texto por Marcelo Costa
Um dos cineastas mais prolíficos da história do cinema, Woody Allen é um exemplo perfeito de como entrar numa determinada profissão não sabendo absolutamente nada sobre as técnicas necessárias e ir crescendo trabalho a trabalho até se tornar um grande mestre naquela função. No caso de Woody, ele começou sua vida artística ainda menor de idade escrevendo piadas para escritores na Broadway, virou um comediante de stand-up de primeira linha (com direito a indicação ao Grammy por seu álbum de comédia de 1964, “Woody Allen”), até pousar de paraquedas no território do cinema.
Na sétima arte, Woody Allen mostrou-se um apaixonado devoto do cinema italiano (com a obra de Federico Fellini o influenciando decididamente) tanto quanto das gags dos Irmãos Marx, uma junção que começou 99.5% piada e 0,5% seriedade nos primeiros filmes até inverter totalmente a narrativa com “Interiores”, de 1978, seu primeiro drama totalmente bergmaniano (ainda que ele já tivesse “dançado com a morte” em “Love and Death”, de 1975). Daí pra frente, em sua fase madura, Woody Allen nunca irá desperdiçar uma piada, mas fará cada vez mais filmes sérios (para desespero dos alienígenas de “Memórias”, que durante anos foi seu filme favorito, posto hoje ocupado pela obra-prima “Match Point”).
Seus filmes já foram indicados 53 vezes ao Oscar tendo levado pra casa 12 estatuetas, muitas delas com o nome de atrizes como Cate Blanchett (“Blue Jasmine”), Penelope Cruz (“Vicky Cristina Barcelona”), Mira Sorvino (“Poderosa Afrodite”), Diane Keaton (“Annie Hall”) e Dianne Wiest – duas vezes (“Hannah e Suas Irmãs” e “Tiros na Broadway”). Woody ainda é recordista em indicações na categoria de Melhor Roteiro Original: são 16 e três vitórias (“Annie Hall”, “Hannah e suas Irmãs” e “Meia Noite em Paris”). A essas 16 indicações somam-se mais oito, sete delas como Melhor Diretor (venceu com “Annie Hall”) e uma como Melhor Ator. Ele ainda ganhou 10 prêmios BAFTA e dois Globos de Ouro.
Com o “cancelamento” promovido na segunda metade dos anos 10 da pessoa e, por conseguinte, da obra, alguém pode perguntar: por que Woody Allen? Porque é um cineasta com uma obra extensa que merece ser explorada; porque essa obra dialoga com o cinema clássico (e com a vida) como poucas, permitindo conexões e aprofundamentos; porque Woody faz rir e faz pensar, às vezes numa mesma frase, e isso é cada vez mais raro na arte. E porque a indústria do cancelamento não é Justiça, mas Justiçamento, podendo frequentemente se equivocar por pressa, desinformação ou sadismo.
Isso não quer dizer que Woody seja inocente da acusação que sofre (o tema é gravíssimo), mas que ele também pode não ser culpado. É uma premissa básica muitas vezes esquecida e constantemente atropelada, ainda mais em um tempo de caça a bruxos cruéis, homens que vilanizaram de forma criminosa a vida de milhares de pessoas (a grande maioria, mulheres), o que faz com que acusações – amplificadas em tempos de internet – tomem proporções gigantes, e como alguém descreve em “Tár”, um dos grandes filmes de 2022: “Hoje em dia ser acusado é o mesmo de ser culpado” – o que rende uma discussão interminável.
Após esse preambulo necessário, voltemos ao cinema: a seleção abaixo abarca 69 obras (entre filmes próprios, participaçõesem filmes de outros diretores e documentários), quase praticamente toda carreira cinematográfica de Woody Allen seja atuando, roteirizando e / ou dirigindo (“The Laughmakers”, seu primeiro roteiro, de 1962, para o piloto de uma série que não vingou, permanece inacessível). São sete décadas dedicadas ao cinema, e ainda que o ritmo alucinante de um filme por ano possa ter vitimado esta ou aquela obra, o número de filmes arrebatadores é elevado, de filmes bons também, e mesmo aqueles que ficam aquém da expectativa merecem uma olhadela descompromissada. Bora olhar?
Título Original: What’s New, Pussycat? (1965)
Título Nacional: O Que é Que Há, Gatinha?
Woody Allen assina o roteiro e atua
O primeiro roteiro de “O que é que Há, Gatinha?”, projeto idealizado para ter Warren Beatty como ator principal (o título do filme era uma frase que o ator dizia ao atender ao telefone), não agradou o estúdio, que saiu a caça de algum roteirista que pudesse “consertá-lo”. Woody Allen foi o escolhido e reescreveu toda a história (aproveitando para escrever um papel para si mesmo), mas o resultado final não agradou Warren Beatty, que pulou fora do projeto – a vaga foi ocupada por Peter O’Toole. A primeira cena oficial de Woody Allen no cinema foi gravada no dia de seu aniversário de 29 anos: não à toa, seu personagem está “comemorando” o próprio aniversário de 29 anos com um jantar solitário à beira do Rio Sena, em Paris, quando outro personagem planeja se suicidar, duas sensações que resumem a frustração de Woody ao ver diretor (Clive Donner) e produtor (Charles K. Feldman) mutilarem seu roteiro. Ainda assim, “O Que é Que Há, Gatinha?” fez enorme sucesso de bilheteria, o que não amenizou a frustração de Woody: “O pessoal do estúdio dizia que o sucesso se devia à participação de Sellers e O’Toole, não ao roteiro”, desabafou para o biografo Eric Lax (no livro “Conversas com Woody Allen”), completando que, se seguissem o que ele tinha escrito, “o filme teria sido duas vezes mais engraçado… e feito metade do sucesso”. A trama cômico-romântica é simples: o editor de uma revista de moda (O’Toole, excelente) está apaixonado por uma professora (a cativante Romy Schneider)… e também por todas as outras mulheres do mundo. Por isso procura um psicólogo buscando tratamento para sua infidelidade, mas o tal doutor (Peter Sellers) apenas o confunde mais. Com boas piadas, trilha de Burt Bacharah, final feliz à lá Billy Wilder e ponta de Ursula Andress (já uma Bond Girl) e Françoise Hardy, “O Que é Que Há, Gatinha?” é divertidinho e ainda conta com uma homenagem de Woody à Fellini, com Peter O’Toole recriando uma cena clássica de Marcelo Mastroianni em “Oito e Meio” (1962).
Título Original: What’s Up Tiger Lily? (1966)
Título Nacional: O Que é Que Há, Tigresa?
Woody Allen assina o roteiro e “atua”
A grande função do segundo filme de Woody Allen, o primeiro em que ele assume a posição de “diretor”, ainda que de maneira torta, é ensiná-lo a lidar com as artimanhas mequetrefes de Hollywood. A primeira delas vem no título, que tenta pegar carona no sucesso de “O Que é Que Há, Gatinha?”, ainda que os filmes não tenham relação. A segunda diz respeito sobre o próprio filme, um thriller japonês chamado “l Secret Police: Key of Keys”, de Senkichi Taniguchi, que, após frustrar seus compradores norte-americanos na dublagem, foi entregue para Woody, que deveria remontá-lo como quisesse inserindo suas piadas. Terceiro: após “terminado” o novo filme, Woody foi surpreendido na edição final, que incluiu dois números musicais do The Lovin’ Spoonful inseridos pelos produtores (a sua revelia) para aumentar a minutagem, sem nenhum nexo com a história, que, afinal, não tem lá muito nexo mesmo: na trama recriada por Woody, um agente precisa recuperar a receita secreta de uma famosa salada de ovos. Arrependido com o resultado (“Foi uma coisa idiota e imatura”), Woody tentou impedir que o filme fosse lançado, mas “O Que é Que Há, Tigresa?” acabou (surpreendentemente) recebendo boas críticas, e ele desistiu da ação. “Mas sempre achei o filme um exercício pueril”, afirma, corretamente. Ainda que seja uma grande bobagem que pode interessar a fãs de Hermes & Renato (e só a eles), “O Que é Que Há, Tigresa?” tem como mérito ensinar a Woody o que ele precisava para sobreviver em Hollywood: controle total sobre suas obras.
Título Original: Casino Royale (1966)
Título Nacional: Cassino Royale
Woody Allen atua
A terceira investida de Woody foi nesta paródia inspirada no livro de Ian Fleming lançado em 1953, mas que não é da série oficial dos filmes de 007, pois foi rodado por outra equipe e estúdio estando fora de padrões e contratos. Em 2006 foi lançada a refilmagem com o mesmo nome, marcando o reinício da série oficial de James Bond. Em 1966, porém, Woody relutou em aceitar o papel (duplo que tem no filme), mas seu empresário ordenou (“acertadamente”, ele conta em “Conversas com Woody Allen”): “Cala a boca e faz o filme. Vai ser cheio de estrelas e vai ajudar a te lançar no cinema”. O resultado, porém, ele já sabia: “Não precisava ser um grande observador para saber que o filme é um caos idiota”. Parte da confusão surge do roteiro, dividido oficialmente por três pessoas, mas com outras seis (Billy Wilder incluso) colocando as mãos. Na direção, o filme foi dividido entre cinco diretores (!), o que transformou o resultado final em uma salada bastante indigesta. O elenco era espetacular (David Niven, Deborah Kerr, Orson Welles, John Houston, Peter Sellers, Ursula Andress, Jacqueline Bisset, William Holden, Peter O’Toole e Jean-Paul Belmondo), o que garantiu uma boa bilheteria (custou US$ 12 mi e arrecadou US$ 42 mi), mas não salvou o filme de ser uma imensa bobagem. Woody faz uma primeira aparição curta no meio do filme e retorna no final improvisando piadas (ele não tocou no roteiro), apagado diante de um grande elenco. Ainda assim, ele diria depois: “Foi uma experiência absolutamente aula pra mim”.
Título: Don’t Drink The Water (1969)
Título Nacional: Que Sequestro Aéreo!
Baseado no roteiro da peça de Woody Allen
Em 1966, Woody Allen escreveu o roteiro para uma peça de teatro que foi dirigida por Stanley Prager e teve 598 exibições, passando por três teatros da Broadway e transformando-se em um grande sucesso (hoje em dia é encenada constantemente por alunos do High School estadunidense – dê uma busca no Youtube). Em 1969, a Avco Embassy Pictures comprou os direitos da peça para o cinema, escalou o comediante Jackie Gleason para o papel principal, Howard Morris para a direção, dois roteiristas de sitcom para o texto (RS Allen e Harvey Bullock) e o resultado, segundo o próprio autor em “Conversas com Woody Allen”, é “um manual de como comprar uma peça e transformá-la em ruinas. Não é nem uma boa peça, mas é um veículo para o riso fácil”, explica Woody. Relançada em bluray em 2020, “Don’t Drink The Water” é, realmente, uma grande bobagem que não funciona, mas, quer saber: em alguns momentos se sai melhor do que a versão que o próprio Woody Allen dirigiu nos anos 90. Nessa primeira versão, a abertura é longuíssima, oito minutos entediantes. Daí pra frente, os espectadores acompanham a saga de uma família de férias na Europa, cujo avião foi sequestrado e levado para a fictícia Vulgaria, atrás da Cortina de Ferro. Lá, a família turista desce do avião para fazer fotos e é tratada como espiã: a saída? Se esconder na embaixada dos Estados Unidos, que nesse momento é comandada pelo atrapalhado filho do embaixador. É piada besta atrás de piada besta. Algumas envelheceram bem, mas, no geral, “Don’t Drink The Water” é um pastelão em que absolutamente nada se salva.
Título Original: Take The Money and Run (1969)
Título Nacional: Um Assaltante Bem Trapalhão
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Após três experiências ruins no cinema (ainda que duas tenham sido sucesso de bilheteria), Woody Allen tinha como meta não deixar ninguém estragar seu próximo filme. O roteiro (dividido com Mickey Rose) ficou pulando de mesa em mesa em Hollywood (a United Artists convidou Jerry Lewis para dirigir, mas ele recusou) até que Woody decidiu assumir a direção e lançá-lo pela novata Palomar Pictures. Com controle total sobre a obra (dirigindo, escrevendo e atuando), Woody finalmente conseguiu imprimir uma história que unia um texto divertido e inteligente com uma atuação cômica que declara sua paixão pelos Irmãos Marx. Primeiro mockumentário (falso documentário) a ser distribuído em grande circuito (estilo que ele elevaria a perfeição com a obra-prima “Zelig”, de 1983), “Um Assaltante Bem Trapalhão” conta a história de Virgil Starkwell (Woody), um ladrão que nunca frequentou a lista dos 10 bandidos mais procurados dos Estados Unidos (“É uma votação injusta, feita por influência”, declararia sua esposa), mas que, ainda assim, não desiste da única coisa que (não) saber fazer: assaltar. Filmado em São Francisco e na prisão de San Quentin (Johnny Cash, lembra?), “Um Assaltante Bem Trapalhão” conta com boas piadas (como quando conhece sua futura esposa: “Em 15 minutos queria casar com ela; em 30 desisti de roubar sua bolsa”) e fez um sucesso relativo (custou um milhão e meio de dólares e arrecadou US$ 3 milhões), garantindo a Woody um contrato de três filmes com a United Artists, a mesma que havia desistido deste roteiro.
Título Original: Bananas (1971)
Título Nacional: Bananas
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
O contrato com a United Artists não garantia facilidades, como Woody logo descobriria: os novos chefes recusaram “The Jazz Baby” (que ele só iria filmar no final dos anos 90 com o nome de “Sweet and Lowdown” – “Poucas e Boas”) e um segundo roteiro, “The Filmmaker”, não passou de seus produtores. O terceiro roteiro que Woody estava trabalhando (novamente com Mickey Rose) era baseado em um livro sobre as ditaduras da América do Sul, mas a dupla achou o livro ruim e decidiu escrever a sua versão da história seguindo o modelo elogiado de “Take The Money and Run”: piada atrás de piada. Nascia “Bananas”, uma comedia escrachada (filmada em Nova York e Porto Rico) que sacaneia tanto as revoluções latino-americanas como a política externa dos Estados Unidos tendo como pano de fundo uma história de amor: Fielding Mellish (Woody) está apaixonado pela jovem ativista Nancy (Louise Lasser) e, após ela romper o namoro, decide viajar para São Marcos, um pequeno país dominado por militares na América Central, para impressioná-la. A cena de abertura mostra o assassinato do presidente de San Marcos e é (perdoe o trocadilho) matadora, e há mais um incontável número de boas piadas num filme que não só mostra a evolução de Woody (atuando, escrevendo e dirigindo) como ainda traz Sylvester Stallone numa ponta como um arruaceiro no metrô. Genial e polêmico, “Bananas” só foi liberado no Brasil (por militares e igreja) quatro anos após sua estreia (1975), e com uma cena cortada: a do sensacional comercial do cigarro Novo Testamento.
Título Original: Men of Crisis: The Harvey Wallinger Story (1971)
Título Nacional: Nunca exibido no Brasil
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
“Men of Crisis” nunca foi exibido. Woody escreveu o curta (de 25 minutos) a pedido da rede de televisão pública PBS, de Nova York, e entregou o filme sem cobrar nada, mas a direção da emissora, após assistir ao ácido mockumentário, decidiu engavetar o projeto, que ficou esquecido por décadas. Woody ficou furioso, e prometeu nunca mais fazer nada para TV (promessa que ele quebraria com “Don’t Drink the Water”, de 1994). Em 1997, o então diretor da emissora encontrou a fita, e sinalizou o desejo de exibi-la, sem sucesso. Na década seguinte, o rolo apareceu no Paley Center for Media (ex-The Museum of Television & Radio) de Nova York e, em 2011, caiu na web. Após fazer piadas com Igreja, ditaduras latino-americanas e a política externa dos Estados Unidos em “Bananas” (também de 1971), Woody desanca Richard Nixon às vésperas do então presidente anunciar sua candidatura à reeleição. “Men of Crisis” conta a história de Harvey Wallinger (Woody), braço direito do presidente, responsável por fazer a Casa Branca funcionar (e que recebe ligações da primeira-dama Pat quando o presidente está viajando: “Dick não está em casa. Venha para cá”, conta Harvey, que diz desencorajá-la por não achar esse tipo de coisa certo). O filme caçoa pesadamente de toda cúpula do governo Nixon, e sobra até para a Igreja (uma freira relembra seu passado com Harvey: “Sexy”, ela diz). Há participações de Louise Lasser, Diane Keaton e de um famoso sósia de Nixon num filme deliciosamente politicamente incorreto.
Título Original: Play It Again, Sam (1972)
Título Nacional: Sonhos de Um Sedutor
Woody Allen assina o roteiro e atua
Logo após sua estreia com “What’s New, Pussycat?” (1965), Woody escreveria seu primeiro roteiro para a Broadway, “Don’t Drink the Water” (1966), que seria adaptado para o cinema três anos depois (sem seu envolvimento; ele o refilmaria em 1994 a pedido de um canal de TV). Em 1969, Woody estrearia sua segunda peça, “Play It Again, Sam”, desta vez assinando o roteiro e atuando (pela primeira vez) ao lado de Diane Keaton e Tony Roberts. O sucesso da peça fez com que a Paramount comprasse o roteiro, escalasse Herbert Ross para a direção e mantivesse (acertadamente) o núcleo original de atores da peça no filme. Rodado em São Francisco, “Play It Again, Sam” traz o embrião de várias ideias que Woody elevaria a perfeição posteriormente. Na trama, Allan (Woody) é um jornalista de cinema abandonado pela esposa que recebe ajuda de um casal amigo, Dick (Tony) e Linda (Diane), que tenta animá-lo apresentando-o a novas mulheres num embate divertido: desejo x timidez. Allan, porém, se apaixona pela mulher do amigo, e o fatídico triângulo amoroso – inspirado em “Casablanca” (1942) – permite a Woody testar recursos que se tornariam referência em sua obra, como dialogar com personagens fora do tempo/espaço do filme (no caso, Humphrey Bogart, que o aconselha romanticamente; o personagem inspiraria Quentin Tarantino em “True Romance”, de 1993). Comédia romântica fofa e descompromissada, “Play It Again, Sam” ampliou o universo temático de Woody acrescentando seriedade onde antes só havia escracho.
