texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota
vídeos por Bruno Capelas
Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 2
Até parece que foi um combinado do Coala Festival com o tempo: a sexta-feira mais amena, o sábado aquecendo o caldeirão e o domingo batendo na casa infernal dos 36 graus durante o dia no deserto de asfalto do Memorial da América Latina em que o palco era o oásis dos bons sons e a cerveja Lagunitas nossa água levemente amarga hidratando os fãs de música, que novamente chegaram cedo para ver as atrações de abertura e esticar até as 22h… e esse calor insuportável já deixa uma ideia martelando a cabeça: se o público dos dois primeiros shows (nos três dias) não costumou ultrapassar as 2 mil pessoas (somando todo o complexo do Memorial, pois assistindo aos shows realmente não havia mais do que mil almas corajosas) porque não adotar o Auditório Simon Bolivar e seus 1800 lugares como local inicial (com transmissão via telão para todo o complexo?). É de se crer que artistas e público ficariam ambos felizes com a opção…
E já que o assunto é estrutura, vale tanto parabenizar o Coala por manter o formato do ano anterior, pois isso ajuda quem já veio ao festival a se localizar rapidamente, quanto pedir apresentações mais intimistas no segundo palco, que fica no meio da área de alimentação, não costumando harmonizar música eletrônica com poke, hamburguer ou batata frita – aliás, levando em conta a sugestão do primeiro parágrafo, o auditório poderia ser um lugar especial para esses sets eletrônicos após as duas primeiras apresentações tornando o lugar um point de balada bem interessante. Viagens à parte, após dois dias mais vazios, o domingo recebeu o melhor público do Coala 2023, chegando a rivalizar com a edição anterior, e se teve Angela Rô Rô cancelando em cima da hora, também teve set matador de KL Jay, repetindo a apresentação consagradora de 2022.
Os termômetros marcavam 35 graus e, com sol na cara, o quarteto Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo trouxe Vitor Araújo (para um bronzeado) nos teclados, uma dupla de backings e um show roqueiro festejado, rebolado e bastante cantado pelo público presente com um set que juntou um single de 2019 (“Idas e Vindas do Amor”), faixas do primeiro disco (“Fora do Meu Quarto”, “Debaixo do Pano”, “Delícia/Luxuria”) e números do recém-lançado “Música do Esquecimento” (“Embaraço Total”, “Segredo”, “Quem Vai Apagar a Luz” e “Minha Mãe é Perfeita”) em versões vigorosas. Na sequência, o alagoano Bruno Berle, cantautor de mão cheia que lançou o belo “No Reino dos Afetos” (2022), tocou pela primeira vez acompanhado de uma banda completa, o que valorizou suas canções (como “Quero Dizer”), num show que teve versão de Gilberto Gil (“Pé da Roseira”, do disco do fardão, de 1968) e participação de Bebé cantando a sua “Tenta Me Entender”.
Solzão torando, como diria outro, e o icônico Marcos Valle – em show que celebrava seus 80 anos de vida e 60 de carreira – chegou de jaqueta branca, que foi festejada quando ela a tirou ainda antes de acabar a primeira música. “Bicicleta” (1984) e “Parabéns” (2006) chegaram suaves e suingantes distribuindo sambossajazz para os presentes e preparando o terreno para uma das primeiras convidadas da tarde, Joyce Moreno, que chegou aplaudidíssima (um show do disco “Passarinho Urbano” cairia bem no Coala 2024, hein) para cantar, primeiro, “Besteiras de Amor” (2003), depois “Os Grilos” (1970) e, ao lado de Céu, “Samba de Verão” (1983). Para homenagear o parceiro João Donato, Marcos resgatou “Não Tem Nada Não”, do álbum clássico “Previsão de Tempo” (1973). “Que honra enorme estar nesse palco com esse monstrão…”, celebrou Céu antes de “Água de Coco” (2003), e Marcos Valle fechou o set de um show bastante bonito com “Estrelar” (1983) – será que seria sonhar demais um show dele só com canções dos anos 60?
Com o cancelamento da participação de Angela Rô Rô, Letrux ficou com a responsabilidade de segurar o horário sozinha com sua banda, e talvez muitos artistas não dessem conta da tarefa, mas Leticia Novaes é uma daqueles admiráveis exemplos de força da natureza, uma mulher que parece ter nascido para brilhar, para o palco, e que faz desse espaço seu cantinho mais íntimo, e convida o público a compartilhar dele. Com disco recém-lançado nas ruas (“Letrux como Mulher Girafa”), a cantora carioca também passeou pelo já clássico “Letrux em Noite de Climão” (2017) em poderosas versões de “Que Estrago”. Na hora de falar da ausência de Angela, Letrux contou que Rô Rô teve algumas questões e “a gente chorou no telefone hoje”, e manteve no set, em forma de homenagear a amiga, as duas covers ensaiadas, as maravilhosas “A Mim e a Mais Ninguém” e “Amor, Meu Grande Amor” (ambas do primeiro disco, “Angela Rô Rô”, de 1979), fidelíssimas. Alguém poderia pensar: o show, então, alcançou um clímax e decaiu, certo? Errado! Inquieta e encantadora, Letrux mostrou novas canções (“As Hienas”, “As Feras, Essas Queridas”, “Teste Psicológico Animal”) e hits dos discos anteriores, (“Flerte Revival”, “Ninguém Perguntou Por Você”, “Déjà-Vu Frenesi”) numa apresentação absolutamente irretocável.
