais presentes e aderentes à cena local?
Essa é uma pergunta muito interessante e muito difícil, especialmente para mim, que não estou na América do Sul (risos). Acho que um álbum de reggae realmente bom e bem-feito por algum grande artista latino-americano do mainstream poderia mudar algo. Imagine se a Shakira fizesse um álbum de “modern roots” produzido por Don Corleone com feats de gente como Busy Signal, Tarrus Riley, Capleton e Dread Mar-I. Some a isso uns possíveis dois hits desse trabalho. Algo desse tipo mudaria definitivamente a cena e motivaria outros artistas grandes a fazer algo do tipo.
Quais foram os critérios para selecionar os artistas que participam de “Unidad Riddim” e, mais especificamente, como vocês conseguiram conciliar as colaborações internacionais (Sara Lugo & Morodo, Lengualerta & Tiano Bless)?
Definitivamente baseamos nos critérios em música: primeiro em que poderia soar bem instrumentalmente; e segundo quem era mais acessível, artistas que a gente pudesse entrar em contato com facilidade. Esse segundo critério foi mais complicado, afinal estou na Europa e maioria dos artistas não conhecia nem a mim e nem os meus projetos anteriores. Tanto que entrei em contato com muitos artistas que nem obtive resposta. Por exemplo, acho que escrevi para cerca de 30 cantores pensando em usar os vocais, e isso não funcionou por diversos motivos. No caso de Sara Lugo, nós já tínhamos a canção dela e estávamos com vontade de incluir um vocal mais áspero para criar um contraste. Conheço Sara desde que ela era criança, pois crescemos na mesma área próxima de Munique e até fui à escola com o irmão mais velho dela, Tom, que também é músico. Já Morodo surgiu no mapa porque o vi em Bogotá, no cancelado Jamming Festival, quando eu estava lá como baixista da Dub Inc.. Lengualerta veio à minha mente quando pesquisei sobre ele no Google e percebi que ele já tinha trabalhado com amigos músicos comuns, como Raggabund e Wally Warning. E finalmente consegui conhecê-lo na Cidade do México e ele acabou sendo uma personalidade supersimpática e humilde que foi muito útil para o projeto. Acho que perguntei a ele sobre mais contatos na América do Sul e chegamos em Tiano Bless e então a ideia de acrescentar Tiano estava muito próxima, pois eles são amigos.
Existe alguma possibilidade desse álbum se tornar uma turnê, mesmo que em parte? Entendo que seria algo muito difícil do ponto de vista logístico e financeiro, mas seria incrível ver alguns desses artistas compartilharem o mesmo palco.
Essa é uma bela ideia. Eu não tinha pensado nisso, para ser honesto, mas imagino que juntar alguns deles, mesmo que poucos, seria bastante complicado. Começaria por conseguirmos uma boa agência ou promotores da América do Sul que pudessem organizar isso. Infelizmente isso é algo que não dá para fazer à distância, e você precisa de bons contatos locais e também do conhecimento das regras do bussines local, que não são as mesmas que temos aqui na Europa.
Coletânea “Unidad Riddim”:
01- Sara Lugo (França) & Morodo (Espanha) – Un mejor Mañana
02- Afaz Natural (Colômbia) – Verdadero Amor
03- Lengualerta (México) & Tiano Bless (Chile) – A La Deriva
04- Raggabund (Alemanha) – Lagrimas de Hielo
05- Dactah Chando (Espanha) – Te Quería
06- Jhayam (Brasil) & Srta Paola (Brasil) – Antes Que Seja Tarde
07- Fidel Nadal (Argentina) – Bing Bang
08- Umberto Echo (Alemanha) – Unidad Riddim Dubmix
09- Unidad Riddim Instrumental
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.