Título: Everything You Always Wanted to Know About Sex But Were Afraid To Ask (1972)
Nacional: Tudo o que Você Sempre Quis Saber sobre Sexo, mas Tinha Medo de Perguntar
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Sequência natural de carreira, o quarto filme de Woody como diretor se destaca por mostrá-lo sacaneando material alheio, no caso, o best-seller que dá nome ao filme (um dos raros livros que ele “adaptou” em sua carreira) e que vendeu mais de 100 milhões de exemplares no mundo todo no começo dos anos 1970. A United Artists comprou os direitos do livro, mas Woody usou apenas as perguntas de alguns capítulos, criando uma nova temática (deliciosamente absurda) para cada tema. São sete esquetes que seguem um crescendo satírico: no primeiro, “Os Afrodisíacos Funcionam?”, um bobo da corte sem graça (Woody) tenta seduzir uma bela rainha (Lynn Redgrave), mas acaba se deparando com um obstáculo. No segundo, e um dos melhores, “O que é Sodomia?”, um médico conceituado (Gene Kelly absolutamente sensacional) se apaixona por uma ovelha (menor de 18 anos). O terceiro, sobre orgasmo feminino, se passa na Itália, enquanto o quarto foca homens que gostam de usar roupas femininas. “O Que São Perversões Sexuais?”, o quinto episódio, é outro ponto alto enquanto o sexto bloco, sobre pesquisas sexuais, tem tons de terror: um peito gigante aterroriza uma cidade. O melhor momento ficou para o final: “O Que Acontece Durante a Ejaculação?” mostra o “funcionamento” do corpo masculino desde o momento da sedução até o orgasmo, e é um dos melhores momentos de Woody em sua fase cômica. Com custo total de US$ 2 milhões e faturamento de US$ 18 milhões, “Tudo o que Você Sempre Quis” deu autonomia para Woody, cada vez mais à vontade no cinema.
Título: Sleeper (1973)
Título Nacional: Dorminhoco
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
O ponto de partida é o livro “The Sleeper Awakes”, mas Woody usa apenas a premissa de H. G. Wells – sobre o homem que dorme 200 anos e acorda num mundo completamente diferente – como escada para uma série de piadas (visuais e faladas). Ele interpreta Miles Monroe, um clarinetista nova-iorquino que é dono de um restaurante vegetariano (A Cenoura Feliz) e vai ao hospital (em 1973) para uma cirurgia simples, mas, após problemas na operação, é congelado, sendo descongelado somente 200 anos depois (2173) por um grupo de rebeldes oposto ao regime vigente, que o coloca numa posição parecida com a de Fielding Mellish, de “Bananas”: a de lutar ao lado de revolucionários contra ditadores. A trama “empresta” ideias de “1984”, de George Orwell, e “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, mostrando um regime totalitário dominando um povo (emburrecido) com pressão policial e vícios hedonistas (a adaptação de “Fahrenheit 451” por François Truffaut, de 1966, parece ter influenciado o visual futurista), e permite a Woody ótimas alfinetadas (“Soluções políticas não funcionam. Não importa quem esteja no poder. São terríveis”, Miles diz para sua amada Luna, interpretada por Diane Keaton, dizendo que em alguns meses o povo se revoltará contra os revolucionários que tomaram o poder) em meio a piadas divertidas. Ainda que pareça uma grande bobagem (na maior parte do tempo), há uma ideia interessante e muito bem executada que valoriza “Dorminhoco”, um filme que busca a gargalhada, mas consegue um pouco mais.
Título: Love & Death (1975)
Título Nacional: A Última Noite de Boris Grushenko
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Nesta fase inicial de sua carreira, cada novo filme parece um degrau criativo para Woody Allen, que não deixa as piadas de lado, mas começa a acrescentar elementos que não só ajudam a sustentar a narrativa como tornam o roteiro homogêneo. Isso começa a aparecer em “Sonhos de um Sedutor”, se amplia em “Tudo o que Você Sempre Quis Saber sobre Sexo” e “Dorminhoco”, e segue ganhando corpo neste ótimo “A Última Noite de Boris Grushenko”, talvez o primeiro de seus roteiros a colocar a trama no mesmo patamar das piadas. O filme narra a história do personagem que dá título à tradução nacional (que irá viver muito mais do que a “última noite” descrita ali), Boris Grushenko (Woody, cada vez melhor na tela), o mais jovem de três irmãos russos, apaixonado pela prima Sonja (Diane Keaton excelente num papel que, finalmente, não funciona apenas como escada para Woody), que, no entanto, quer se casar com um irmão de Boris, que opta por outra prima (a “Quadrilha”, de Drummond, será encenada mais vezes na trama). Assim que o exército de Napoleão invade a Rússia, os irmãos Grushenko são enviados para a guerra, mas apenas o covarde Boris volta, condecorado com medalhas. Ele consegue conquistar Sonja, e o casal vive feliz até ela ter uma “grande ideia”: assassinar Napoleão. Ágil, inteligente e divertido, “A Última Noite de Boris Grushenko” flagra Woody dançando com a Morte (de Ingmar Bergman), traz boas piadas filosóficas e fez sucesso: custou US$ 3 milhões e faturou R$ 20 milhões (isso em 1975!).
Título: The Front, de Martin Ritt (1975)
Nacional: Testa de Ferro por Acaso
Woody Allen atua
Logo após “A Última Noite de Boris Grushenko” (1975), Woody Allen foi escalado para o papel principal deste drama sério (com dispensáveis momentos cômicos) sobre a terrível Lista Negra promovida pelo senador Joseph McCarthy buscando caçar comunistas em Hollywood. Diretor (Martin Ritt), roteirista (Walter Bernstein) e quatro atores do filme (Zero Mostel, Herschel Bernardi, LLoyd Gough e Joshua Shelley) são profissionais que estiveram na Lista Negra, e foram prejudicados pela caça às bruxas que se instalou nos Estados Unidos do final dos anos 40 até meados dos 60. A trama conta a história de Howard Prince (Woody), um homem que trabalha como caixa num restaurante e vive de pequenos bicos (alguns ilícitos). A vida de Howard começa a mudar quando um amigo de infância, o escritor Alfred Miller (Michael Murphy), o procura pedindo um favor: Alfred está na Lista Negra e seus roteiros estão sendo negados por programas de TV, então ele propõe que Howard apresente os roteiros como se fossem seus em troca de 10% de comissão. Howard inicia uma escalada na profissão, e, conforme recebe reconhecimento, busca outros roteiristas da Lista Negra para abastecê-lo de material. A curva do personagem de Woody mostra inicialmente um homem interessado apenas no dinheiro para, no final, se envolver com os dramas dos perseguidos pelo governo. O personagem mais emblemático, no entanto, é Hecky Brown (Zero Mostel), ator idolatrado que é humilhado após aparecer na Lista Negra num drama real de final trágico. Um filme importante, ainda que mediano.
Título: Annie Hall (1977)
Título Nacional: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
A primeira obra-prima de Woody abre a segunda fase de sua carreira com ele sozinho encarando a câmera: “É uma antiga piada: duas velhinhas em um hotel fazenda. Uma diz: ‘A comida aqui é um horror’. A outra diz: ‘Eu sei, porções minúsculas’. É assim que eu vejo a vida: cheia de solidão, miséria, sofrimento e tristeza, e acaba rápido demais”. Com essa entrada cômica, lírica e primorosa, o humorista Alvy Singer (Allen) conta que seu romance com Annie Hall (Diane Keaton) está caindo aos pedaços, e ele não sabe como isso aconteceu. O filme é uma reconstrução da história do casal. Primeiro ponto importante: não há noivo nem noiva em “Annie Hall”. Ao se conhecerem, Alvy está saindo do segundo casamento, e opta (por pressão de Annie) por um apartamento maior, para dividir com a namorada. O roteiro é mais sério e adulto, não se rendendo às piadas gratuitas dos primeiros filmes, ainda que “Annie Hall” crave algumas das melhores cenas cômicas não só de Woody, mas de todos os tempos, e todas elas inseridas com genialidade na trama. Só mesmo Woody para resgatar o pensador Marshall McLuhan (interpretando a si mesmo) para desmascarar um falastrão numa fila de cinema. Paul Simon e Truman Capote também fazem pontas num filme que analisa com sublime olhar o relacionamento, do flerte à paixão, do casamento (no filme, simplificado por um “vamos morar juntos”) à desilusão romântica amparada em Groucho Marx e Freud: “Não quero ser sócio de nenhum clube que aceite alguém como eu de sócio”. Indicado a cinco Oscars, “Annie Hall” levou quatro pra casa (batendo “Star Wars”!): Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz (Diane Keaton) e Melhor Roteiro Original. “Annie Hall” também marca a primeira colaboração de Woody com o diretor de fotografia Gordon Willis, que vinha de dois “Poderoso Chefão” (1972 e 1974) e “Todos os Homens do Presidente” (1976). “Minha maturidade em termos de cinema começou com minha parceria com Gordon Willis”, disse Woody em 1993. Os dois vão trabalhar juntos nos próximos sete filmes do diretor. “Annie Hall” custou US$ 4 milhões e faturou US$ 38 mi…
Título: Interiors (1978)
Título Nacional: Interiores
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Olhando com atenção, a guinada de Woody da comédia pastelão ao drama sério foi bastante suave, pois demorou nada menos que sete filmes próprios, saindo de “Um Assaltante Bem Trapalhão” (1969) até chegar a este “Interiores” (1978). É possível vê-lo amadurecendo aos poucos em cada filme, mas o público (e a crítica) não entendeu muito bem quando ele surgiu com este drama bergmaniano, que envelheceu dignamente. Nas palavras do diretor, “as pessoas ficaram bastante decepcionadas comigo porque rompi um acordo implícito (de fazê-las rir com comédias como as do começo de minha carreira)”. O motivo (exagerado) da decepção foi um filme tematicamente pesado que narra os dramas da família de Arthur (EG Marshall) e Eve (Geraldine Page), e suas filhas Renata (Diane Keaton), Joey (Mary Beth Hurt) e Flyn (Kristin Griffith) sem nenhum refresco cômico. Woody parece ter listado tudo que um filme dramático “precisa ter” montando um quebra-cabeças (e almas) com divórcio, aborto, doença terminal, suicídio, tentativa de estupro e inveja, entre outras coisas. No centro, a fachada de uma família desmoronando. Woody queria Ingrid Bergman para o papel de Eve (a mãe), mas ela estava filmando “Sonata de Outono”, com Ingmar, e optou por Geraldine Page, excelente no papel (Ingrid e Geraldine foram indicadas ao Oscar de Melhor Atriz, perdendo a estatueta para Jane Fonda, por sua atuação em “O Amargo Regresso”). “Interiores”, no entanto, não é perfeito (o retrato da família pequeno burguesa soa, por vezes, caricato), mas é um ótimo filme. Custou US$ 10 milhões. Faturou US$ 10.400 milhões.
Título: Manhattan (1979)
Título Nacional: Manhattan
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Se fosse dado a Woody o direito de apagar de sua filmografia três filmes, “Manhattan” seria o primeiro, e esse sentimento, tal qual uma depressão pós-parto, acometeu o diretor assim que o filme foi entregue (ele cogitou oferecer a United Artists um novo filme, sem nenhum custo para a produtora, caso eles arquivassem “Manhattan”). Todo o drama do diretor em torno de outra de suas obras primas reside tanto no peso de um relacionamento entre um homem mais velho e uma garota menor de idade (algo que se voltaria contra ele no futuro) quanto no sugestionamento de um ápice criativo, ao qual ele ficaria amarrado por toda carreira (e ele foi o primeiro a perceber isso). É consenso entre fãs e boa parte de críticos que o auge da carreira de Woody acontece entre “Annie Hall” (1977) e “Hannah e Suas Irmãs” (1986), e o que um diretor pode fazer quando sabe que vai ter mais de 20 filmes pela frente (alguns deles, clássicos) que sempre serão comparados com os da fase clássica no velho clichê: “é um bom novo filme, mas não é um ‘Annie Hall’…”. Mesmo que se entenda o drama é impossível não admirar “Manhattan”, que aprofunda a parceria de Woody com Gordon Willis, agora filmando em preto e branco (eles repetiram a experiência em outros três longas) e dando um show de enquadramentos. A trama conta a história de Isaac (Woody), um roteirista de televisão (de 42 anos) que namora Tracy, (a encantadora Mariel Hemingway) uma garota de 17 (“Em algum lugar, Nabukov sorri”, comenta uma personagem em certo momento), e tem que lidar com a ex-mulher (Meryl Streep, absolutamente sensacional), que o trocou por outra mulher e está escrevendo um livro sobre sua vida ao lado do ex-marido, e com a paixão por Mary (Diane Keaton), uma jornalista metida a intelectual (redundância?) atolada em crises existenciais e que se envolve com um homem casado (Yale, o melhor amigo de Isaac). Ao fundo, a trilha sonora embalada por canções de George Gershwin e a cidade de Nova York no final dos anos 70, poética e decadente (e apaixonante), molduram o retrato de um homem perdido, mas querendo acreditar nas pessoas (a cena final é de partir o coração). Custou US$ 9 mi, faturou US$ 39 mi.
Título: Stardust Memories (1980)
Título Nacional: Memórias
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Amadurecer cinematograficamente diante do público não foi nada fácil para Woody, e, mesmo com dois “sucessos” recentes (“Annie Hall” e “Manhattan”), a recepção fria de “Interiores” e a cobrança da crítica por filmes mais humorísticos o incomodavam: “Um crítico disse que ‘Interiores’ foi um ato de má fé, o que achei exagerado. Tentei fazer um filme específico e se não funcionou, não funcionou. Mas não foi um ato de má fé”, ele comentou. O resultado é “Memórias”, sua tentativa em atualizar e homenagear “Oito e Meio” (1962), de Fellini. A história começa com a cena final do novo filme do diretor Sandy Bates (Woody), que o mostra trancafiado num vagão de trem repleto de pessoas entediadas enquanto num trem paralelo, uma festa acontece (Sharon Stone, aos 22 anos, manda um beijo). Na sequência, Sandy é homenageado num festival de cinema em que ele responde a perguntas do público e precisa lidar com fãs, bajuladores, atores, roteiristas e amante enquanto relembra momentos da infância (de modo felliniano). Muito criticado e pouco rentável (custou US$ 10 mi e arrecadou US$ 10.300 mi), “Memórias” foi o filme favorito do cineasta durante muito tempo, ainda que Woody seja categórico em dizer que o filme não é sobre ele. Bobagem. É impossível dissociar sua história da trama, principalmente em cenas (sensacionais) como a dos extraterrestres que pedem a Sandy que esqueça os dramas: “Quer fazer um serviço à humanidade? Conte piadas mais engraçadas”. Grande parte do público não entendeu “Memórias” (o que torna ainda mais genial o diálogo de um casal de velhinhos após a exibição do filme mais recente de Sandy: “É muito chato, não é?”, ela diz. “É! Com isso ele ganha a vida?”), que exibe uma bela fotografia P&B de Gordon Willis, boas atuações de Charlotte Rampling e Marie-Christine Barrault além da “encenação” do assassinato de John Lennon, dois meses antes (no filme, o diretor Sandy Bates é baleado por um fã). Um filme excelente.
Título: A Midsummer Night’s Sex Comedy (1982)
Título Nacional: Sonhos Eróticos de Uma Noite de Verão
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Em 1981, Woody decidiu se juntar a alguns executivos que haviam deixado a United Artists (responsável por todos os seus filmes entre 1971 e 1980) para formar a Orion Pictures, e a troca da companhia atrasou seu próximo filme, sendo este o penúltimo ano antes da virada do milênio que ele deixou passar em branco, sem um filme novo. Sua estreia na Orion deveria ser com “Zelig”, que atrasou por problemas técnicos e só seria finalizado em 1983, e para atender aos pedidos da chefia da nova companhia, que queria material novo, Woody escreveu em duas semanas esta comédia descompromissada inspirada num grande sucesso de Ingmar Bergman (“Sorrisos de Uma Noite de Amor”, de 1955) e numa peça clássica de Shakespeare (“Sonho de uma Noite de Verão”, de 1590) sobre um professor e filósofo que vai passar o fim de semana com a noiva (Mia Farrow na primeira de 13 colaborações suas com Woody) no sítio de um inventor e sua esposa, que também recebem um médico e sua amante, o que rende uma atrapalhada troca de casais. Primeiro dos filmes notadamente bobinhos de Woody (estilo que ele irá retomar nos anos 2000 com “O Escorpião de Jade”, de 2002; “Scoop”, de 2006; e “Magia ao Luar”, de 2014), “Sonhos Eróticos” também foi o primeiro grande fracasso do diretor nas bilheterias. Não bastasse, o filme rendeu a Woody sua única menção (até hoje) no Framboesa de Ouro com a indicação de Mia Farrow na categoria de Pior Atriz (num papel que havia sido escrito para Diane Keaton, mas ela já estava comprometida com outros dois filmes). Vale como Sessão da Tarde.
