texto por Renan Guerra
Todas as histórias que envolvem o Holocausto e sua relação com pessoas LGBTQIA+ são extremamente dolorosas. Os homens gays eram identificados com um triângulo rosa em suas vestes e quem já assistiu “Bent” (Sean Mathias, 1997) sabe bem que as histórias de amor nesses tempos poderiam ter os finais mais trágicos e dolorosos possíveis. As mulheres lésbicas tinham experiências distintas dos homens, mas ainda assim muitas delas eram perseguidas dentro dos campos de concentração e passavam por abusos e violências de diferentes tipos. Nesse sentido, a história que o filme “Nelly & Nadine” (2022) conta parece quase absurda – se fosse um filme de ficção, as pessoas diriam que eles foram sonhadores demais na hora de escrever.
Mas como dizia o slogan de algum programa da TV educativa, “quando a realidade parece ficção, é hora de fazer documentários”. “Nelly & Nadine”, do sueco Magnus Gertten, vencedor do Prêmio Teddy no Festival de Berlim, traz a tona essa história de amor que ficou escondida entre os relatos de sobreviventes do Holocausto. Nelly Mousset-Vos e Nadine Hwang se encontram pela primeira vez no Natal de 1944, dentro do campo de concentração Ravensbrück. As duas mulheres desenvolvem uma paixão muito forte que as ajuda a resistir a todas as experiências horrendas que o Nazismo as impôs. Quase 80 anos depois desse encontro, o diretor Gertten filma a jornada da neta de Nelly para reconstruir esse quebra-cabeça que é o passado de sua avó e daquela “amiga” que viveu muitos anos “dividindo apartamento” com ela.
Nelly e Nadine já são falecidas, porém Nelly deixou um longo registro de seus diários durante a sua experiência nos campos de concentração e são esses diários o ponto de partida para que o documentário desvende essa história de amor. Primeiro entendemos quem é Nelly e aos poucos vamos conhecendo Nadine, uma personagem que a neta de Nelly pouco tem informações. Ao ligar pontos da história e conectar pessoas, o documentário vai remontando toda essa vivência do casal: após as duas conseguirem sobreviver ao Holocausto, elas ficam alguns anos sem saber do paradeiro uma da outra, porém depois de um reencontro, elas mudam-se para Caracas, na Venezuela, e vivem juntas até o final da vida.
Nesse mergulho no passado, o filme vai resgatar pequenas pecinhas que remontam a vivência LGBTQIA+ de diferentes pessoas na metade do século XX. Nelly e Nadine criam em Caracas um grupo de amigos que envolve também homens gays e há registros extremamente tocantes dessa pequena comunidade que elas criaram como forma de existir e ser quem se é. “Nelly & Nadine”, com isso, se torna mais do que uma história de amor comovente, pois também é um relato extremamente forte das batalhas que diferentes pessoas enfrentaram antes de nós para conseguir viver suas vidas de forma plena e livre, sendo quem se é.
De formato sóbrio e com uma narrativa compassada, “Nelly & Nadine” é um documentário que emociona pela sua intrincada trama, pela forma como cada personagem que surge acrescenta uma nova camada de complexidade e de ternura a essas personagens. Como tudo que envolve o Holocausto, esse é claramente um filme doloroso e cheio de feridas, mas talvez sua principal força seja a de mostrar que apesar de todos os horrores e de todo o ódio, essas pessoas ainda acharam meios de se apoiar, de cuidar umas das outras e de criar coisas belas, de experienciar o que há de bom e terno nesse mundo.
Separe uma caixinha de lenços e assista “Nelly & Nadine” de peito aberto, pois essa é uma história que precisa ser reverberada.
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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.