texto por Bruno Lisboa
Desde a sua reabertura, a Autêntica tem promovido encontros de gerações distintas através de sua programação. Tal exercício é algo de grande valia já que faz com que públicos, por vezes diferentes, frequentem o mesmo espaço numa mesma noite. E o último sábado (13) foi mais um exemplo de como é possível (e louvável) realizar tal atividade.
Por mais que distância temporal entre as carreiras de Nobat e Tulipa Ruiz não seja tão grande (apenas dois anos separam seus respectivos discos de estreia), ambos construíram trajetórias próprias, mas complementares, pois mostram parte da diversidade musical brasileira.
Tulipa é parte da frutífera safra de compositoras de 2010, período em que Karina Buhr, Juliana R. e Nina Becker também lançaram seus primeiros trabalhos. Sua estreia com “Efêmera” figurou não só nas listas dos melhores discos de 2010 (foi o segundo disco mais votado no Scream & Yell) como daquela década (apareceu na sexta posição), e sua carreira seguiu com os ótimos “Tudo Tanto” (2012), “Dancê” (2015) e “Tu” (2017).
Nobat, por sua vez, começou em 2012 flertando com o indie rock em “Disco Arranhado”, mas foi, gradualmente, se aproximando de suas raízes brasileiras, como no álbum “Estação Cidade Baixa” (2017) e, principalmente, em “Mestiço” (2022), seu trabalho mais recente, que conta com a participação de nomes como BNegão e Elza Soares.
E foi Nobat que subiu primeiro ao palco na Autêntica. Tendo um belo disco debaixo do braço, o mineiro concentrou o set em seu novo rebento, entregando uma performance esteticamente ousada, que destaca o alto teor político presente em canções como “Jovem” e “Mestiço”. Acompanhado por um trio formado por Camila Rocha (baixo), Brandu (beats e percurssão) e Léo Pires (bateria), os arranjos ao vivo ganharam em peso e cadência, soando ainda melhores que as versões em estúdio.
Um dos momentos mais belos do show foi a participação de Lulis, sua companheira, na ótima “Beira do Mar”, que veio quase no fim de uma apresentação forte, que celebrou o samba (com homenagens a Cartola, Elza Soares e Alcione) e a esperança de novos tempos.
A paulista Tulipa, por sua vez, desfilou toda a sua verve pop e enfileirou o suprassumo de seu repertório num show dançante e divertido, passando sua carreira limpo através de sucessos como “Só Sei Dançar Com Você” e “Proporcional”. Houve espaço, inclusive, para “Banho”, parceria feita com a saudosa Elza Soares, registrada em “Deus é mulher” (2018)
Sua banda de apoio formada pelo irmão Gustavo Ruiz (guitarras) e os tarimbados Samuel Fraga (baterista que também acompanha Otto, Fernando Catatau e Céu, entre outros) e Gabriel Mayall (baixista da Do Amor que também toca com o Los Hermanos) criou o clima e ambientação adequada para que a cantora se sentisse à vontade.
Os coros pró Lula, que são quase unanimidade em apresentações hoje em dia, se fez presente e a cantora abraçou a causa colocando não só um bottom e uma bolsa, disponibilizados pelo público, como ostentou a famosa toalha com o rosto do ex-presidente.
Durante a apresentação, Tulipa se comunicou com o público abordando a importância de espaços como a Autêntica, elogiando a cena musical local, que vive grande momento no cenário nacional, em suas mais variadas esferas.
Houve espaço inclusive para novas canções (como “Kamikaze Total”) que surgiu em versão inacabada, mas que dá pistas do disco vindouro a ser lançado. No bis, a tríade “Às Vezes”, “Só Sei Dançar Com Você” e “Efêmera”, presentes no seu primeiro disco, encerraram a apresentação com gosto de quero mais.
Numa noite em que Belo Horizonte estava recheada de eventos culturais espalhados por toda a cidade, o público presente foi agraciado por apresentações memoráveis de dois artistas que representam um Brasil que todos queremos, vibrante, poético, artístico, dançante, esperançoso e democrático.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014.