Título: Zelig (1983)
Título Nacional: Zelig
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Woody acelerou a produção de “Sonhos” (que perdeu impacto) enquanto acertava detalhes de “Zelig”, seu terceiro (e melhor) mockumentário, que conta a história de um homem dos anos 1920, Leonard Zelig (Woody), que se transformava em outra pessoa de acordo com o grupo em que estava, tal qual um camaleão, buscando aceitação. Desta forma, “conta” F. Scott Fitzgerald, “se estava entre ricaços, ele se portava como um ricaço; se estava entre a criadagem, se portava como uma pessoa mais simples”. Para tentar simular filmes antigos, Woody, Gordon e o colaborador de longa data Santo Loquasto (figurino) usaram lentes, câmeras, equipamentos de som e roupas dos anos 20. Gordon chegou a pisotear negativos expostos no chuveiro para conseguir um efeito “antigo”, o que acabou lhe rendendo sua primeira indicação ao Oscar (Loquasto também foi indicado) num filme em que Woody assina um roteiro genial e inspirado, que empresa passagens de “Um Assaltante Bem Trapalhão” (1969), mas se mostra mais bem resolvido e delicadamente mais profundo ao discutir fama e mídia – a passagem de Zelig por Berlim é magistral. Susan Sontag e Saul Bellow participam do filme, que recebeu um excelente público: segundo a atualização de renda do Box Office Mojo, “Zelig” é a 13º melhor bilheteria de Woody nos EUA, ficando a frente de grandes sucessos dos anos 2000 como “Match Point” (2005) e “Vicky Cristina Barcelona” (2008) – dois filmes que tiveram uma carreira excelente no mercado exterior. Das obras primas do cineasta.
Título: Broadway Danny Rose (1984)
Título Nacional: Broadway Danny Rose
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
O começo dos anos 80 foi tão complicado para Woody que ele chegou a produzir três filmes ao mesmo tempo: “Sonho Eróticos”, “Zelig” e “Broadway Danny Rose”, e algumas vezes Mia Farrow trabalhou nos três filmes no mesmo dia. Felizmente, “Broadway Danny Rose” não saiu prejudicado (como “Sonhos”, que foi o primeiro a chegar aos cinemas) resultando em um dos melhores filmes do segundo escalão da obra do cineasta, que é interessante não só por soar como um distanciamento da influência europeia que havia marcado os filmes anteriores (ainda que a fotografia P&B, quarta em sete colaborações com Gordon Willis, fosse inspirada nos filmes italianos dos anos 50), mas por partir de um viés cômico para alcançar um resultado delicado. A trama começa na mesa do lendário Carnegie Deli, onde humoristas relembram velhas histórias, dentre elas uma que envolve Danny Rose (Woody), um agente de talentos ingênuo, mas adorável, que batalhava por seus contratados (a maioria sem talento). A coisa toda parece que vai melhorar quanto um contratado seu, o cantor decante Lou Canova (Nick Apollo Forte), parece ter uma nova chance até entrar em cena a máfia italiana de Nova Jersey e um mulherão, Tina Vitale – Mia Farrow, e ela brilha em seu primeiro grande papel num filme de Woody (eles vão fazer outros 10 juntos), que foi indicado ao Oscar por Roteiro Original e Direção, e teve um lucrinho: custou US$ 8 mi e faturou US$ 10.600 mi. Um filme menor, mas adorável.
Título: The Purple Rose of Cairo (1985)
Título Nacional: A Rosa Púrpura do Cairo
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
No último filme com Gordon Willis comandando a fotografia, Woody retorna aos anos 1930 flagrando uma América pós-Grande Depressão para contar a história de Cecília (Mia Farrow), uma mulher sonhadora que vive uma vida triste com um marido canalha. Seu passatempo é o cinema, e após brigar mais uma vez com o marido Monk (Danny Aiello), ela se enfurna numa sala para assistir ao filme “A Rosa Púrpura do Cairo”, e chama a atenção de um personagem que, ao observar que ela está assistindo ao filme pela quinta vez, desce da tela e declara seu amor. Encantada, Cecília se vê dividida entre a ficção (o personagem que deixou a tela) e a realidade (o ator real que interpreta o personagem, que também se apaixona por ela) e tem que escolher com quem ficar. A trama remete a Pirandello (em “Seis Personagens à Procura de um Autor”, de 1921, seis personagens chegam para ensaiar querendo fazer parte da história sem que o autor se lembre de tê-los escrito) e explora com delicado olhar o universo cativante do cinema, onde tudo é possível e perfeito, mas é bem diferente da vida real. É um dos filmes favoritos de Woody até hoje, que ao explicar o final de “A Rosa Púrpura do Cairo” (contrário ao que desejavam os produtores) cravou a famosa frase: “Minha visão da realidade é que ela sempre foi um lugar triste para estar, mas é o único lugar onde você consegue comida chinesa”. Lucrou os US$ 10 milhões tradicionais de Woody, mas está entre seus melhores filmes. ´
Título: Hannah and Her Sisters (1986)
Título Nacional: Hannah e Suas Irmãs
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Aqui se inicia a terceira fase da carreira de Woody, marcada pelo fim da parceria com Gordon Willis (“Ele estava fazendo outro filme e não pude esperar”, explica Woody) e a chegada do fotógrafo italiano Carlo Di Palma, parceiro de Antonioni em dois filmaços: “Deserto Vermelho” (1964) e “Blow-up” (1966). Juntos, Allen e Di Palma vão fazer 12 filmes, e o começo não poderia ter sido melhor. A estrutura do roteiro junta “Fanny & Alexander” (1982), de Ingmar Bergman, com “Rocco e Seus Irmãos” (1960), de Luchino Visconti: do primeiro veio a inspiração para a divisão da história em três grandes blocos (simbolizados aqui pelo Dia de Ação de Graças) que resumem os personagens até aquele momento; do segundo, o arco narrativo dividido em seções para cada irmã (e Mickey, personagem de Woody, que começa fora da trama, mas logo é envolvido). A rigor, “Hannah” é uma versão Woody Allen do bergmaniano “Interiores”, ou seja, mais leve e um tiquinho cômico, mas não menos dramático. O estereotipo das três irmãs em “Interiores” é, por vezes, exagerado, enquanto aqui soa natural, ainda que sejam praticamente as mesmas personagens. O que mudou foi Woody, que alcançou o ápice como roteirista (fãs, na época, fizeram lobby para que o roteiro fosse indicado ao Pulitzer) num filme provocativo (a Igreja não deve ter ficado muito feliz com algumas piadas) que mostra na prática como o cinema (mais propriamente “Diabo a Quatro”, filme de 1933 dos Irmãos Marx) pode salvar vidas. Com sete indicações ao Oscar, levou pra casa três: Roteiro Original, Ator Coadjuvante (Michael Caine, estupendo) e Atriz Coadjuvante (Dianne Wiest, maravilhosa, mas ela ainda se sairá melhor em um filme futuro de Woody) e faturou uma bolada (no padrão Woody): custou US$ 6.400 mi e arrecadou US$ 59 mi, sendo até “Meia Noite em Paris” (2011) o filme mais lucrativo do diretor. Ainda assim, Woody (que queria um final trágico, mas cedeu aos pedidos dos produtores) não ficou satisfeito: “É, como ‘Manhattan’, um filme que sinto que errei muito feio, e que as pessoas nem ligaram (para os erros)”. Bobagem: é outra obra prima do diretor – para ver um vez ao ano.
Título: Meetin’ WA (1986)
Título Nacional: Não foi lançado no Brasil
Woody Allen atua
Logo após finalizar “Hannah E Suas Irmãs”, Woody Allen se envolveu em dois projetos com o cineasta Jean-Luc Godard: o primeiro, “Rei Lear”, acabou atrasando (devido a um bloqueio criativo do francês) e sendo lançado apenas no ano seguinte. No meio do processo, porém, surgiu a ideia de fazer um curta-metragem sobre o próprio Woody para ser apresentado na tradicional conferência de imprensa com o diretor após a estreia de “Hannah e Suas Irmãs” em Cannes (já que Woody não iria ao festival). Desta forma, “Meetin’ WA” é uma entrevista com Woody Allen conduzida (e tolamente editada) por Godard, que manipula imagens, sobrepõe fotos e é um repórter fraco, mas consegue tirar de Woody algumas opiniões interessantes e exteriorizar suas diferenças. Woody acredita que o momento mágico do cinema é a ideia, e que depois (com roteiro, escalação de atores, filmagem, edição, mixagem) a obra vai perdendo força a ponto de, no final, ter sobrado um mero rascunho daquela brilhante ideia original. Godard opina: “Ainda há salvação na sala de edição”, mas para Woody o filme já está condenado, “e nunca mais vou revê-lo porque vou me decepcionar”. Em outro trecho, Woody explica a inspiração dos intertítulos (literários) em “Hannah”, fala sobre as diferenças da fotografia de Gordon Willis e Carlo Di Palma, e ambos reclamam do poder da TV: “É um crime para mim alguém assistir ‘Cidadão Kane, ‘2001’ ou ‘Diabo a Quatro’ pela primeira vez na televisão”, desabafa Woody em um bate papo repleto de momentos interessantes. Assista.
Título: King Lear (1987)
Título Nacional: Rei Lear
Woody Allen atua
Para encerrar sua trilogia de personagens míticos – após “Carmen” (de 1983, que abordava o terrorismo inspirado em Bizet) e “Je Vous Salue Marie” (de 1985, que questionava a fé cristã com foco em Maria e na Bíblia), Jean-Luc Godard escolheu Shakespeare. Iniciada em 1985, a produção se arrastou até o fim de 1987. Não à toa, os primeiros diálogos da obra são do produtor cobrando o diretor: “As pessoas não acreditam que esse filme será feito”. No corte surge Norman Mailer, que deveria assinar o roteiro e participar da trama, mas desistiu quando Godard insinuou que seu personagem iria praticar incesto com a própria filha (Kate Mailer). O filme dentro de um filme dentro de outro filme segue com William Shakespeare Jr. V (Peter Sellars), que explica: após o desastre nuclear de Chernobyl, todo tipo de arte existente foi destruído e sua função é recriar as obras do ente famoso. William então se envolve com os personagens da peça que está reescrevendo, Cordelia (Molly Ringwald logo após “Clube dos Cinco” e “A Garota de Rosa Shocking”) e seu pai, o mafioso Don Learo (Burgess Meredith). Ainda vão surgir em cena Julie Delpy (com meros 16 anos) e o próprio Godard como o Professor Pluggy (um “gênio” maluco) numa trama que questiona a arte de forma niilista sem muita fé no subproduto (feito nas costas) que irá resultar “do filme”. Quem deverá juntar as peças insanas desta loucura pós-apocalíptica na sala de edição e salvar o cinema? Sim, ele mesmo, Mr. Alien (Woody) – citando “Meetin’ WA” ao inverso. Há consenso que “King Lear” é um dos filmes mais fracos de Godard (o texto de Robert Koehler no Los Angeles Times, em 1988, é imperdível), mas há críticos, como Richard Brody, da New Yorker (autor do livro “Everything is Cinema: The Working Life of Jean-Luc Godard”, 2008), que o acham “o melhor filme de todos os tempos” (ele colocou “King Lear” no número 1 em sua votação na Sight & Sound, de 2012). Na dúvida, assista (e tente imaginar se estilhaços desta experiência irão afetar os próximos filmes de Woody).
Título: Radio Days (1987)
Título Nacional: A Era do Rádio
Woody Allen assina o roteiro, dirige e narra
Se “Memórias” é a homenagem de Woody Allen a “Oito e Meio” (1962), “A Era do Rádio” é a versão Nova York de “Amarcord” (1973). Ou melhor, a versão conto de fadas do Brooklyn, um bairro decadente que, na virada dos anos 30 para os 40, era habitado por judeus pobres. A trama surgiu para Woody de forma bastante particular: “Eu estava preparando uma coletânea de músicas que significavam algo pra mim e essa ideia evoluiu para o quão significativo o rádio havia sido na minha infância”, comentou. O roteiro é armado em esquetes que contam histórias da época (muitas delas, reais) e a trama é narrada por Joe (Woody), que apresenta sua família e fala de sua fixação pelo Vingador Mascarado. Na tela, o “Woody mirim” é interpretado por Seth Green, um garoto que observa a obsessão de uma tia solteirona procurando marido (Dianne Wiest), um tio que todo santo dia traz peixe pra casa (Josh Mostel), um pai que ele não sabe a profissão (Michael Tucker) e uma mãe realista (Julie Kavner). Há ainda o vizinho comunista (Larry David), a vendedora de cigarros que sonha ser cantora (Mia Farrow) e muito mais num filme encantador que conta com participações de Diane Keaton e da brasileira Denise Dumont, emulando Carmen Miranda. A trilha sonora é impecável e, entre os fatos reais, vale citar o episódio da “Guerra dos Mundos”, de Orson Welles, e do jogador de beisebol Kirby Kyle (inspirada montypythoniamente em Monty Stratton). Ficou elas por elas na bilheteria (custou US$ 16 mi e faturou US$ 15), mas vale muito ir atrás.
Título: Setembro (1987)
Título Nacional: Setembro
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Segundo filme de Woody em 1987 (“A Era do Rádio” saiu em janeiro e “Setembro” foi lançado em dezembro), o maior fracasso de toda a carreira do cineasta (custou US$ 10 milhões e faturou US$ 500 mil) é praticamente uma peça de teatro filmada, com Carlo Di Palma fotografando longas tomadas sem interrupção em um cenário reduzido: uma casa no campo (Woody queria filmar na casa campestre de Mia Farrow, mas desistiu e acabou construindo um cenário em Nova York) com apenas seis personagens, o que acabou facilitando a paranoia de Allen: segundo Mia em sua autobiografia, “Woody filmou duas ou três versões de cada cena, levou todo o material para a sala de edição, montou o filme e resolveu que odiava. Reescreveu o roteiro, demitiu e escalou de novo todos os papeis principais e refilmou a coisa toda”. A “extravagancia” (que, se possível, Woody já teria cometido antes: lembre-se que ele queria arquivar “Manhattan”) dobrou os custos de produção (e, se pudesse, ele teria filmado uma terceira vez), mas não salvou o roteiro, que apresenta os personagens de forma convincente, mas escorrega para um dramalhão óbvio na segunda metade (fulano “ama” cicrana que está a fim de beltrano que se apaixonou por Dianne Wiest, que é linda, casada e tem dois filhos), com homens e mulheres separados agindo como adolescentes em férias de verão. Isso sem contar a sensação de que Woody está repetindo personagens e dramas de “Interiores” e “Hannah”: a mãe “problemática”, a filha que não consegue descobrir seu dom… Ainda hoje é um filme problemático.
Título: Another Woman (1988)
Título Nacional: A Outra
Woody Allen assina o roteiro e dirige
De todos os dramas bergmanianos de Woody, “A Outra” é que o mais se aproxima do sueco, não apenas por ter o estiloso Sven Nykvist (colaborador regular de Bergman) assinando a fotografia, mas por Woody recriar diversas cenas do clássico “Morangos Silvestres” (1957). Essa “homenagem” é percebida já na abertura, em que Marion (Gena Rowlands), uma professora universitária em licença sabática para escrever um livro, apresenta (em off) sua família através de porta-retratos, tal qual faz o professor Isak, em “Morangos Silvestres”. Assim como Isak, Marion descobrirá que sua família (no caso, o irmão) a odeia, e que viveu uma vida tão racional que se privou de emoções. A descoberta é feita através de uma viagem metafórica (enquanto a de Isak, que viaja para receber um prêmio, é literal) movida por sonhos (momento em que Sven, de forma soberba, alcança a melhor fotografia da carreira de Woody até aqui), encontros ao acaso, lembranças e pela conversa de uma paciente, Hope (Mia Farrow) com seu psicanalista, que Marion acaba ouvindo através do sistema de ventilação, e se reconhecendo no desespero daquela outra mulher. Discutindo o vazio da culta classe média alta de Nova York (que havia inspirado “Interiores” e “Hannah”), Woody alcança seu melhor resultado dramático num filme que termina de modo esperançoso. O público não se rendeu (o custo estimado foi de US$ 10 milhões e o filme arrecadou menos de US$ 2 milhões), mas se há um filme de Woody que mereça uma segunda chance é “A Outra”.
