texto por Luciano Ferreira
Com o lançamento de seu novo álbum, “Reviver” (2021), os sorocabanos da banda Wry propõem um desafio imaginário positivo para as bandas nacionais e afora, afinal qual banda conseguiu ser tão prolífica durante a pandemia quanto o quarteto formado por Mario Bross, Luciano Marcello, William Leonotti e Ítalo Ribeiro? Entre outubro de 2020 e esse 12 de novembro de 2021, além dos álbuns de inéditas “Noites Infinitas” (2020) e “Reviver” (lançado dia 12/11), o grupo lançou singles e EP’s que incluíam inéditas e versões remix de suas canções, e mais um outro álbum só de remixes, “Reimagining Noites Infinitas” (2021).
Se a pandemia destruiu planos, atrasou lançamentos, obrigou a mudanças, o Wry foi preciso em, nesse contexto de dificuldade, encontrar soluções inteligentes e, mais que isso, não se abater diante das adversidades, mas seguir em frente, manter-se em movimento como única forma de superar o momento difícil, pandêmico e político do país. De forma natural, com suas canções de letras conectadas com o seu tempo e lugar, a banda emergiu do hiato de 11 anos como porta-voz tanto para as novas quanto para as gerações que os acompanham desde os anos 90.
Ao olharmos em retrospecto para esses tempos difíceis, será inevitável não ter a música do Wry como trilha sonora, não só pela sua presença constante ao longo desses meses, mas também pelas letras certeiras de Mario. Elas trouxeram em seus versos as angústias, dúvidas, desesperança, dores e toda essa mistura de sentimentos quase aterrorizantes que em algum momento dominou e provocou insônias e desesperança: “Estou no lugar errado / Não tenho saída / Ninguém tem mais razão / Morreu a Esperança”.
Chegando em 2021 e num comparativo entre o álbum do ano passado e “Reviver”, a ideia que o Wry transmite é de uma banda mais leve e com uma mensagem otimista, como que trazendo esperança de dias melhores, em contraste com a radiografia sombria de um outrora recente: ao invés de uma capa de tons cinzentos com alguém tentando sair de um buraco, uma de cores leves com uma imagem que transmite relaxamento; ao invés de um título que transmite a sensação de noites mal dormidas, um verbo que simboliza um renascimento, um retorno à vida. Nem só de antítese é a relação entre os dois discos, há alguns pontos de ligação, a estrutura bastante semelhante entre as canções “Morreu a Esperança” e “Only Human” é um bem marcante.
Simbólico desse momento menos pesado que a banda passa e transmite é a abertura com o power-pop de clima ensolarado de “Where I Stand”, cujo videoclipe segue pelo mesmo caminho, colorido e com a banda sorridente pedalando de bicicleta e divertindo-se. E segue nesse sentido pelos os versos de “E.M.C.”: “Muito mais fortes/ Do que podíamos imaginar / Não tivemos que nos esconder / Mas perdemos a conta de todos que vimos cair / É difícil nos derrubar / Não são armas que vão calar”.
“Noites Infinitas” em muitos momentos transmitia a ideia de um álbum temático, mas não fixado em um conceito único. “Reviver”, que assim como o álbum anterior, foi produzido por Mário, soa como um conjunto de singles reunidos de forma a compor um álbum. Se isso lhe tira certo senso de unidade numa análise de conjunto, em nada diminui a força das canções e da coleção de ideias colocadas em prática pelo grupo.
Aqui é possível encontrar vários Wry’s ou o Wry de veia musical diversificada ao longo do percurso: retornando às referências do passado, na pegada noventista de “Deep Into The Shadows of Your Mind” e “Speedfreak”; e construindo paredes de guitarras intercaladas por elementos eletrônicos, na densa sinfonia noise de “Campo Profundo”, das melhores faixas do disco e a mais longa, mais de seis minutos; e o Wry do agora que se conecta com o álbum anterior tanto na citada “Only Human”, mas também em “Farleigh Road”e “Unload Your Guns”.
“Reviver” oscila sem perder a força ao longo das 10 faixas, sendo possível distinguir essa alternância de fases da banda a cada mudança de faixa. E como é interessante que até a versão de “You Trip Me Up” – limada das microfonias e adornada por efeitos psicodélicos atordoantes -, faixa do revolucionário álbum “Psychocandy”, do Jesus and Mary Chain, tem mais a “cara” do Wry que a do seu criador, o que é mais um ponto positivo para o momento do grupo.
Com uma carreira de décadas na independência, a banda sabe o quão difíceis são os caminhos e barreiras a serem transpostos por uma banda embrenhada nessas vias tortuosas que decidiram seguir naquele longínquo ano de 1994, Mario Bross expõe a situação com perfeição: “Por mais que nos sentimos alienígenas, seja no Brasil como uma banda de rock ou na Inglaterra como uma banda brasileira de rock, sempre tivemos orgulho de nossa música”. O rock brasileiro e mundial também.
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.