Ao vivo em São Paulo, Ghost faz show incrível e mostra que é, atualmente, uma das maiores forças da música pesada mundial

texto por Paulo Pontes
fotos no texto por Fernando Yokota
fotos e vídeos web: Raphael Rodrigues

Às 17h30 do dia 20 de setembro, quarta-feira, um comunicado na página do Instagram da banda Crypta anunciava que o quarteto barsileiro não faria a abertura do primeiro dos dois shows do Ghost em São Paulo. O relato foi de problemas logísticos. No mesmo horário, em frente ao Espaço Unimed, os fãs da banda sueca liderada por Tobias Forge já formavam uma enorme fila (que aumentava a cada minuto). O que esses fãs não sabiam é que a espera para entrar no recinto seria maior que o planejado (alerta de spoiler: ao final do show, certeza que ninguém mais lembrava da demora na abertura dos portões).

As maquiagens, das mais variadas versões do Papa Emeritus, estavam na fila; as fantasias de freiras, também. Tudo pronto para a grande “missa” do Ghost. Ou melhor, quase tudo. Aparentemente, o equipamento dos caras ficou retido no México (país em que a banda havia realizado um show no dia 18), o que resultou no atraso para a abertura da casa e no cancelamento do show da Crypta, que iria esquentar o público para Papa Emeritus e sua trupe (os “Nameless Ghouls”).

Tudo bem que esquentar o público não era assim tão necessário (literalmente). O calor em SP estava infernal. Pra piorar, apesar de ser um local excelente para shows, tanto em acústica, em estrutura e localização, o Espaço Unimed tem sofrido (ou melhor, a plateia tem sofrido, né?) bastante com o sistema de ar-condicionado nos últimos shows (fica aqui o registro — que já foi pontuado por outros colegas também). Se tava ruim pro público, imagina pro Papa no palco… Só pela misericórdia (do capiroto, diria Emeritus).

Sem show de abertura (e com uma introdução de 15 minutos, que emendou “Klara stjärnor”, “Miserere mei, Deus” e “Imperium” — essa última a faixa que abre o mais recente disco da banda, o excelente “Impera”, de 2022), eis que a cortina que escondia o palco foi ao chão e, a partir daí, o Ghost mostrou por que é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores forças da música pesada na atualidade, daquelas que não vai demorar muito para  lotar estádios mundo afora (os “medalhões” não são eternos, né, pelo menos não nos palcos).

A alegre “Kaisarion” (também do mais recente lançamento do Ghost) é o tipo de música perfeita para abrir um show e também um cartão de visitas que mostra como a banda tem pensado seu repertório, nos últimos anos (e álbuns), com foco em canções mais “palatáveis” e que criam uma atmosfera muito mais propícia a um espetáculo de rock, sem perder a teatralidade que é característica dos caras.

A sequência vem com a já clássica “Rats”, que fez a galera pular muito na plateia, e “Faith” (uma das mais pesadas em termos sonoros), que tem alternado a vaga no setlist da tour com “From the Pinnacle to the Pit”. Aí vem uma série de músicas muito, mas muito bem selecionadas e estrategicamente posicionadas no set. Todas executadas com interpretações marcantes e até mesmo bem-humoradas tanto de Papa Emeritus IV quanto dos Nameless Ghouls.

Por falar nisso, a qualidade da banda que tem acompanhado Tobias Forge em turnê com o Ghost é absurda. Destaque para dupla de guitarristas (vez ou outro um dos backing vocals assume uma terceira guitarra) que possui uma tecnica impecável e timbres maravilhosos. Mas todos se entregam no palco e são competentes em seus instrumentos. A qualidade sonora no espaço Unimed também estava excelente.

“Spillways”, “Cirice”, “Absolution” e “Ritual” anteciparam a aparição do Papa Emeritus com sua indumentária completa para a execução da magistral “Call Me Little Sunshine” (que entrou na lista de melhores de 2022 deste que vos escreve). “Con Clavi Con Dio”, do primeiro álbum da banda (“Opus Eponymous”, de 2010) dá destaque ao potente som de baixo e uma melodia das mais sombrias já compostas pela banda, um contraste perfeito não apenas com a anterior, mas também com a próxima, a hardona “Watcher in the Sky”.

Vale mencionar ainda a “tiktokiana” (a música viralizou na rede de vídeos) “Mary on a Cross”, que levou o público (principalmente da geração atingida por ela na rede) à loucura. Ah, sobre o público, foi bem legal ver uma diversidade etária tão extensa no meio da plateia.

“Respite on the Spitalfields”, faixa que encerra o disco “Impera”, foi a grande responsável por anteceder o bis. E ele veio com uma trinca poderosa! Antes, Papa Emeritus voltou sozinho ao palco pra perguntar se a galera queria mais uma ou duas músicas, e acabou fechando em três (as três que já estavam no setlist da turnê; zero surpresas). E olha, três músicas foda: “Kiss the Go-Goat”, “Dance Macabre” (que refrão!) e “Square Hammer” encerram um dos melhores shows do ano até aqui.

Toda a apresentação é de uma beleza visual e estética que casa muito bem com o clima de cada canção. Até mesmo a aparentemente desnecessária faixa instrumental “Miasma” tem um papel importante no show, que é a aparição no palco do já “falecido” Papa Nihil, “ressuscitado” aqui para tocar saxofone. Além disso, ao vivo as músicas da banda ganham muito mais punch e têm aquela capacidade de contagiar, fazer geral cantar junto, enfim. Showzaço!

Agora, ficam duas “certezas”: pelo o que foi presenciado no Espaço Unimed, colocar o Ghost para tocar em grandes estádios (aqui no Brasil) pode ser arriscado em termos de público (Mötley Crüe e Def Leppard que o digam), mas é um passo necessário.

– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash, assina a Kontratak Kultural e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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