Título: New York Stories – Oedipus Wreck (1989)
Título Nacional: Contos de Nova York – Édipo Arrasado
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Apaixonado pelo cinema italiano, era natural que em algum momento Woody quisesse fazer um “L’Amore in Città” (1953) versão Nova York. A primeira ideia, no entanto, era reunir Fellini e Bergman filmando histórias sobre suas cidades enquanto ele contaria a de Nova York, mas o projeto soou arriscado (três idiomas diferentes). O filme ficou então centrado na Big Apple e Scorsese aceitou de pronto (sua história, “Lições de Vida”, traz um Nick Nolte canastrão e uma Rosanna Arquette lolita – em inacreditáveis 30 anos – sob uma trama obsessiva e de trilha brega) enquanto Spilberg cogitou, e desistiu, abrindo espaço para Francis Coppola (que deixou a filha Sofia, então com 18 anos, auxiliá-lo no roteiro de “A Vida Sem Zoe”, que soa a infância em família versão conto de fadas). Woody comparece com “Édipo Arrasado”, história de um advogado, Sheldon (Woody), que tem sérios problemas com a mãe judia excessivamente crítica. Ele se vê oprimido pela mãe, que não aprova seu relacionamento com uma mulher casada, protestante e com três filhos (Mia). Em uma das melhores cenas, a mãe participa de um truque de mágica entrando numa caixa enquanto o mágico, para satisfação de Sheldon, atravessa diversas espadas. Porém, ao abrir a caixa, a mãe desaparece, e reaparece dias depois no céu de Nova York, constrangendo o filho ainda mais. Woody estica a piada mais do que o necessário, e parece não ter encontrado um final perfeito, optando por um desfecho dispensável. Ainda assim é o melhor dos três curtas.
Título: Crimes and Misdemeanors (1989)
Título Nacional: Crimes e Pecados
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Primeira das obras sérias irretocáveis do diretor, em “Crimes e Pecados” Woody acerta tudo o que errou em “Interiores”, “Setembro” e “A Outra” – Sven continua comandando a câmera. A grande sacada é a divisão do roteiro em duas histórias paralelas (uma dramática, a outra cômica): na primeira, um oftalmologista respeitado e moralmente correto (Alan Alda, indicado ao Oscar pelo papel) vive um dilema com a amante, que ameaça acabar com seu casamento; na segunda, um documentarista idealista (Woody Allen) é escalado para filmar o perfil de um produtor de TV que ele abomina. Se a primeira história é repleta de questões filosóficas (muito interessantes), a segunda aposta na leveza, com ótimas piadas. O caminho de cada uma é, no entanto, perversamente inverso: no lado dramático, Judah (Alan) opta por tomar uma decisão abominável, mas, após ser quase derrotado pela culpa, aprende a viver com o pecado, e segue sua vida de grandes conquistas; do lado cômico, Cliff (Woody) vê sua vida desmoronar. Ele se separa da esposa, perde sua grande paixão para quem ele mais despreza e é demitido do filme que estava dirigindo. Como tragédia pouca é bobagem, seu biografado comete suicídio. Mordaz e excelente, “Crimes e Pecados” foi indicado a três Oscars (além de Alan Alda, Woody foi nomeado nas categorias Melhor Diretor e Roteiro Original) e ficou no zero a zero nas bilheterias: faturou os US$ 19 milhões que custou. Woody irá revisitar alguns temas deste excelente filme (alcançando um resultado ainda melhor) no sensacional “Match Point” (2005).
Título: Alice (1990)
Título Nacional: Simplesmente Alice
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Após ter feito um de seus melhores filmes no ano anterior, Woody parte para uma comédia de costumes aparentemente leve, mas repleta de significados, inspirada em “Julieta dos Espíritos” (1965), de Fellini. Se a versão do mestre italiano mostra Julieta (Giulietta Masina) vivendo uma vida vazia ao lado de um marido machista e mulherengo e assombrada por espíritos, que irão fazê-la enlouquecer, a versão de Woody traz Alice (Mia Farrow) vivendo uma vida vazia ao lado de um marido machista e mulherengo, mas aqui os espíritos estão do seu lado. Se a versão sombria de Fellini não permitiu que sua Julieta consumasse seus desejos, Woody se sai melhor, e a balança final tende mais ao norte-americano do que ao italiano. Na trama de Woody, Mia interpreta uma ricaça que gasta fortunas em itens fúteis enquanto vive um casamento sem amor com o marido (William Hurt). Ela acaba se apaixonando por um saxofonista no mesmo momento em que começa a se consultar com um médico especializado em poções mágicas. A premissa interessante se justifica no final, mas não causa empatia. A trama se arrasta, e o filme acaba sofrendo do mal que tenta combater: a superficialidade. Woody crava ao menos duas boas piadas na trama (a dos taxistas de Nova York você só vai entender assistindo ao filme), mas, ainda que descompromissada, “Alice” está condenada a ficar no terceiro escalão de obras do cineasta nova-iorquino. O roteiro foi indicado ao Oscar (sinta-se indicado por tabela, Fellini), mas o filme fracassou nas bilheterias, custando US$ 12 mi e arrecadando US$ 7 mi.
Título: Scenes From a Mall (1991)
Título Nacional: Cenas em Um Shopping
Woody Allen atua
Uma trama óbvia e abarrotada de clichês marca essa comédia familiar estrelada por Woody (interpretando um personagem totalmente o seu inverso) e Bette Midler, ótimos em cena, mas não a ponto de salvar uma produção mediana dirigida por Paul Mazursky. O ponto de partida: um casal despacha os filhos pruma viagem e, sozinhos, decidem aproveitar o aniversário de 16 anos de casamento num grande shopping center de Beverly Hills. É período natalino, o shopping está lotado, mas ainda assim o marido decide confessar, no meio da praça de alimentação abarrotada, que traiu a esposa por sete meses… “mas terminei ontem, às 16h30”. Começa a confusão e, sim, o marido terá o troco na mesma moeda. Enquanto estão conversando, brigando, se espetando ou se provocando, Woody e Bette conseguem distrair o espectador, mas os vácuos entre as piadas deixam uma enorme sensação de tédio, quebrada, entre bocejos, por uma boa gag aqui, outra acolá. Críticas sutis à classe média, que funcionam como se um elefante entrasse numa loja de cristais, superlotam as entrelinhas, sem conseguir destaque. Nem tudo é perda de tempo, porém: a piada com o flagra do começo da hiper conectividade (telefones em carros), a gag com o personagem de Woody criticando Nova York e louvando Los Angeles, e o sexo do casal no meio da sessão de um filme filipino inspirando outro casal a enfrentar a mesma sessão estão entre os raros momentos interessantes deste fraco “Cenas Em Um Shopping”. Ironia: custou US$ 3 milhões, faturou US$ 9 milhões…
Título: Shadows and Fog (1992)
Título Nacional: Neblina e Sombras
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
No primeiro filme dos dois que Woody irá dirigir no provável ano mais conturbado de sua vida, que marca seu traumático rompimento com Mia Farrow (fato que irá se desencadear durante a produção do filme seguinte), o diretor desperdiça um elenco estelar numa trama que soa um pastiche do cinema expressionista alemão dos anos 20. Uma das poucas coisas que se salva aqui é o estupendo trabalho fotográfico de Carlo di Palma. De resto, Kathy Bates, John Cusack, Mia Farrow, Jodie Foster, Madonna, John Malkovich e muitos outros atores flutuam numa trama farsesca que não consegue fisgar o público em momento algum. Woody interpreta o medroso Kleinman, homem que é acordado por um grupo de justiceiros no meio da madrugada a fim de se juntar na busca por um serial killer que está aterrorizando a cidade. Toda a parte da caçada se revela uma grande bobagem, e o mesmo pode ser dito do dispensável trecho do circo, mas o núcleo do bordel até merece absolvição por um belo plano-sequência e por uma série de piadas e esquetes interessantes, uma delas afirmando que todos têm um preço enquanto outra, sagaz, rende o seguinte diálogo: “Eu nunca paguei por sexo na minha vida”, diz Kleinman, no que a prostituta (interpretada por Jodie Foster) responde rindo: “Você apenas pensa que nunca pagou”. O roteiro, porém, se perde conforme a fita avança, e o final vazio é um dos piores de toda a carreira do cineasta. Belo por fora, “Neblinas e Sombras” é absolutamente oco por dentro. Custou US$ 14 mi e faturou apenas US$ 2 mi.
Título: Husbands and Wives (1992)
Título Nacional: Maridos e Esposas
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
“Eu queria que esse filme fosse feio. Não queria que nada combinasse, ou fosse refinado, ou bem montado. Queria um filme desagradável de assistir”, ele confessou pra Eric Lax. Porém, Woody também inclui “Maridos e Esposas” num Top 5 pessoal (ao lado de “A Rosa Púrpura do Cairo”, “Match Point”, “Tiros na Broadway” e “Zelig”) renegando “Annie Hall” e “Manhattan” (que marcaram sua persona para 90% do público – algo que ele parece odiar). Ainda assim não é correto usar o termo desagradável para definir “Maridos e Esposas”, melhor incomodador. A câmera comandada por Carlo di Palma desta vez está na mão e em constante movimento tentando flagrar conversas e situações que se sobrepõe, cortando personagens e jogando o espectador à força numa trama típica de Woody: um casal (Sydney Pollack e Judy Davis, ela indicada merecidamente ao Oscar) decide se separar amigavelmente, e acaba influenciando o casal amigo (Woody e Mia), que também se separa. Um dos casais volta, o outro… A inspiração é John Cassavetes (que filmou “Husbands” em 1970 e era adepto da câmera na mão), mas o que marcou o filme foi o fim do relacionamento de Woody com Mia durante as filmagens, com ela descobrindo que ele estava tendo um caso com sua filha adotiva (com quem Allen viria a se casar em 1997 e permanece até hoje). Mia cumpriu sua agenda de filmagem e nunca mais eles voltaram a fazer um filme juntos. Dramas pessoais à parte, eis um grande filme que merece ser revisto. Difícil, custou US$ 20 mi e faturou a metade.
Título: Manhattan Murder Mistery (1993)
Título Nacional: Um Misterioso Assassinato em Manhattan
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Findo o casamento e a parceria com Mia Farrow, Woody Allen retira da gaveta uma ideia que, originalmente, ele havia escrito para “Annie Hall” (1977), que deveria ter uma história paralela sobre um assassinato, mas, felizmente, foi centrada no romance do casal. O cineasta então resgata a inspiração, convoca Diane Keaton (ainda que o papel de Carol tivesse sido reescrito para Mia) e o resultado é um pastiche eficiente de suspense cômico que busca homenagear Alfred Hitchcock. Na trama, um casal (Woody e Diane) conhece o casal vizinho no elevador. No dia seguinte, a esposa do casal vizinho é encontrada morta, e Carol (Diane) acha estranho como o marido lida com a perda de sua parceira. Nos dias consecutivos, Carol passa a investigar a vida do vizinho, e uma série de acontecimentos misteriosos se sucede. Ainda que excessivamente histérico e com uns 10 minutos a mais do que deveria ser (tem 104 minutos, e com 90 ficaria muito melhor), “Um Misterioso Assassinato em Manhattan” reacende a química de Allen e Keaton tanto quanto brilham os atores coadjuvantes: Alan Alda está ótimo como o escritor maleta Ted, Anjelica Huston transpira sex-appeal como a escritora devoradora de homens Marcia e o excelente Jerry Adler cumpre bem o papel do vilão Paul House num filme que, 20 anos depois, perdeu um pouco do viço da época transformando-se em um concorrente digno para integrar a programação da Sessão da Tarde. Custou US$ 13.5 milhões e praticamente fechou as contas com US$ 11.2 milhões de bilheterias locais.
Título: Bullets Over Broadway (1994)
Título Nacional: Tiros na Broadway
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Em sua resenha na Rolling Stone a época da estreia do filme, Peter Travers matou a charada: “É uma das melhores e mais reveladoras comédias de Allen sendo tanto uma meditação moral quando é deslumbrantemente engraçada”. Se chegamos até aqui já sabemos que Woody tira o melhor de seu humor justamente dessas meditações morais, mas em “Tiros na Broadway” ele alcança alguns de seus mais brilhantes momentos ao contar a história de um roteirista que se mostra um artista extremamente preocupado com sua arte para, depois, colocar essa paixão artística em discussão numa pensata que remete a deliciosa frase de um personagem de “A Noite Americana” (1973), de Truffaut: “Eu abandonaria um cara por um filme, mas nunca abandonaria um filme por um cara”. Claro, em “Tiros na Broadway” temos a máfia dos anos 20 em ação, e um gangster mais talentoso do que o roteirista digladiando em seu âmago a destruição da obra que está criando. Em certo momento, alguém pergunta: “Uma casa está pegando fogo e você só pode salvar uma coisa: a última edição das peças de Shakespeare ou um ser humano anônimo. O que você faz?”. Essa questão move o filme que, indicado a 7 Oscars, acabou eclipsado por “Forrest Gump” que de 13 indicações levou 6 – Woody ainda foi preterido em roteiro, vencido por Quentin Tarantino e Roger Avary por “Pulp Fiction”, e Melhor Figurino, vencido por “Priscila, a Rainha do Deserto”. Mas Dianne Wiest foi premiada como Atriz Coadjuvante (em seu segundo Oscar com Woody – o primeiro foi por “Hannah e Suas Irmãs”) por seu desempenho arrasador num filme que ainda conta com John Cusack, Mary-Louise Parker, Joe Viterelli e Rob Reiner, além de Chazz Palminteri, que faz o gangster genial e foi merecidamente indicado ao Oscar junto com Jennifer Tilly, a namorada do chefão mafioso do pedaço, que investe na peça para atender o desejo dela de atuar. Toda badalação, porém, não resultou em uma bilheteria rentável: o filme custou US$ 20 mi e faturou US$ 13.300. Mas é uma obra prima! Vá atrás já!
Título: Don’t Drink The Water (1994)
Título Nacional: Quase um Sequestro
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
Peça teatral escrita por Woody que estreou com sucesso na Broadway em 1966, “Don’t Drink The Water” já havia ganhado uma fracassada adaptação para o cinema em 1969, com direção de Howard Morris e nenhum envolvimento de Allen. Em 1994, Woody topou um desafio da rede de televisão ABC, que propôs a ele refilmar “Don’t Drink The Water” em três semanas, o que resultou nesta comédia típica da primeira fase de Woody Allen (o tradicional varal de piadas) filmada num momento de maturidade cinematográfica. Na trama, um embaixador norte-americano em um país da Cortina de Ferro precisa viajar aos Estados Unidos e deixa a embaixada sob o comando de seu filho trapalhão (Michael J. Fox), o que resulta em diversas confusões, que aumentam proporcionalmente assim que uma família se instala na embaixada acusada de espionagem. Pouca coisa se salva nessa bobagenzinha de Sessão da Tarde, que fazia sentido durante a Guerra Fria, quando foi escrita, e aqui soa apenas razoável (ainda mais se comparado ao filme anterior, “Tiros na Broadway”, e ao posterior, “Poderosa Afrodite”). Woody é o pai de família, sua tradicional colaboradora Julie Kavner é sua esposa e uma jovem Mayim Bialik, aos 19 anos, interpreta a filha do casal que se apaixona pelo diplomata desastrado (a partir de 2010, Mayim iria integrar o elenco da série The Big Bang Theory – o que lhe renderá quatro indicações ao Emmy de Atriz Coadjuvante em Série de Comédia). Indicado apenas para completistas.
Título: Mighty Aphrodite (1995)
Título Nacional: Poderosa Afrodite
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
“Certa vez, brincando com minha filha adotiva, que na época tinha 4 anos, pensei: os pais biológicos dela têm de ser fabulosos, porque ela é tão encantadora e inteligente”, contou Woody em 1996. “Então resolvi escrever uma comédia em que quanto mais o pai adotivo procura saber sobre os pais biológicos, mais sujeira encontra”. O mote impagável rendeu outro grande filme do diretor, que ganhou em impacto com duas escolhas acertadas: o uso de um (divertido) coro grego e a escalação de Mira Sorvino para o papel de atriz coadjuvante (que lhe renderia um merecidíssimo Oscar). No roteiro, Lenny (Woody) e Amanda (Helena Bonham Carter) adotam um bebê que, conforme cresce, demonstra uma inteligência acima da média, o que faz o pai adotivo ir atrás dos pais biológicos. Lenny então se depara com a mãe do garoto, Linda Ash (Mira), uma histriônica (e amável) prostituta que sonha ser atriz após descobrir seu dom de atuação num set de filme pornô, “com um cara me fodendo por trás e dois caras enormes vestidos de policiais dentro da minha boca ao mesmo tempo. Pensei: Gostei de ser atriz. Vou estudar”. Lenny e Linda se aproximam e Woody assina um de seus roteiros mais delicados, em que o carregado humor sexual é usado para valorizar a inocência comovente da personagem da prostituta (oi Cabiria) – o encontro de Linda com um jovem simplório que sonha ser boxeador é de um lirismo cômico comovente. A badalação do Oscar dessa vez surtiu efeito, e o filme, que custou US$ 15 milhões (e envelheceu bem), faturou US$ 26 milhões nas bilheterias.
Título: Everyone Says I Love Yoy (1996)
Título Nacional: Todo Mundo Diz Eu Te Amo
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
Enfim, Woody se aventura no território dos musicais, e ele só contou ao elenco que seria um musical (e que todos os atores deveriam cantar com suas próprias vozes sem produção ou “maquiagem” de estúdio) depois que todo mundo assinou o contrato. O resultado é um filme ótimo e fofo que envelheceu muito bem. Esta obra ainda marca a primeira vez que Woody filma fora de Nova York em 21 anos – mais propriamente desde “A Última Noite de Boris Grushenko”, em 1975. Filmado em Nova York, Paris e Veneza, “Todos Dizem Eu Te Amo” conta com um elenco caprichado que subaproveita Edward Norton e ainda conta com Natalie Portman aos 15 anos (no mesmo ano em que ela filmou o ótimo “Brincando de Seduzir”, de Ted Demme), um Tim Roth divertidíssimo (na vibe de seu personagem mafioso de “Cães de Aluguel”, de Quentin Tarantino) mais Julia Roberts sedutora e Alan Alda sempre competente. Algumas curiosidades: Woody precisou pedir para Goldie Hawn não cantar tão bem, já que ela destoava do elenco desafinado; Drew Barrymore, que chegou ao set de cabelo roxo, precisou usar uma peruca e ainda convenceu Woody de que sua voz era muito ruim, por isso precisaria ser dublada (é a única dublada em cena); a personagem que narra a história é uma jovem Natasha Lyonne, que anos depois faria sucesso como Nicky, da série “Orange Is the New Black”. Por fim, a cena final em Paris é no mesmo lugar em que, em 1965, Woody filmou sua primeira cena no cinema, em “O que é que Há, Gatinha?”. Custou US$ 20 milhões, faturou a metade, mas vale muito (re)ver.
