Três filmes: “A Jornada de Vivo”, “Amigos Imaginários” e “Leo”

textos de Marcelo Costa

“A Jornada de Vivo”, de Kirk De Micco (2021)
“Vivo” no original
Lin-Manuel Miranda é daqueles profissionais do entretenimento que acumulam prêmios na carreira: ele tem um Pulitzer, três Tony, dois Laurence Olivier, dois Emmy e cinco Grammy além de duas indicações ao Oscar. Em 2010, logo após deixar o elenco do musical “In the Heights”, um enorme sucesso na Broadway, Miranda apostou em “Vivo” (compondo a música original, dublando o personagem central e atuando como produtor executivo), uma animação musical sobre um artista cubano chamado Andrés e seu jupará Vivo, um animalzinho (fofo) da família dos guaxinins, mas a DreamWorks cancelou o projeto em 2015. Assumido pela Sony em 2016 e – após a consagração de Miranda com “Hamilton” e “Moana” – comprado pela Netflix (animada com o sucesso de “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”), “Vivo” estreou na plataforma em 2021 colhendo simpatia, mas poucos elogios. Muitos culpam exatamente a música que Lin-Manuel Miranda compôs para o filme, pois, notadamente, ele preferiu deixar o som clássico cubano de lado e investir no rap, claramente buscando um público mais jovem. Na trama, o jupará Vivo ganha uma missão após perceber que seu dono faleceu: levar de Havana para Miami uma composição inédita que seu falecido amigo compôs para uma grande paixão da juventude que logo depois mudou-se para os Estados Unidos, tornando-se uma cantora famosa. Quem irá auxiliá-lo na empreitada é Gabi, sobrinha-neta de Andrés, uma menina bem agitada de 10 anos que exemplifica, no roteiro, o choque entre herança cultural e étnica, bela sacada perdida entre números musicais dispensáveis. A sensação final é que há pouca hierarquia temática na história, com o personagem Gabi, uma típica adolescente irritante em choque com os pais (no caso, a mãe) soando… irritante. Os desenhos são bonitos (retratando Havana como um sonho poético e Miami como uma capital dispensável), o jupará tocador de realejo é fofo, mas “Vivo” serve apenas como um “passa tempo” dispensável para os filhos.

Nota: 5



“Amigos Imaginários”, de John Krasinski (2024)
“If” no original
Quando pequenas, muitas crianças têm amigos imaginários que só elas “enxergam” (esqueça agora mesmo o moleque de “O Sexto Sentido”). Porém, quando crescemos, esses amigos e toda fábula criada desaparece dando lugar a boletos, cansaço e um acúmulo infindável de tristeza (não necessariamente nessa ordem e nem apenas isso). O que será que acontece com esses amigos abandonados em nossa infância? Foi pensando nesse ponto de partida interessante pruma fantasia cinematográfica que John Krasinski escreveu, dirigiu e produziu “If”, uma fábula sobre criaturas criadas por mentes infantis absolutamente criativas que, esquecidas por suas crianças, vivem infelizes em Nova York em busca de um reencontro com sua criança (agora adulta) ou, então, um novo pequeno amigo. Dito assim parece simples, mas Krasinski tumultua a história de forma que crianças não entendam o que está acontecendo no filme, e adultos se percam tentando explicar a narrativa quebra-cabeça. Na trama, a jovem Bea (a ótima Cailey Fleming), de 12 anos, está passando por um momento difícil: após perder a mãe para um câncer, agora ela vê o pai diante de uma delicada operação no coração (isso nunca fica claro para o espectador, sendo que o pai, em nenhum momento, pareça sofrer de uma doença grave). Hospedada na casa da avó, palco de diversas aventuras familiares de férias, Bea acaba percebendo “pessoas” diferentes no prédio, a começar por um enorme bicho de pelúcia (?!?!) roxo chamado Blue (nitidamente inspirado em “Monstros S/A”, da Pixar) e uma borboleta com jeito de Minnie chamada Blossom. Detalhe: só quem enxerga um amigo imaginário é o próprio “dono” que o criou (e precisa lembrar-se dele para que o enxergue novamente), mas Bea enxerga todos (?!?!) e, após conhecer Cal (Ryan Reynolds), descobre que ele é responsável por tentar ressocializar os “monstrinhos”, e se escala para ajudar no trabalho. Ficou fácil de entender? Bem, há momentos fofos na história, claro, mas “If” soa uma ótima ideia que não foi devidamente lapidada. Faz sentir saudade de “Big Fish”, de Tim Burton (um legitimo contador de histórias surreais), e de “Amigos Invisíveis”, de Edgard Scandurra, obras que homenageiam esses personagens de maneira mais coerentemente poéticas.

Nota: 6


“Leo”, de Roberto Marianetti, Roberto Smigel e David Wachtenheim (2023)
Se o cinema mainstream anda em crise, regurgitando ideias passadas, o território das animações de grandes estúdios não ficaria de fora (como demonstra os dois exemplos acima), mas sempre (e felizmente) existe uma exceção, e “Leo” está aí para fazer todo mundo sorrir. Leo é uma tuatara (um réptil que guarda grande semelhança com os lagartos) que vive em uma espécie de aquário ao lado de uma tartaruga, a Squirtle, em uma sala de aula da quinta série numa escola da Flórida. Juntos, Leo e Squirtle assistiram a dezenas de turmas estudando naquela sala, já decoraram livros e até o método de cada professor, e tudo segue rotineiramente bem até Leo ouvir que as tuataras vivem até os 75 anos e, em suas contas, ele tem 74… e nunca saiu daquela escola, nunca conheceu o Parque Nacional Everglades. Decidido, então, a fugir, Leo faz planos que são alterados por uma nova rotina proposta pela professora substituta, a temível Sra. Malkin: a partir daquela semana, uma criança da turma irá levar um dos bichinhos da sala para passar o sábado e domingo em casa com sua família, prometendo alimentar e cuidar bem dele. Leo, então, é levado para casa por Summer, uma garotinha que fala tanto que seus colegas a evitam, e na tentativa de fugir do quarto da menina, o réptil revela que pode falar com ela, e os dois passam o fim de semana conversando, com Leo aconselhando a menina, que na volta para a sala de aula muda seu temperamento e passa a ser querida por todos. Um a um, cada aluno da sala enfrenta uma experiência com Leo, revelando, assim, um grande drama infantil: eles não têm com quem conversar (por medo dos pais, distanciamento ou mesmo insegurança). Fábula infantil deliciosamente impecável, “Leo” é o segundo filme da produtora de Adam Sandler, que dubla a voz do personagem na versão original, escreveu o roteiro ao lado de Roberto Smigel e Paulo Sado, e é responsável pela produção, adquirida pela Netflix em 2023. Ainda há vida inteligente nas animações made in USA, e “Leo” é a prova disso.

Nota: 9

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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