Um dos shows mais aguardados do sábado, o encontro de Marina Lima (em dia de aniversário) e Fernanda Abreu começou estranho e, de certa forma, frio com as cantoras alternando hits no palco sem muita colaboração: uma entrava por um lado, cantava “Acontecimentos” e saia; a outra surgia do outro lado com “Você Pra Mim”, cantava e dava tchau; Marina então voltava com “À Francesa”, Fernanda surgia com “Garota Sangue Bom”, dedicada a Marina, que cantou uma colaboração sua com Letrux, “Mãe Gentil”. Assim, os hits se atropelavam em cena surgindo sempre em boas versões para um público que se jogou na festa cantando e dançando (de “Ainda é Cedo”, introduzida por versos de “Ideologia”, passando por “Pra Começar”, “Rio 40 Graus” e “Kátia Flávia”) até o aguardando encontro das duas em cena, e se os beijos e cariciais trocados em “Mesmo Que Seja Eu” (canção que Marina “roubou” deliciosamente do repertório de Erasmo transformando em sua na gravação do clássico álbum de 1984) amanheceram na segunda-feira em todos os sites de fofoca, a despedida cumplice com as duas cantando juntas o hino “Fullgás” e o hit “Uma Noite e ½” deram o toque final para uma apresentação celebratória.
E retomando o termo “celebração”, muitos temiam que Jorge Benjor engatasse um trem de pot-pourris desenfreado no show de encerramento do Coala 2023, mas o “Rei do Brasil e Rei da Etiópia”, como foi introduzido por KL Jay, fez uma daquelas apresentações que injetam adrenalina na veia e fazem todos os neurônios dançarem reavivados. As músicas surgiam, quase sempre, em pequenos blocos, que uniam, por exemplo, “Jorge da Capadócia” com citação de “Salve Simpatia” passando por “A Banda do Zé Pretinho” e um com “Santa Clara Clareou / A minha menina / Zazueira”, outros com “Que Maravilha / Magnólia / Ive Brussel” e “Por causa de você, menina / Chove, chuva”. O corpo do cidadão presente desde as 13h no Memorial dançava porque é assim que a música brasileira nos ensinou, desde sempre, e o fazemos automaticamente cantando hinos do quilate de “Morre o Burro, Fica o Homem” (aprenda o conselho: “se ela[e] disser que não ter quer mais, arranja outra[o]~meu rapaz [minha amiga]) até uma colaboração com Fiuk (“Quero Toda Noite”) num daqueles shows de hits intermináveis – “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)” “Taj Mahal”, “Fio Maravilha” – que, infelizmente, terminam, porque precisamos voltar pra casa, exaustos, mas com sorriso na alma.
Com uma curadoria inteligente, o Coala Festival 2023 entregou três dias de nenhum show ruim, a ainda que um aqui e outro acolá possam ter ficado abaixo da expectativa, a junção de música brasileira clássica com música brasileira nova mostra que pode continuar dando muito caldo. É possível melhorar a estrutura, e o fato de o público transformar em arquibancada uma escadaria de madeira no fundo da área de shows demonstra que mais espaços assim poderiam fazer sucesso em edições futuras – assim como se faz necessário repensar esses shows debaixo de sol violento num jardim de cimento nesse cenário caótico vindouro de dias quentes podendo colocar a vida das pessoas em risco, tudo com o intuito de fazer com esse festival continue sendo um dos melhores e mais interessantes do país.
CINCO TOP CINCO DO COALA FESTIVAL 2023
Adriano Costa (Coisa Pop)
01) Jorge Ben Jor
02) Novos Baianos
03) FBC
04) Jards Macalé & Ana Frango Elétrico
05) Péricles
Bruno Capelas (Scream & Yell / Programa de Indie)
01) Jards Macalé & Ana Frango Elétrico
02) Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo
03) FBC
04) Jorge Ben Jor
05) Novos Baianos
Fernando Yokota (Scream & Yell / Whiplash)
01) Marcos Valle, Céu e Joyce Moreno
02) Péricles
03) Jards Macalé & Ana Frango Elétrico
04) Marina Lima & Fernanda Abreu
05) Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo
Marcelo Costa (Scream & Yell)
01) Jorge Ben Jor
02) Jards Macalé & Ana Frango Elétrico
03) Letrux
04) FBC
04) Boogarins
Renan Guerra (Scream & Yell / Vamos Falar Sobre Música)
01) Jorge Ben Jor
02) Marina Lima & Fernanda Abreu
03) Jards Macalé & Ana Frango Elétrico
04) Simone
05) FBC
Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 2
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.