Título: Deconstructing Harr y (1997)
Título Nacional: Descontruindo Harry
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
A fofura romântica do filme anterior não poderia ter sido seguida por uma obra tão diferente: “Desconstruindo Harry” (1997) é um dos filmes mais desesperançados do cineasta, que foca em um personagem que não funciona no mundo real (onde torna a vida de outras pessoas um caos), apenas na arte (e precisa descer ao inferno – literalmente – para perceber isso). O drama, como de costume na obra de Woody, surge travestido em ótima comédia (as esquetes da Morte e do Robin Williams desfocado são absolutamente geniais), mas deixa um gosto bem amargo na alma, muito porque Harry Block (Woody), o personagem central, passa 99% do filme fodendo a vida das pessoas (99% mulheres) – não à toa, uma crítica do New York Times escreveu: “Há mais pessoas destruídas neste filme do que nas três horas de Titanic”. Harry é um escritor que mais do que se inspirar em fatos de sua vida, os descreve em seus romances (alterando nomes, mas não os fatos), para desespero da irmã, de namoradas e ex-esposas. O método desagradável dá certo na arte transformando-o em um escritor de sucesso, mas torna sua vida um imenso fardo. O roteiro (indicado ao Oscar) trabalha muito bem essa dicotomia, e ainda que a misoginia de Harry ultrapasse os níveis aceitáveis, a desconstrução do personagem rende um grande filme, que destaca outro elenco estelar (Billy Crystal, Judy Davis, Julia Louis-Dreyfus, Tobey Maguire, Demi Moore, Elisabeth Shue). Como de praxe, custou US$ 20 milhões e faturou a metade (mas é um grande filme).
Título: Wild Man Blues (1997)
Título Nacional: Um Retrato de Woody Allen
Documentário de Barbara Kopple
Woody Allen costuma rejeitar comparações com seus personagens, mas basta colocar Jerry, personagem que ele encenará em “Para Roma com Amor”, em 2012 (que rememora muitos outros personagens desta filmografia), ao lado do Woody Allen deste documentário para percebermos que a linha que os separa é praticamente invisível. E isso é um dos vários pontos interessantes de “Wild Man Blues”, filme de Barbara Kopple que flagra a turnê europeia da banda de jazz de Woody Allen em 1996, passando por 18 cidades em 23 dias: “É típico de mim”, comenta ele em certo momento. “Eu sonhava com essa turnê, e agora que estou nela não vejo a hora de acabar” – Woody toca clarinete com esta banda há mais de 25 anos. O humor afiado do diretor avança sobre prefeitos, fãs e paparazzos, mas o retrato que Barbara Kopple faz do cineasta é tão honesto que comove. Filmado logo após o longo processo que Mia Farrow e Woody Allen enfrentaram pela guarda dos filhos, e da união do diretor com a filha adotiva de Mia, Soo-Yi, “Wild Man Blues” expande seu território avançando além da banda (sem perder a boa música de foco) para o novo casamento e até para a relação do cineasta com sua família. Nettie, a mãe, por exemplo, responde na frente da nora que preferia uma filha judia a uma oriental enquanto o pai, já bastante idoso, parece ainda não aceitar a carreira (!?) escolhida pelo filho, passagens que mitificam (e explicam) um grande cineasta.
Título: Celebrity (1998)
Título Nacional: Celebridades
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Sem abandonar a veia cômica (menos escancarada, mais cínica), Woody aprofunda ainda mais a desesperança do filme autoral anterior em “Celebridades”, que busca vasculhar o vazio do universo dos famosos, como se estivesse remexendo lixo na rua. Para isso, ele recorre ao parceiro Sven Nykvist, que faz a belíssima fotografia em preto e branco (a última colaboração havia sido em “Crimes e Pecados”, de 1989, e esta será a derradeira), e a Federico Fellini (mais uma vez): Kenneth Branagh (interpretando Woody em cena, o que lhe rendeu diversas críticas) é um repórter que se envolve com os famosos que entrevista a ponto de parecer um deles. Woody mira o vazio de “A Doce Vida” (1960) e acerta o clima de “Ginger e Fred” (1986) numa série de esquetes (o de Charlize Theron é impagável) detonando tanto famosos (Donald Trump, inclusive, faz uma ponta dizendo planejar derrubar a St Paul’s Cathedral, em Londres, para construir um enorme edifício) quanto quem os mitifica. Em certo momento, uma repórter conta: “Fizemos um programa com tal atriz e ela está em coma. Ela está deitada em coma, mas é uma celebridade”. O elenco, novamente estelar, conta com Melanie Griffith, Winona Ryder, Leonardo DiCaprio, Judy Davis (praticamente como personagem principal numa trama bem interessante), mas a história, pesada (não é à toa que o filme começa e termina com a palavra “help” no céu de Nova York), não surtiu efeito nas bilheterias: o filme custou US$ 12 milhões e faturou a metade. Uma pena: quase 20 anos depois, “Celebridades” continua atualíssimo.
Título: Sweet and Lowdown (1999)
Título Nacional: Poucas e Boas
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
Após dois filmes desesperançados (“Descontruindo Harry”, mais cômico; e “Celebridades”, mais cínico), Woody realiza seu filme mais triste do período, que nasceu do resgate de uma ideia que ele havia oferecido para a United Artists em 1971 (chamada “Jazz Baby”) e fora recusada, a “cinebiografia” do segundo melhor guitarrista de jazz da história, Emmeth Ray (a saber, o primeiro é o francês Django Reinhardt), músico problemático (álcool, mulheres, jogatina) que fez fama nos anos 20 e 30 e que era famoso por alternar momentos de genialidade musical com um egocentrismo tosco. Historiadores e críticos de jazz como Nat Hentoff e Douglas McGrath, ao lado próprio Woody, rememoram causos da triste vida de Emmeth, que prestes a se tornar sucesso, desaparece em circunstâncias misteriosas. Woody está afiadíssimo neste que é seu quarto mockumentário (precedido por “Um Assaltante Bem Trapalhão”, “Men of Crisis” e “Zelig”) e, mais uma vez, exibe uma inspiração devota de Fellini, desta vez de “La Strada” (1954). “Poucas e Boas” conta com atuações mágicas de Sean Penn (como Emmeth Ray) e Samantha Morton (como Hattie, a namorada muda do músico) – os dois merecidamente indicados ao Oscar – além de Umma Thurman em um papel divertidíssimo (entre os melhores personagens escritos por Woody na década) e ponta de John Waters. Este filme também marca a estreia da parceria de Woody com o fotógrafo chinês Zhao Fei (que necessitou de um tradutor no set, já que não falava nada de inglês, e inspirou um personagem futuro de Woody no filme “Dirigindo no Escuro”). Um filme que só melhorou com o tempo.
Título: Small Time Crooks (2000)
Título Nacional: Trapaceiros
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
Na virada do milênio, Woody decidiu mexer em sua gaveta (literal) de ideias, local em que ele diz guardar anotações diversas para usar eventualmente, e tirar de lá o que ele chamou de três “comédias ligeiras”, triviais – ele havia acabado de assinar um contrato de cinco filmes com a Dreamworks. “Trapaceiros” foi a primeira dessas comédias, e a melhor, ainda que esteja longe, muito longe das obras primas cômicas do cineasta. A trama conta a história do casal Ray e Frenchy. Ray (Woody), assaltante tosco que passou uns bons anos na cadeia, arquiteta um plano para assaltar um banco. Para isso precisa do dinheiro que sua esposa Frenchy (Tracey Ullman) economizou como manicure para alugar uma loja ao lado de um banco e fazer um túnel que saísse direto dentro do cofre. Para que ninguém percebesse os “homens trabalhando” no porão, eles montam, de fachada, uma loja de cookies. Porém, a loja torna-se um sucesso tão grande que Ray acaba abandonando a ideia do roubo para se dedicar aos biscoitos. Os cookies enriquecem o casal, mas de que adianta ter dinheiro se não se sabe como usufrui-lo com elegância? Há um grande número de gags imperdíveis neste filme, que ainda traz Hugh Grant e um elenco de bandidos divertidíssimo. Nada disso, porém, salvou o filme da crítica, que detonou a obra na época por sua aparente simplicidade. 20 anos depois, “Trapaceiros” continua simples e ligeira, e ainda diverte e entretêm enquanto segue afiando temas caros dos filmes anteriores, como a difícil equação “dinheiro + poder + amor = felicidade?”. Um passatempo menor, mas bastante divertido.
Título: Picking Up the Pieces (2000)
Título Nacional: Juntando os Pedaços
Woody Allen atua
Nono filme ele que Woody Allen apenas atua (incluindo os dois filmados por Godard e o documentário “Wild Man Blues”, de 1997), não se envolvendo com roteiro e direção, “Juntando os Pedaços”, do ator e diretor mexicano Alfonso Arau, é uma comédia B curiosa com desejo de ser trash e alguns momentos de novela mexicana. Com um elenco estelar que conta com o próprio Arau, Cheech Marin, David “Ross” Schwimmer, Kiefer Sutherland, Sharon Stone e Woody Allen, que interpreta um açougueiro kosher que ao descobrir que a esposa sempre lhe foi infiel, a esquarteja em sete pedaços, deixando, porém, um deles pelo caminho (justamente uma mão com o dedo em riste). Uma mulher cega tropeça na mão em uma estrada e… volta a enxergar. Daí pra frente, uma série de milagres acontecem na pequena vila de El Nino, no México. As coisas se confundem no roteiro após a primeira metade (e a boa premissa inicial) tendendo excessivamente ao realismo fantástico (quando a pegada trash estava mais funcionando) e desperdiçando um bom elo de ligação com a cena final, totalmente Woody. No fim das contas, ainda que mediano, soa melhor que as “comédias ligeiras” (como o próprio Allen as define) que Woody começou a filmar no período – e que muitos dos filmes que ele apenas atuou no começo de carreira.
Título: The Curse of The Jade Scorpion (2001)
Título Nacional: O Escorpião de Jade
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
No começo dos anos 2000, os filmes de Woody Allen chegavam com a diferença de um ano de atraso no Brasil, o que quer dizer que quando um estreava aqui, outro já estava disponível no mercado internacional. Por isso, as críticas dessa fase de comédias ligeiras geralmente replicavam a seguinte frase: “Esse só não é o pior filme de Allen porque outro, ainda pior, já estreou nos EUA”. E, bem, ainda que “Trapaceiros” exibisse certa diversão e frescor, o mesmo não pode ser dito deste “O Escorpião de Jade” (2001). Com a palavra, o próprio Woody: “Decepcionei um elenco excepcionalmente talentoso. Helen Hunt, Dan Aykroyd, Elizabeth Berkeley… Do ponto de vista pessoal, sinto que pode ser o pior filme que já fiz”, comentou em 2006… E ele nem citou Charlize Theron, que faz um papel menor numa cena que teria tudo para ser divertidíssima, mas a sensação clara é de que há uma grande piada ali, mas ela não funciona. A trama conta a história de um investigador de fraudes de uma companhia de seguros especializado em resolver golpes, C.W. Briggs (Woody), que é hipnotizado por um mágico vigarista e levado a cometer crimes que ele mesmo irá investigar. Essa boa premissa é envolvida num clima noir (fotografia de Zhao Fei) com diálogos espertos, mas tudo soa frouxo e desengonçado na trama. Woody se culpa dizendo que o personagem dele destrói o filme (“Tentei encontrar outro ator para o papel, mas não consegui”, se desculpa), mas não é isso: simplesmente falta magia ao filme – que custou US$ 33 milhões e faturou US$ 18 milhões.
Título: Sounds from a Town I Love (2001)
Título Nacional: Sons da Cidade Que Eu Amo
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Após os violentos atentados terroristas que derrubaram as Torres Gêmeas em Nova York, no fatídico 11 de setembro de 2001, artistas, músicos, cineastas e produtores se mobilizaram promovendo uma série de eventos para ajudar a cidade. Um desses eventos foi o “Concert for New York City: Live (2001)”, que contou com a presença de alguns dos maiores nomes da música pop (David Bowie, The Who, Paul McCartney, Elton John, Mick Jagger e Keith Richards, entre outros) além de exibir, nos intervalos dos números musicais, curtas encomendados a grandes diretores do país que sempre tiveram ligação com a cidade, dentre eles Martin Scorsese, Spike Lee, Jerry Seinfeld e, claro, Woody Allen, que mandou “Sons da Cidade Que Eu Amo”, um curta impagável que parece compilar uma seleção de personagens neuróticos, tal qual o cineasta, caminhando pelas ruas da Big Apple enquanto falam ao telefone coisas como:
– “Esta é a melhor cidade do mundo. Onde mais você pode ser paranoico e estar correto tão frequentemente?”
– “Por um milhão de dólares. Hum, hum… E com um quarto?”
– “E eu é que sou fraca? Acabei de ver meu nutricionista saindo de um fast food”
– “Eu fui assaltado! Eu estava vindo da ópera, para casa, eles pegaram minha máscara de gás, minha lanterna, e todos os meus analgésicos”
– “É o melhor cirurgião em Park Avenue. Vai fazer os seus olhos, pescoço, as bochechas… Sua bunda? Eu não sei se ele trabalha com um guindaste.”
– “Ela não entrou na pré-escola certa. O que significa que ela não poderá entrar numa boa escola privada. O que significa que ela não entrará em uma boa faculdade. E ela não terá um bom emprego. Quero dizer, ela tem três anos… e a sua vida está acabada.”
São só 3 minutos de duração… divertidíssimos (assista). Woody voltaria a falar sobre a cidade no documentário “Home” (2006), da diretora Dawn Scibilia, que você pode assistir aqui.
Título: Hollywood Ending (2002)
Título Nacional: Dirigindo no Escuro
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
Sem arredar o pé de seu desejo de filmar comédias simples, Woody chega a sua terceira obra do novo milênio com uma proposta bastante interessante: a de contar a história de um diretor de cinema decadente que consegue um grande contrato – através de sua esposa – para dirigir a refilmagem de um filme noir dos anos 40, que a companhia aposta ser um imenso sucesso nas bilheterias, mas, devido a sua paranoia extrema, desenvolve uma cegueira temporária, e não desiste de filmar! Não bastasse o caos de dirigir um filme cego, para sua “sorte”, o diretor de fotografia é oriental e não fala absolutamente nada de inglês (e não, o fotógrafo não é Zhao Fei, ainda que as piadas sejam inspiradas nele, mas sim o alemão Wedigo von Schultzendorff). Com essa trama nas mãos, Allen faz aquilo que sabe melhor: adaptar suas obsessões a suas histórias. E dá-lhe piada sobre judeus, Hollywood, casamentos, família e a sua própria posição de cineasta: “Você recomendaria esse filme a um amigo?”, questiona alguém. “Só se eu fosse amigo do Hitler”, é a resposta. No geral, o filme soa mais engraçadinho que interessante, e tanto Val Waxman (Woody) quanto o próprio Woody levam seus filmes como dá até um final simplesmente apoteótico, que (quase) compensa os 111 minutos medianos que passaram antes. Ou seja, 90% de piadinhas divertidas típicas de Allen com uma grande piada matadora, que fecha o filme. Isso não faz de “Dirigindo no Escuro” um grande filme, ainda que Woody discorde: é uma de suas comédias favoritas. Praticamente empatou na bilheteria: custou US$ 16 mi e arrecadou US$ 15 mi…
Título: Woody Allen – A Life in Film (2002)
Nunca exibido no Brasil
Documentário de Richard Schickel
Documentarista e crítico de cinema da revista Time entre 1965 e 2010, Richard Schickel sentou para conversar com Woody meses depois de “Dirigindo no Escuro” ter estreado. A conversa de quatro horas rendeu um livro (excelente), com a integra do bate papo, e um especial de 90 minutos que foi exibido num canal de televisão. Diferente de “Wild Man Blues” (1997), que começou focado na tour do grupo de jazz de Woody, e depois enveredou para temas pessoais, “Woody Allen – A Life in Film” é apenas sobre cinema (e, claro, todas as obsessões de Woody que estão retratadas em seus filmes). A cena clássica de “Memórias” (aquela em que ETs dizem preferir os filmes cômicos do começo da carreira de Sandy, o diretor interpretado por Allen) abre a conversa e Woody conta que queria fazer “as pessoas rirem tanto quanto aguentassem” nos primeiros filmes. Nesse começo ele conta que copiou descaradamente Bob Hope (“E não sou nem metade bom comparado a ele”), que Manhattan é “a cidade mais espetacular e encantadora da face da terra” e que “Annie Hall” só faturou dinheiro depois do Oscar (“e ainda assim deve ser o vencedor do Oscar que arrecadou menos em todos os tempos”, diminui-se). Woody utiliza quase toda a conversa para desmistificar-se: “Com minhas limitações como ator só posso interpretar dois personagens: o intelectual, devido aos meus óculos e meu corpo franzino, e o vagabundo, que é realmente o que eu sou”. Filmes como “Memórias”, “Zelig”, “Maridos e Esposas”, “Tiros na Broadway” e “Interiores” são decupados em detalhes. Ao falar de “Crimes e Pecados”, ele explica: “Havia duas coisas simples que eu queria dizer neste filme, e acho que fui bem claro. A primeira história, comigo, Mia e Alan Alda, é sobre como as boas intenções não significam nada na vida se você não tiver sucesso. Aliás, se você tiver sucesso, as pessoas vão considerar você inteligente e até perdoar os seus erros (…). Na outra história, com Martin Landau, eu só queria ilustrar, de uma forma divertida, que Deus não existe”. Um documentário imperdível e excelente. Assista!
Título: Anything Else (2003)
Título Nacional: Igual a Tudo na Vida
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
Se você veio desde o começo e chegou até aqui deve ter percebido que não uso a primeira pessoa em nenhum dos textos sobre os quase 50 filmes anteriores. Lógico, são análises pessoais, críticas, que permitem concordâncias e discordâncias em diversos níveis, mas em nenhum momento coloquei o meu eu como colocarei agora: “Igual a Tudo na Vida” foi durante anos o “pior filme de Woody Allen para mim”. Simples assim. Porém, nesta revisão da filmografia em sequência, ele salta à frente de “O Que Há, Tigresa?” (1966) e “Quase um Sequestro” (1994), mas mesmo brigando com “Neblina e Sombras”, que tem a fotografia a favor, não consegue fugir do Z4 dos rebaixados. Ainda assim, rever não foi a tortura que eu imaginava que iria ser. Os equívocos das duas comédias leves anteriores (“O Escorpião de Jade” e “Dirigindo no Escuro”) se repetem fazendo com que, novamente, as piadas não se encaixem no ritmo lento da trama. Mas o personagem de Woody (escondido no trailer – a Dreamworks não deveria estar muito feliz) é ótimo: “É um cara mais velho que é realmente maluco, psicopata (interpretado pelo próprio Woody), que aconselha um jovem (Jason Biggs) sobre a vida, e o rapaz o idolatra”, explicou o cineasta. A trama é sobre relacionamentos: o do mentor psicopata com o rapaz, que é um jovem escritor, o do jovem com sua namorada, Amanda (Christina Ricci absolutamente maravilhosa e sexy no papel), e com seu agente, e o de Amanda com sua mãe. Na época, dividiu a crítica, ainda que mesmo os elogiosos soubessem que era um filme mediano. Custou US$ 18 mi e faturou US$ 14 mi.
Título: Melinda and Melinda (2004)
Título Nacional: Melinda e Melinda
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Último filme de cinco do diretor para a Dreamworks (a diretoria deve ter arrancado os cabelos nesse contrato – e se arrependido de não renovar a partir do próximo), “Melinda e Melinda” dá um salto de qualidade frente a obra recente do cineasta. A trama parte do pensamento de que “a vida pode ser uma tragédia ou uma comédia, depende de como se olha para ela”. Para exemplificar, dois diretores de teatro numa mesa de bar imaginam a história de uma pessoa que chega na casa de amigos, sem avisar, no meio de um jantar (de negócios, não oficialmente). “Isto seria um ótimo gancho para uma comédia”, diz um. “Que nada, isso seria triste. Já estou vendo a tragédia”, diz o outro. Com esse mote nas mãos, Woody conta a história de duas Melindas. Radha Mitchell encarna os dois papeis com sublime desenvoltura, afinal as duas são depressivas, mas uma delas ainda consegue ver sinais de coisas boas no mundo (apesar de insistir em digerir 28 calmantes com vódega) enquanto a outra vive aguardando o momento em que a vida vá lhe passar uma rasteira novamente (embora tenha acabado de conhecer um pianista galante). De certo modo, “Melinda & Meinda” exibe uma estrutura próxima a de “Crimes e Pecados” (1989), ainda que lá exista uma questão moral mais afiada. Aqui, para Woody, a parte cômica é dispensável: “Queria ter feito um filme apenas com a parte dramática”, diria depois. O resultado final é mediano, mas um mediano melhor do que as quatro obras anteriores juntas. Faturou US$ 20 milhões nas bilheterias e melhorou com o tempo, mas continua ali no meio do segundo escalão.
Título: Match Point (2005)
Título Nacional: Match Point – Ponto Final
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Após o fim do contrato com a Dreamworks, Woody conseguiu financiamento na Inglaterra, e foi de mala, óculos, cuia e câmera filmar pela primeira vez em Londres. E tudo mudou: sai a Nova York do dia a dia e entra a glamorosa Londres de Banksy, Norman Foster, do Parlamento e da Tate Modern. Sai o jazz antigo e entram árias de óperas. Sai a comédia e entra um drama. Saem os longos diálogos que se atropelam. O próprio Allen sai da tela, deixando brilhar Jonathan Rhys-Meyers. E entra Scarlett Johansson transbordando sensualidade. O roteiro, impecável (que rendeu a Woody sua 14ª indicação ao Oscar na categoria – ele perdeu inaceitavelmente para “Crash”), revisita a ideia central da parte dramática de “Crimes e Pecados” (1989), a de que Deus não existe, e a une com outra premissa que perpassa vários de seus filmes, a de que sorte é mais importante do que talento. Na história, um rapaz irlandês pobre (Meyers) que conseguiu certo destaque na vida jogando tênis se envolve com a filha de uma família rica da alta casta britânica. Seu problema, no entanto, é que aparece no seu caminho Nola Rice, a noiva do seu futuro cunhado, uma Scarlett de tirar o folego (sua primeira aparição em cena é absolutamente majestosa). Woody é extremamente delicado no cuidado de gestos dos atores, e o filme é uma aula cinematográfica cujo resultado é frio, denso, tenso, cruel, depressivo e maravilhoso. Filme favorito de toda sua carreira, “Match Point” é definido por Woody “como um filme em que tudo deu certo”. Ao contrário de outros que ele adora, mas diz que mexeria aqui e ali, em “Match Point”, para ele, “tudo se encaixou”. A crítica louvou e os espectadores bateram ponto no cinema: com custo de US$ 15 milhões, “Match Point” faturou US$ 85 milhões sendo o primeiro filme de Woody a dar lucro nos EUA em 22 anos (desde “Hannah e Suas Irmãs”). E permanece, ainda, uma obra prima sobre a falta de justiça no mundo. Seu melhor filme neste século e um dos melhores de toda sua carreira, “Match Point” é um clássico moderno e, provavelmente, seu mais amargo final feliz.
Título: Scoop (2006)
Título Nacional: Scoop – O Grande Furo
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
Nos bastidores de “Match Point”, Woody diz ter percebido uma veia cômica em Scarlett que ainda não havia sido explorada, e adaptou uma ideia que tinha de um jornalista famoso recém-falecido (Ian McShane, ótimo) que consegue uma grande reportagem de bandeja, o que no jargão da profissão é conhecido como furo, mas está na barca da morte. Ele dá um jeito de escapar e contar a história a primeira (estudante) jornalista que encontra, Sondra (Scarlett). Ela usa roupas largas, óculos, se enrola toda na hora de falar e não tem um pingo de sex-appeal (exceto na cena da piscina). O tal furo é sobre um ricaço que está matando prostitutas na noite de Londres (assim como Jack, o estripador, o mais famoso serial-killer das Ilhas). O singelo rapaz manda suas vítimas para o além deixando sua marca sobre o corpo frio da morta: uma carta de tarô. Inexperiente, Sondra pede ajuda ao mágico Splendini (Woody), um nova-iorquino que odeia a cidade inglesa, não entende como as pessoas podem se acostumar dirigindo do lado direito do carro, e que adora fazer piadas sobre judeus e o sistema de classes britânico. Em uma intensa procura por pistas, Velma (Scarlett) e Salsicha (Woody) se metem em confusões enquanto tentam montar o quebra-cabeça criminoso. O resultado é um filme leve e simpático, que não ofende, mas também não conquista, ficando no rol das comédias tolas que Woody irá abusar de fazer neste século. O próprio Woody a define como “uma comédia ligeira que peca por falta de ambição”, e não poderia estar mais correto. Porém, no embalo do grande sucesso de “Match Point”, o custo de US$ 4 milhões viu um faturamento de US$ 40 milhões no final. Isso sim foi um belo passe de mágica.
Título: Cassandra’s Dream (2007)
Título Nacional: O Sonho de Cassandra
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Terceiro filme consecutivo do cineasta no Reino Unido, o segundo sem refresco cômico, e o primeiro apenas com atores britânicos no elenco, “O Sonho de Cassandra” dividiu as atenções com “Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto” (2007), de Sidney Lumet, pois ambos chegaram aos cinemas quase ao mesmo tempo com o mesmo ponto de partida: dois irmãos em meio a uma enrascada financeira cometem um crime que envolve diretamente toda a família. Com resultados equilibrados, o filme de Lumet soava mais forte, ainda que as atuações de “O Sonho de Cassandra” fossem melhores. Mais de 10 anos depois, e isolado, o filme de Allen parece ter envelhecido como um bom vinho. Pra variar, aqui ele revisita temas caros de “Crimes e Pecados” e “Match Point”, mas os personagens não são da alta casta inglesa, e sim dois pobretões. Ian (Ewan McGregor ótimo) é o irmão mais esperto, aquele que a família acreditava que iria se dar bem na vida, e que está sempre planejando algo para dar um salto de classe social. Terry (Colin Farrell absolutamente excelente), por sua vez, trabalha numa borracharia, é viciado em jogos de apostas (cavalos, pôquer, o que for) e usa mais a cabeça para sustentar os cabelos do que para pensar. A coisa entorna quando Terry perde uma fortuna no pôquer, e pede a seu tio ricaço uma ajuda (Ian também quer uma ajuda financeira para empreender): “Então me ocorreu: e se o tio vem e se antecipa, e é ele quem precisa de ajuda? É ele quem está enrascado?”, diz Woody revelando o ponto de partida do bom roteiro. Uma mão lava a outra, certo? “A única coisa que importa é a família. O mesmo sangue”, não é mesmo? Neste drama denso (que custou US$ 15 mi e faturou US$ 22 mi), Woody desenha com sabedoria a derrocada de um ser-humano consumido pela culpa. O final, um tiquinho mais acelerado do que deveria ser, remete ao antológico conto “Venha Ver o Pôr-do-sol”, de Lygia Fagundes Telles, com as namoradas dos irmãos fazendo um papel semelhante ao das crianças pulando corda. Triste e absolutamente genial.
Título: Vicky Cristina Barcelona (2008)
Título Nacional: Vicky Cristina Barcelona
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Seguindo em sua maré de grandes filmes, Allen abandonou Londres e aceitou o convite da prefeitura de Barcelona, que decidiu investir numa peça de turismo filmada pelo cineasta – 2 milhões de euros saíram dos cofres públicos. “Eu já tinha essa ideia de duas mulheres saindo de férias”, conta Woody. “Então eu tinha o financiamento, e duas semanas depois Penelope Cruz me ligou – eu tinha a visto em ‘Volver’ e ela estava genial. O nome de Scarlett estava me rondando e eu soube que Javier Bardem estava interessado. Tudo gradativamente tomou forma. Quando percebi, estava escrevendo para eles”, explica. A grande questão (e genialidade do filme), porém, é que Woody tinha três estrelas hollywoodianas de máxima grandeza em suas mãos (Penelope saiu com um Oscar de Atriz Coadjuvante por sua atuação), mas a chave do filme é o personagem de Rebecca Hall, Vicky, que, assim como Newland, o personagem de Daniel Day-Lewis em “A Época da Inocência”, de Martin Scorsese, ou Francesca (Meryl Streep) de “As Pontes de Madison”, de Clint Eastwood, estão condenados a amar em silêncio enquanto vivem uma vida de fachada para satisfazer os anseios da sociedade (e seus próprios medos). Mas voltemos ao começo: duas amigas vão passar suas férias de verão na Espanha, e se apaixonam por um pintor sedutor, que tem um caso conturbado com uma pintora intensamente intensa. Vicky (Hall) é centrada, segura e está prestes a se casar; Cristina (Scarlett) não tem a mínima ideia do que quer da vida, só sabe o que não quer (as escolhas de Vicky). O personagem de Javier Bardem atropela o caminho das duas, e a deusa Penelope transborda paixão latina num filme que, apesar de filmado em Barcelona, é totalmente francês em essência, pagando tributo a Eric Rohmer e Truffaut. Com diálogos incríveis, bela música e cartões postais maravilhosos, “Vicky Cristina Barcelona” tornou-se a maior bilheteria de Woody Allen até então (custou US$ 15 milhões, faturou US$ 96 milhões), e é um filme que merece atenção delicada e muito respeito, porque é absolutamente sublime.
Título: Whatever Works (2009)
Título Nacional: Tudo Pode Dar Certo
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Na tentativa de rodar um filme antes de uma iminente greve de atores, Woody recuperou um roteiro que havia escrito nos anos 70 pensando em Zero Mostel, ator perseguido pelo Macarthismo, e que ele decidiu engavetar após a morte do ator em 1977. Ou seja, “Tudo Pode Dar Certo” é da época das comédias rasgadas pré “Annie Hall” (1977), e por mais que essa história “não seja o cenário para uma comédia, mas sim para um delito penal”, como escreveu sagazmente o crítico da Time Magazine na época, se você ultrapassar o “detalhe” de uma garota de 20 anos (Evan Rachel Wood / Melodie) que se apaixona por um velho rabugento de 60 (Lary David / Boris), irá encontrar um dos filmes mais divertidos de Woody no período. “Se tivesse que comer nove porções de frutas e vegetais para viver, eu não ia querer viver”, confessa Boris no brilhante monologo inicial em que ainda defende que Jesus e Karl Marx tinham boas ideias, mas erraram porque “se baseavam na ideia falaciosa de que as pessoas são, essencialmente, decentes”. Boris é um mal-humorado físico aposentado e suicida fracassado que abriga Melodie, uma garota que fugiu de casa (na Carolina do Norte) para Nova York. Com o tempo, ela se apaixona por ele, eles se casam, e tudo segue bem (ranzinza) até a mãe encontrá-la, e tudo virar de cabeça pra baixo (ou voltar ao eixo, como queiram). Há uma série de tiradas deliciosas (você sabia, caro leitor, que Deus, além de gay, é decorador? E que se não fosse a incapacidade sexual de muitos homens, a Associação Nacional das Indústrias de Armas iria à falência?) e um tipicamente fechamento alleniano: “A maior parte de sua existência é sorte, mais do que você gostaria de admitir”, crava Boris. O resultado é um bom filme que custou US$15 milhões e faturou US$ 35 mi.
Título: You Will Meet a Tall Dark Stranger (2010)
Título Nacional: Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Em seu quarto filme em Londres em seis anos, Woody Allen está acompanhado por um elenco estelar que traz Antonio Banderas, Josh Brolin, Anthony Hopkins, Gemma Jones, Freida Pinto (em seu segundo filme – o primeiro foi o estrondoso sucesso “Slumdog Millionare“) e Naomi Watts (por problemas de agenda, Nicole Kidman desistiu do papel de prostituta que se casa com um homem mais velho, que ficou com Lucy Punch) tentando contar quatro histórias em 100 minutos: a do casal Roy e Sally (Josh e Naomi), ele o escritor de um livro de sucesso que não consegue escrever um romance a altura do primeiro e se apaixona pela garota da janela em frente, e ela uma galerista frustrada com o casamento e com a perspectiva de não ter filhos; e a história dos pais dela, Alfie (Hopkins, ótimo) e Helena (Gemma, insuportável não por sua culpa, mas por seu personagem intensamente presente), que acabaram de se separar. Os demais giram em torno desses quatro, e a sensação na época de seu lançamento era de que esse era um dos piores filmes de toda a carreira de Woody Allen, mas, visto 10 anos depois, é perceptível que há bastante potencial no roteiro, só que ele ficou no papel. Woody perdeu o tesão, aparentemente, no decorrer das filmagens, e deixou-o seguir frouxo sem ter animo ou pique para consertá-lo. O resultado é um filme fraco (principalmente frente aos antecessores imediatos) que desperdiça um elenco de sonhos, mas, ainda assim, carrega certa graça. Custou USR 22 mi e faturou US$ 34 mi.
Título: Midnight in Paris (2011)
Título Nacional: Meia Noite em Paris
Woody Allen assina o roteiro e dirige
O ponto de partida de Woody em “Midnight in Paris” foi o título, e ele tinha o título e nada mais, e começou a pensar no que poderia acontecer à meia noite em Paris. Outra ideia surgiu: e se uma pessoa entrasse num carro e fosse parar em outra época? Bum! Mas havia um entrave: filmes de época são caríssimos e os orçamentos de Allen, baixíssimos. Porém, em 2009, a França introduziu um desconto de impostos para produções internacionais, e com financiamento espanhol, a produção deslanchou. Nesta deliciosa fábula fantasiosa, um roteirista de Hollywood (Owen Wilson, perfeito) que deseja largar seu trabalho milionário para escrever romances (o personagem de Josh Brolin no filme anterior felizmente ganhou um filme seu) desembarca em Paris com a noiva (Rachel McAdams), e se perde sozinho e bêbado na noite da Cidade Luz sendo resgatado por um carro antigo que o leva para uma festa… nos anos 20, em que conhece Zelda e F. Scott Fitzgerald, Cole Porter, Gertrude Stein, Hemingway, Picasso, Buñuel e Dali, entre outros. Todos os dias à meia-noite, ele passa a “visitar” seus novos amigos, e se apaixona por Adriana (Marion Cotillard), musa de Modigliani, Brake e Picasso, que não está satisfeita com essa Paris e sonha com a cidade da Belle Époque, em 1890. De maneira genial (e com reforço de Degas, Gaughin e Toulouse-Lautrec), Woody defende que, na tentativa de fugir de um presente desagradável, toda geração projeta outra época como sendo perfeita por pura nostalgia e ilusão, pois a vida, em que época for, nunca será perfeita. Com um roteiro esperto, piadas deliciosas, atuações envolventes e a Cidade Luz cumprindo seu papel de personagem principal e encantando, “Meia Noite em Paris” se transformou na maior bilheteria de toda carreira de Allen, faturando US$ 154 milhões (os valores atualizados de “Annie Hall” batem nos US$ 143 milhões), e rendendo a ele sua 16ª indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original, e sua terceira vitória na Academia (que se junta a “Annie Hall” e “Hannah”), reconhecimento por um filme leve, inteligente, divertido, bonito e extremamente poético.
Título: Paris-Manhattan (2012)
Título Nacional: Paris-Manhattan
Woody Allen inspira o filme e faz uma rápida participação
Em seu filme de estreia, a diretora e roteirista francesa Sophie Lellouche decidiu mostrar seu amor pelo cinema de Woody Allen. Em “Paris Manhattan”, Alice (Alice Taglioni) é daquelas mulheres bonitas, ricas e solteiras que só existem em filmes. Além de tudo isso, ela é uma farmacêutica apaixonada pelos filmes de Woody Allen (que muitas vezes receita filmes do diretor ao invés de remédios). Lellouche brinca com Allen numa divertida recriação de “Sonhos de Um Sedutor”, em que o personagem do cineasta recebia conselhos de um Humphrey Bogart imaginário. Em “Paris Manhattan” é Alice que recebe conselhos imaginários de Woody, muitos deles as melhores tiradas do filme. Apesar da boa ideia, Sophie Lellouche transforma sua comédia romântica francesa em um filmezinho óbvio cujo final está escrito na testa de todos os personagens (principalmente daquele que age e fala coisas como se fosse Woody). Assim como sua personagem principal, que amava Woody Allen, mas parecia não transpor as coisas que via na tela para a vida real (e poucos cineastas são tão reais quanto Woody), Lellouche mostra como também não aprendeu nada com o cineasta novaiorquino. Uma pena.
Título: To Rome With Love (2012)
Título Nacional: Para Roma Com Amor
Woody Allen assina o roteiro, atua e dirige
Na lista dos 16 melhores filmes de todos os tempos para Woody Allen, a Itália é representada com cinco títulos, o que levanta a questão: amando tanto o cinema italiano, como Woody nunca tinha filmado no País? Ok, teve uma parte de “Todos Dizem Eu Te Amo” em Veneza, mas era pouco. Após passar por Londres, Barcelona e Paris, ele finalmente desembarca em Roma, assumindo: “Foi estritamente financeiro”. O ‘cinema de turismo’ que Woody vinha praticando desde que pisou em Londres em 2005 deu folego novo ao cineasta, e se “Para Roma Com Amor” não alcança o brilho de “Match Point”, “Vicky Cristina Barcelona” e “Meia Noite em Paris”, ao menos faz rir, o que, em se tratando de Allen, é sempre bem-vindo. São quatro histórias que têm a cidade como única forma de ligação. Na melhor delas, Woody brilha como Jerry, um produtor musical aposentado que descobre um tenor talentoso, com apenas um detalhe: ele só canta bem debaixo do chuveiro. Deliciosamente cômico. Um pouco abaixo, mas com ótimos momentos, temos a (quase) refilmagem de “Abismo de Um Sonho”, segundo filme de Fellini, que mostra um casal do interior chegando a Roma recém-casado: a esposa deixa o hotel, e quando vê está nos braços de seu ator favorito enquanto o marido lida com a família. Woody acrescenta um elemento substancial à trama (“apenas” Penelope Cruz), e a história diverte. O terceiro conto é estrelado muito bem por Roberto Benigni, e defende que entre ser pobre e desconhecido ou rico e famoso, a segunda opção é a melhor (você tinha dúvida, leitor?). Um pouco abaixo das três, há o romance que une Juno a Mark Zuckerberg, ou melhor, Ellen Page (Monica) e Jesse Eisenberg (Jack), com Frances Ha (Greta Gerwig) de coadjuvante, e vale mais pelas imagens do Trastevere, um dos lugares mais aconchegantes de Roma, do Coliseu e do Parco della Musica. Alec Baldwin – como o coro grego que avisa Jack da possível tragédia – acaba esvaziando a história, mas ainda assim há certo charme que mantém na média um filme menor que diverte, faz pensar, admirar Roma e que envelheceu bem. Custou US$ 17 milhões e faturou US$ 73 mi.
Título: Woody Allen – A Documentary (2012)
Título Nacional: Woody Allen – Um Documentário
Woody Allen atua
Escrito e dirigido por Robert B. Weide, “Woody Allen – Um Documentário” (2012) perpassa quase todos os filmes do diretor com jornalistas, críticos, atores, familiares, produtores, profissionais de sua equipe e até um teólogo além de alguns convidados de luxo (como Martin Scorsese) comentando sobre Woody e seus filmes. Produzido para a 25ª Temporada da série American Masters, em 2011, este documentário pode ser encontrado em sua versão comercial editada, com 113 minutos (que foi lançada em DVD no Brasil e está disponível na Amazon Prime) ou em sua versão integral, com 195 minutos, disponível em DVD duplo no mercado estrangeiro (e na Amazon Prime gringa). É uma diferença considerável, praticamente um filme inteiro (82 minutos) que ficou de fora da versão editada, e os comentários que você lê aqui são da imperdível versão estendida. A primeira parte conta da infância do cineasta, fala como ele começou a escrever e vender piadas ainda adolescente e enveredou para o stand-up até que se transformasse em um dos comediantes mais famosos dos Estados Unidos. Envereda para o cinema, com “O Que Que Há, Gatinha?” (1965) e o roteiro (básico, sem nenhuma invencionice) segue contando filme após filme até “Memórias” (1980). Não há quase novidades aqui, principalmente se você já conhece um pouco da história de Woody, mas não deixa de ser interessante. O tesouro, porém, surge na segunda parte, mais bagunçada cronologicamente, mas muito mais interessante pelas declarações de atores como Penélope Cruz, Scarlett Johnasson, John Cusack, Dianne Wiest (num trecho imperdível), Mira Sorvino, Josh Brolin, Sean Penn e Owen Wilson, entre outros, contando como é trabalhar com Woody, e seus métodos, tornando mais tátil entender como ele constrói seus filmes, e permitindo observar com mais profundidade a obra do cara que se viu “numa posição estranha” de ser influenciado por “Groucho Marx, Bob Hope e Ingmar Bergman”, concluindo: “Não há o menor sentido nisso”. Cá estão três horas que dão muito sentido ao cinema de Woody Allen.
Título: Blue Jasmine (2013)
Título Nacional: Blue Jasmine
Woody Allen assina o roteiro e dirige
De volta aos Estados Unidos, Woody Allen dividiu seu novo filme entre filmagens em Nova York e a São Francisco que ele não encontrava (cinematograficamente) desde “Sonhos de um Sedutor”, em 1972. O roteiro original (que rendeu a Woody sua 16ª indicação ao Oscar na categoria) beliscava a trama de “Um Bonde Chamado Desejo” (1951), de Tennessee Williams, ao contar a história de uma mulher (Jasmine / Blanche) que quer recomeçar a vida e apagar todo seu passado, mas protege-se (esconde-se) em uma redoma de fantasia e virtudes – o Stanley Kowalski da vez se chama Chilli e é interpretado magnificamente por Bobby Cannavale. Jasmine (Cate Blanchett) vivia em Nova York com um ricaço (Alec Baldwin, melhor aproveitado do que em “Para Roma Com Amor”) que fraudava impostos, foi pego e levou a família à bancarrota. Não é só isso, há mais peças que Allen irá distribuindo durante o filme. Ela está falida (mas voa de primeira classe e carrega uma bolsa Louis Vuitton) e procura refúgio na casa da irmã, a simplória Ginger (Sally Hawkins, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante), em São Francisco. Amparada por um personagem movido à vodka, Martini e Xanax, Cate Blanchett brilha (o uso constante do “presente / flashback” valoriza a atuação) em um filme delicado e sutilmente profundo que fotografa com suave ironia a triste decadência de uma mulher (rica), que começa o filme sentada na 1ª classe de um voo e termina sozinha em um banco de parque, tal qual um Forrest Gump contando histórias (no caso dela, sempre a mesma), mas sem uma caixa de bombons, apenas lembranças de um tempo bom que se foi. Blanchett levou a estatueta de Melhor Atriz para casa (o segundo Oscar de sua carreira – o primeiro foi por “O Aviador”, de Martin Scorsese) e o melhor filme (até o momento) de Woody Allen nos EUA neste século, que custou US$ 19 mi, faturou US$ 99 milhões.
Título: Fading Gigolo (2013)
Título Nacional: Amante a Domicílio
Woody Allen atua
Como ator, John Turturro esteve envolvido em vários grandes filmes: “Touro Indomável” (1980), “Procura-se Susan Desesperadamente” (1985), “Hannah e suas Irmãs” (1986), “A Cor do Dinheiro” (1986), “Faça a Coisa Certa” (1989), “Barton Fink” (1991) “O Grande Lebowski” (1998) e “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?” (2000), entre outros. Como diretor, assinou cinco longas, sendo “Fading Gigolo” seu último trabalho – e, curiosamente, o último de Woody Allen como ator de cinema (descontando a série “Crise em Seis Cenas”, de 2016). O ponto de partida é inverosímil: Murray (Woody) conta ao amigo Fioravante (Turturro) que sua médica lhe confessou o desejo de fazer um ménage a trois com uma amiga, mas que precisa de um homem, e perguntou a Murray se ele não conhecia ninguém. Murray tinha pensado no amigo, que, inicialmente, se nega ao papel de gigolo, mas acaba aceitando o trabalho. Dra. Parker é Sharon Stone e sua amiga, Selima, é Sofia Vergara (suspiros), e as duas são apenas as primeiras clientes da dupla (Murray cafetina, Fioravante executa). O problema surge quando a viúva de um rabino, Avigal (uma Vanessa Paradis deliciosamente contida), atravessa o caminho do rapaz, e começa a dificultar a tarefa de separar trabalho de amor. Escrito assim, “Fading Gigolo” soa simplório e piegazinho, e é exatamente o que ele é. Turturro dispensa alegorias cinematográficas e vai direto ao ponto de tal maneira que acaba tanto matando o potencial cômico de seu personagem (que é puro tédio) quanto expondo a falta de profundidade dele e dos demais. Sem enfrentamento, Woody Allen brilha sendo o Woody Allen de sempre, Sharon Stone diverte, mas são Sofia Vergara (sendo Sofia Vergara) e Vanessa Paradis os grandes destaques de um filme que soa bonitinho, mas tremendamente ordinário e esquecível. Um passatempo para ver sem compromisso, rir aqui e ali, e esquecer (como, aliás, muitos filmes de Woody Allen no novo século.).
Título: Magic In The Moonlight (2014)
Título Nacional: Magia ao Luar
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Dos EUA para Nice, Menton e Antibes na Riviera Francesa (Woody tolera divulgar seus filmes em Cannes porque esposa e filhos amam a região) para uma versão local (passada nos anos 1920) de “Scoop” batida no liquidificador com “Tudo Pode Dar Certo”: o mágico chinês Wei Ling Soo é o disfarce de Stanley, com Colin Firth fazendo aqui o papel de mágico de Hugh Jackman e do velho mal-humorado letrado de Larry David com a graciosa jovem Emma Stone tomando o lugar de Scarlett Johansson e Evan Rachel Wood. Tal qual “Scoop”, Woody utiliza o ilusionismo como escape para uma historinha de amor banal, um passatempo cômico romântico que choca o desespero da finitude com a improbabilidade do amor (a Hollywood dos anos de ouro amaria). “A gente nasce, não comete nenhum crime, e é condenado à morte”, lamenta Stanley genialmente corroborando a decepção do cineasta com a finitude do ser, algo que sempre o assombrou, ainda que antes essa tristeza surgisse embalada em sarcasmo fino. Em “Magia ao Luar”, porém, a afirmação vem acompanhada da antipatia e do egocentrismo do personagem de Colin Firth, um velho chato, culto, convencido e incorrigível, cujo fato de uma pedra se interessar por ele já seria uma surpresa, quanto mais a jovem Sophie (Emma). Woody é cruel com a mediunidade, mas se dobra ao amor, um dos poucos remédios que podem aliviar o fardo do fim inevitável. Simplório, “Magia ao Luar” se destaca como veículo de toda descrença do cineasta com a existência, mas atende às necessidades de um final feliz, como se o mundo ainda acreditasse nisso (acredita?). Eis uma comédia romântica repleta de mau-humor, desencanto e citações filosóficas que, no final, sorri de forma inocente e apaixonada justificando a principal premissa do filme: a vida é indiscutivelmente um fardo, e cada pessoa necessita (tanto) de distração (quanto de mentiras) para seguir em frente. Neste caso, o amor basta, mas o filme poderia ser melhor. A vida também… Custou US$ 16.8 milhões e faturou US$ 51 milhões.
Título: Irrational Man (2015)
Título Nacional: Homem Irracional
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Se o filme anterior deixava explicito que Woody estava explorando material que ele mesmo já tinha usado, no campo da comédia, “Homem Irracional” repete o expediente, no quesito drama. Aqui, Woody (filmando em Newport, Rhode Island) bate no liquidificador dois dos seus grandes dramas londrinos do novo século, “Match Point” e “O Sonho de Cassandra”, mas não consegue alcançar o brilho de nenhum deles. Do primeiro, ele resgata o romance inapropriado que pode terminar em tragédia (e uma pequena lanterna se iguala ao golpe de sorte de uma aliança roubada); do segundo, o sentimento de culpa que corrói seus personagens, impedindo-os de seguir em frente sem que a verdade seja revelada, custe o que custar. Na trama de “Homem Irracional”, o polêmico professor de filosofia Abe Lucas (Joaquin Phoenix), vivendo uma crise existencial, começa a dar aulas numa nova faculdade, onde precisa lidar com a impetuosidade sexual de uma professora (Parker Posey) e a jovialidade apaixonante de uma inteligente aluna, Jill (Emma Stone belamente fotografada por Darius Khondji). Nada anima Abe, até que ele ouve atrocidades sobre um juiz aparentemente corrupto, e promete para si mesmo que irá matá-lo. Sua vida ganha um sentido. Ao som de “The ‘In’ Crowd”, de Ramsey Lewis Trio, que acaba por dar mais leveza ao filme do que deveria, questões filosóficas são despejadas aos montes ao lado do nome de Dostoievski (“Crime e Castigo”) e Hannah Arendt (“A Banalidade do Mal”). Para Abe, eliminar a vida de um homem corrupto será o principal gesto de sua vida, pois ajudar pobres e ensinar alunos que, futuramente, vão manter as coisas exatamente do jeito que estão, não muda nada. É preciso ação, e, para isso, ele tenta criar regras morais que o convençam do ato (e convençam Jill). Se em “Match Point” e “O Sonho de Cassandra”, o roteiro discutia culpa, aqui o tema é moralidade, mas tanto o final apressado quanto a trilha não colaboram: há um bom filme em algum lugar aqui, mas o resultado final é mediano. Custou US$ 11 milhões e faturou US$ 27.4 milhões.
Título: Café Society (2016)
Título Nacional: Café Society
Woody Allen assina o roteiro, dirige e narra a história em off
A essa altura da carreira, Woody Allen chegou aos 80 anos tendo escrito mais de 50 filmes, e a sensação de autocopia dos dois filmes anteriores volta a bater ponto na trama de “Café Society”, que narra a vida de um rapaz nova-iorquino, o jovem judeu Bobby (Jesse Eisenberg), que decide mudar-se para Los Angeles sonhando trabalhar com cinema (e com o tio famoso vivido por Steve Carell). Lá ele se apaixona pela bela Veronica (Kristen Stewart), que ama um homem mais velho (e casado). No meio de tudo isso há resquícios de “A Era do Rádio” na família nova-iorquina de Bobby (com direito até a um tio comunista), dos gangsteres de “Tiros na Broadway”, de um encontro com uma prostituta aos moldes de “Desconstruindo Harry”, de um caminhão de piadas de judeus que remete a “Annie Hall”, do marido que odeia o irmão rico da esposa de “Um Sonho de Cassandra”, do ar intelectual de “Meia Noite em Paris”, sem contar mais uma história de uma garota de 20 e tantos anos se apaixonando por alguém com o dobro de sua idade. Em seu terceiro filme de época em cinco anos (“Café Society” se passa nos anos 30 com um show do mago da luz Vittorio Storaro, que ganhou o Oscar de Melhor Fotografia por “Apocalipse Now”, “Reds” e “O Último Imperador”), Woody volta a bater na tecla de que vivemos sobre um castelo de cartas de aparências, fama e glamour, e que por trás da beleza das grandes cidades há muita desilusão, sujeira e corações partidos, temas que reforçam sua desilusão com o mundo. Apesar das autocitações e da trilha sonora que novamente distrai o espectador ao invés de servir a trama, “Café Society” é um pequeno bom filme, que soa melhor hoje do que quando foi lançado, porque é permitido agora vê-lo sem cobranças e comparações, pois a sensação é que cada vez que vamos ver um novo filme de Woody Allen, nos frustramos porque ele raramente está no nível de seus próprios clássicos. Observado de maneira mais leve, a filmografia recente de Woody até que surpreende. Custou US$ 30 milhões e faturou US$ 43.800 milhões.
Título: Crisis in Six Scenes (2016)
Título Nacional: Crise em Seis Cenas
Woody Allen assina o roteiro, dirige e atua
Woody Allen e a televisão é um relacionamento que nunca dará certo. Nunca. Após “The Laughmakers” (1962), piloto de série que ele roterizou e nunca foi lançado (recentemente apareceram na web pouco mais de três minutos dos 27 do programa), “Men of Crisis: Harvey Wallinger History” (1971) e “Quase um Sequestro” (1994), ele aceitou o convite da Amazon Studios (embalada pelo reconhecimento que a produtora teve com “Transparent”) para se aventurar em uma série, a galinha dos ovos de ouro do entretenimento atual. O resultado foi “Crise em Seis Cenas”, que se não é um fracasso completo, está longe de ser boa e mais longe ainda das grandes séries que pululam nas TVs aqui e ali. Primeiro porque o formato é todo equivocado: Woody não fez uma série, mas sim um filme que ele picotou em seis partes (e que ficou sem conclusão, ou então seu final é um dos mais sem graça de toda carreira do cineasta). Segundo porque o elenco não ajuda, e olha que Miley Cirus se esforça, mas o personagem não funciona. Mesmo Woody, de volta às telas pela primeira vez em quatro anos (sua última aparição em um filme seu foi em “Para Roma com Amor”, de 2012), soa muito menos engraçado do que outrora (mas ele consegue ainda cravar umas boas piadas aqui e ali). Terceiro porque a história, que se passa nos anos 60, também não ajuda (apesar de ter potencial): um escritor neurótico (Woody) que vive uma vida monótona com a esposa (Elaine May) recebe, a revelia, a sobrinha em casa (Miley Cirus), e ela é uma ativista que fugiu da prisão após atirar em um policial e pretende fugir para Cuba (nos anos 60!). Os seis episódios exibem o embate simplório do escritor com a ativista enquanto ela está em sua casa – as reuniões da esposa no clube do livro são muito, mas muito mais divertidas – e o balanço final é um filme simpático picotado em seis episódios que só foi pra frente porque era de Woody Allen: qualquer novato que entregasse essas duas horas e meia de projeção iria levar o projeto debaixo do braço pra casa. Não ofende, mas também não conquista.
Título: Wonder Whell (2017)
Título Nacional: Roda Gigante
Woody Allen assina o roteiro e dirige
40 anos depois, “Roda Gigante” se conecta com “Annie Hall” numa citação deliciosa que rememora Alvin Singer, o personagem que se apaixona por Annie e cresceu em uma casa no meio do parque de diversões de Coney Island, nos anos 50. De forma semelhante, é numa casa sobre o estande de tiro ao alvo com a roda gigante tampando a visão do oceano que vive Ginny (a esplendorosa Kate Winslet), uma mulher que se apaixonou por outro homem e viu seu casamento ruir, mas se juntou a Humpty (Jim Belushi, excelente), o operador do carrossel do parque que é pai de Carolina (Juno Temple), uma moça sonhadora que se casou com um gangster, o entregou em um acordo de delação e agora está jurada de morte. A eles se junta Mickey (um tedioso Justin Timberlake), o romântico escritor que trabalha como salva-vidas na praia, e narra a história tentando distrair o espectador como Scarlett Johansson e Penélope Cruz fizeram em “Vicky Cristina Barcelona”. Se lá a alma do filme está em Rebeca Hall, em “Roda Gigante”, Mickey narra o drama de verão, mas o filme é todo sobre Ginny, e Kate entrega uma atuação digna das estatuetas de Oscar, Grammy e Emmy que mantém na estante de sua casa. Não bastou. Falta densidade e tensão ao drama excessivamente teatralizado, e ainda que Winslet se esforce sozinha para carregar o filme nas costas (e em muitos momentos consiga), o embaraço de um ator escada fraco (Timberlake) e as luzes exageradas de Vittorio Storaro, que já havia iluminado de dourado “Café Society” e trouxe pra cá o excesso de cores de um dos maiores fracassos de sua carreira e da de Francis Coppola, o cult kitsch “O Fundo do Coração” (1982), não colaboram. O resultado, porém, está longe de ser um desastre, e assim como os três filmes imediatamente anteriores, melhorou sensivelmente distante da estreia na sala de cinema, o que não tira o filme do terceiro escalão de obras do cineasta. Após 12 anos seguidos lucrando nas bilheterias, Woody volta a fracassar com “Roda Gigante”, que custou US$ 25 milhões e faturou apenas US$ 15,9 milhões.
Título: A Rainy Day In New York (2019)
Título Nacional: Um Dia de Chuva em Nova York
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Finalizado e pronto para ser lançado em 2018, mas com lançamento cancelado pela Amazon Studios devido a desdobramentos do movimento #MeToo – que, ainda que a séria acusação de Dylan Farrow repouse no meio de uma intensa rede de intrigas entre Allen e Mia Farrow, resultou numa declaração absolutamente inaceitável do cineasta em defesa de Harvey Weinstein –, “A Rainy Day In New York” (no original) só estreou oficialmente em julho de 2019 (na Polônia) chegando ao Brasil no final de novembro marcando o primeiro ano (2018) desde 1981 em que Woody não teve um filme seu nos cinemas. À parte de toda polêmica que cercou a produção, “A Rainy Day In New York” é mais uma comédia romântica (datada, tal qual “Café Society”, ainda que ali houvesse mais agilidade) de terceiro escalão na extensa obra do cineasta – o que é um pouco pior no caso de Woody, afinal, uma coisa é ser uma obra menor numa filmografia de 10 filmes, outra é numa carreira de mais de 50. Na trama, Gatsby (Timothée Chalamet) é um daqueles jovens bon vivant que, hoje em dia, você só vê nos filmes de Woody (elegantemente deselegante, que toca Chet Baker no piano e prefere ligar a mandar mensagens no celular). Ele está em Nova York com sua namorada de faculdade, a bela jovem caipira e inocente Ashleigh (Elle Fanning, que entrega o que o papel repleto de tristes clichês pede), que irá entrevistar um famoso diretor de cinema, Robert Pollard (Liev Schreiber), que está em crise com seu último filme. E enquanto a namorada é cortejada por diretor, roteirista (Jude Law, excelente) e ator (Diego Luna, o melhor em cena), Gatsby se descobre apaixonado por Manhattan e por… Chan (Selena Gomez, que, escondida, não diz muito a que veio). Inevitavelmente há piadas que funcionam (ainda é um filme de Woody Allen), mas a sensação é que tudo aqui foi feito no piloto automático. Funciona para a Sessão da Tarde, mas se espera mais de Woody Allen. Custou US$ 25 mi e faturou USS 22 mi.
Título: Rifkin’s Festival (2020)
Título Nacional: O Festival do Amor
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Em seu segundo filme sem apoio nos EUA (que só estreou “em casa” em 2022), Woody teve investimento espanhol e italiano, e partiu para a Europa para filmar uma história leve e divertida que provoca “cinéfilos”. De novo, ele recicla ideias de outros filmes seus (“Meia Noite em Paris” no comando), e ainda que perca impacto com a escolha do ótimo Wallace Shawn para o papel principal (ele é um baita coadjuvante, mas sem o humor e o sex appeal necessários ao personagem), se sai bem porque as piadas e as sacadas cinematográficas, mesmo recicladas (ou talvez por isso), são ótimas e funcionam como a muito não funcionavam. Esqueça o título bestinha nacional: na trama, o ex-professor de cinema Mort Rifkin (Shawn) vai com a esposa (Gina Gershon, ótima) ao Festival de Cinema de San Sebastian, na Espanha. Ela está assessorando o jovem diretor (ególatra e galanteador) Philippe (Louis Garrel, excelente), e Mort crê que há algo a mais entre eles. Desencantado com o casamento e com o cinema, Mort começa a ter visões que o inserem em cenas de clássicos como “Cidadão Kane”, “Acossado”, “O Anjo Exterminador” e “O Sétimo Selo”, entre outros, com Woody parodiando de maneira deliciosa seus ídolos e distribuindo piadas afiadas sobre holocausto, novas manias da indústria (“Hoje à noite vai rolar exibição da directors cut de ‘Os três Patetas’”) e religião (“Li a Bíblia inteira. Me apaixonei por Eva, a mulher de Jó e Dalila. Meu psiquiatra me disse que me sinto atraído por mulheres que vão me magoar”). Em certo momento, Mort descobre que sua paixão de adolescência o trocou pelo irmão depois dele ter tido a primeira chance e tê-la desperdiçado levando-a para ver “Deserto Vermelho”, “Ano Passado em Marienbad” e “O Joelho de Claire” e conclui: “Acho que fui um imbecil pedante e esnobe que desmotiva as pessoas com seu gosto intelectual”. Com grandes atuações de Elena Anaya (de “Lúcia e o Sexo”), do brilhante Sergi Lopez (de “Uma Relação Pornográfica”) e de Christoph Waltz (como a Morte), “Rifkin’s Festival” é derivativo, mas delicioso e provocante.
Título: Coup de Chance (2023)
Título Nacional: Golpe de Sorte em Paris
Woody Allen assina o roteiro e dirige
Filmado na capital francesa (doze anos após o maior sucesso de toda sua filmografia, o brilhante “Meia-Noite em Paris”), “Coup de Chance” (no original) é o primeiro filme de toda a carreira de Woody Allen falado em francês com um elenco totalmente local. Mas, não se engane, tudo aqui é o mais Woody Allen possível (da safra mais séria do diretor), com reminiscências de clássicos como “Crimes e Pecados” (1989) e “Match Point” (2005), ainda que soe mais leve que ambos. Na trama, Fanny (Lou de Laage) vive uma vidinha agradável, ainda que tolamente superficial, com um marido milionário que ela ama por inércia, Jean (Melvil Poupaud), amigos dele que a apelidam de “esposa troféu”, e um trabalho numa casa de leilões. A vida segue sem graça até ela cruzar, por acaso (o acaso é uma paixão de Woody, você sabe), Alain (Niels Schneider), um colega de faculdade que ela não via há muito tempo, que agora é escritor e que revelará que sempre foi apaixonado por ela. A vidinha monótona de Fanny ganhará contornos dramáticos com nossa garota sonhadora alternando baguetes com o rapaz no almoço com encontros apaixonados no meio da tarde no apartamento alugado dele, algo que deixará Jean (que tem um passado “nebuloso”) desconfiado. Desta forma, o espectador acompanha o desenrolar desse triangulo amoroso aguardando a tragédia típica que o cinema francês transformou em arte, e é aqui que Woody Allen brilha ao desvelar a trama como uma irresistível piada de sogra… de 96 minutos de duração – algo que aproxima esse filme de “Dirigindo no Escuro”, que também guarda uma grande piada com os franceses para o ato final. Ainda assim, a decantada obra derradeira (será?) de um dos maiores cineastas da história soa feita no piloto automático, sem muita profundidade… nem paixão. Se for realmente seu adeus, é uma pena, pois Woody pode mais do que oferece em “Coup de Chance”, que não mancha o currículo, mas soa pálido e pouco sedutor.
A LISTA DE FAVORITOS DE MARCELO COSTA
O CINEMA DE WOODY ALLEN
01) Match Point (2005)
02) Manhattan (1979)
03) Annie Hall (1977)
04) Hannah e Suas Irmãs (1986)
05) Tiros na Broadway (1994)
06) Zelig (1983)
07) Crimes e Pecados (1989)
08) Vicky Cristina Barcelona (2008)
09) Meia Noite em Paris (2011)
10) Rosa Purpura do Cairo (1985)
11) Poucas e Boas (1999)
12) Maridos e Esposas (1992)
13) A Outra (1988)
14) Desconstruindo Harry (1997)
15) Celebridades (1998)
16) Broadway Danny Rose (1984)
17) Interiores (1978)
18) Memórias (1980)
19) A Era do Rádio (1987)
20) Poderosa Afrodite (1995)
21) O Sonho de Cassandra (2007)
22) Tudo Pode Dar Certo (2009)
23) Blue Jasmine (2013)
24) A Última Noite de Boris Grushenko (1975)
25) Para Roma com Amor (2012)
26) Melinda e Melinda (2004)
27) Todo Mundo Diz Eu Te Amo (1996)
28) Dorminhoco (1973)
29) Trapaceiros (2000)
30) Alice (1990)
31) Tudo o que Você Sempre Quis Saber sobre Sexo, mas Tinha Medo de Perguntar (1972)
32) Bananas (1971)
33) Sounds from a Town I Love (2001)
34) Um Assaltante Bem Trapalhão (1969)
35) Misterioso Assassinato em Manhattan (1993)
36) Édipo Arrasado (1989)
37) Men of Crisis: The Harvey Wallinger Story (1971)
38) O Festival do Amor (2020)
39) Café Society (2016)
40) Homem Irracional (2015)
41) Golpe de Sorte (2023)
42) Magia ao Luar (2014)
43) Scoop (2006)
44) Roda Gigante (2017)
45) Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão (1982)
46) Um Dia de Chuva em Nova York (2019)
47) Dirigindo no Escuro (2002)
48) Setembro (1987)
49) Igual a Tudo na Vida (2003)
50) Neblina e Sombras (1992)
51) O Escorpião de Jade (2001)
52) Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos (2010)
53) Crime em Seis Cenas (2016)
54) Quase um Sequestro (1994)
55) O Que Há, Tigresa? (1966)
WOODY ALLEN NOS FILMES DOS OUTROS
01) Sonhos de um Sedutor (1972)
02) O Que Há, Gatinha? (1965)
03) Amante a Domicílio (2013)
04) Testa de Ferro Por Acaso (1976)
05) Juntando os Pedaços (2000)
06) Cassino Royale (1966)
07) Cenas de Um Shopping (1990)
08) Meetin WA (1986)
09) Paris-Manhattan (2012)
10) King Lear (1987)
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Leia também:
– Filmografia comentada: os 10 filmes de Wong Kar-Wai (aqui)
– Filmografia comentada: os 26 filmes de Billy Wilder (aqui)
– Filmografia comentada: os 25 filmes de François Truffaut (aqui)
– Filmografia comentada: os 24 filmes de Federico Fellini (aqui)
– Filmografia comentada: os 10 primeiros filmes de Godard(aqui)
– Três filmes: Domingos de Oliveira 1966, 2002, 2011 (aqui)
– Três filmes: Domingos de Oliveira 1971, 1998, 2005 (aqui)
– Três filmes: Irmãos Coen 1984, 1987, 1991 (aqui)
– Três filmes: Martin Scorsese 1977, 1981, 1993 (aqui)
– Três filmes: Audrey Hepburn 1953, 1956, 1964 (aqui)
– Três filmes: Jean Renoir 1937, 1938, 1939 (aqui)
– Três filmes: Howard Hawks 1938, 1941, 1944 (aqui)
– Três filmes: Howard Hawks 1940, 1952, 1953 (aqui)
Fiquei imaginando o tempo que levou pra resenhar todos os filmes e rever tudo isso. Acho que vi pelo menos 25 filmes (nunca vi nenhum doc envolvendo ele). No século XXI: “Match Point” (2005) até “A Rainy Day In New York (2019)” é o meu maior recorte, são 14 filmes em que assina o roteiro e dirige. Década de 1980 é o período que menos vi coisas dele, 3 filmes. Minha lista de favoritos (hoje seriam):
1 – Annie Hall (1977)
2 – Manhattan (1979)
3 – To Rome With Love (2012) (primeiro filme que vi dele, tem uma questão afetiva)
4 – Midnight In Paris (2011)
5 – Blue Jasmine (2013)
6 – Deconstructing Harry (1997)
7 – Vicky Cristina Barcelona (2008)
8 – Celebrity (1998)
9 – “Sweet and Lowndown” (1999)
10 – “Whatever Works” (2009).
Pra citar três filmes chatos, do tipo que nunca mais iria assistir ou recomendar: “Sleeper” (1973); “Everyone Says I Love You” (1996) e “You Will Meet a Tall Dark Stranger” (2010) (esse último é ruim mesmo, pra ficar chato precisava melhorar muito).
Pesquisei o que Woody Allen realmente disse em resposta ao fato de Weinstein ter sido processado.
Descobri que Allen não disse isso “em defesa” de Weinstein ou de seus atos.
Também não encontrei nada “absolutamente inaceitável” no que Woody Allen disse.
Talvez você queira mudar o texto.
Além disso, esse incidente não tem nada a ver com o filme “Rifkin’s Festival”.
Woody Allen tem sido injustamente difamado na mídia há décadas. Não há necessidade de contribuir para isso.
Você fez uma apresentação maravilhosa de (quase) todos os filmes do Woody. Muito obrigado! Ainda não assisti a 90% dos filmes dele, então isso é de grande ajuda para descobrir qual filme vou assistir em seguida. Também gosto dos comentários mais “pessoais” que você fez, que são muito mais do que um simples resumo do conteúdo do filme.
Assisti 35 dessa lista… Nada mal.
Excelente!!