texto por Renan Guerra
“Rumo”, o documentário, já começa com uma cena maravilhosa: os diretores perguntam a Luiz Tatit qual a importância do Grupo Rumo para a música brasileira, ao que ele responde “até o momento, acho que nenhuma”. Isso demarca o tom do filme de Flavio Frederico e Mariana Pamplona que resgata a história do grupo que fez parte da Vanguarda Paulistana nos anos 80. Tatit e toda a gangue do Rumo tem um tom leve ao recontar suas histórias: eles sabem que fizeram algo bom e sólido, mas eles não se apresentam com arroubos de ego ou mesmo com rancor, há uma leveza em contar seus causos.
Originalmente, o Rumo era formado por 10 integrantes: Akira Ueno, Ciça Tuccori, Gal Oppido, Geraldo Leite, Hélio Ziskind, Luiz Tatit, Ná Ozzetti, Paulo Tatit, Pedro Mourão, Zecarlos Ribeiro. Ciça faleceu no início dos anos 2000. Para além disso, há alguns integrantes que passaram de forma mais curta pelo grupo e que também aparecem no documentário. De todo modo, o filme é basicamente baseado em arquivos de imagens e nas entrevistas dos 9 integrantes remanescentes.
Com um formato clássico de entrevistas + imagens de arquivo, o filme ganha um tom a mais com o uso de animações que vão crescendo em cores e detalhes ao decorrer do filme. As animações seguem aquele esquema da rotoscopia, em que as filmagens são transformadas em animação e é interessante como a animação se modifica ao longo do filme até que se transformem em pessoas reais, culminando com um encontro do grupo, em que os artistas conversam e trocam lembranças.
Com produção da Kinoscópio Cinematográfica, “Rumo” conta a história central do grupo, indo de sua criação em 1977 até a separação nos anos 90 – eles retornariam para um reencontro em 2004, o que está registrado em um DVD lançado naquele ano. Nessa história eles resgatam as complexidades de se lançar de forma independente no mercado nos anos 80, a correlação com outros artistas da Vanguarda Paulista, como Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé e a banda Premê, bem como falam sobre o fato de nunca terem estourado essa bolha alternativa do Sudeste, especialmente por ser o tipo de banda que não tocava nas rádios ou nas programações televisivas.
Nesse retorno ao passado é interessante que não há amargor ou uma melancolia do tipo “o que poderíamos ter sido e não fomos”. Eles têm essa noção muito clara de que a banda tem seu público fiel, mas que não é um sucesso nacional pelas próprias questões de distribuição e programação da época. Além disso, eles também têm total noção da inovação de seus trabalhos e da qualidade do material que o Rumo produziu. É bonito ver artistas tão múltiplos e que possuem projetos tão diversos pós-Rumo falando sobre essas criações coletivas com tanto respeito e tanto carinho.
“Rumo” foi apresentado em 2019 em festivais como É Tudo Verdade e In-Edit e chega agora, em junho de 2021, ao circuito comercial. Ainda em 2019, o Rumo se reencontrou e lançou o ótimo disco “Universo”, pelo Selo Sesc. Naquele ano, os 9 integrantes da banda fizeram alguns shows comemorativos e apresentaram as novas canções ao vivo, como contamos aqui no Scream & Yell – Luiz Tatit também conversou com a gente sobre esse momento na época. Esse reencontro da banda foi feito quando o documentário de Flavio Frederico e Mariana Pamplona já estava finalizado.
Com pouco mais de 70 minutos, o filme é curtinho e saboroso de assistir, mesmo assim ainda poderiam haver mais informações e histórias sobre as gravações dos discos e sobre essa fase quase final da banda na virada para os anos 90. Há mais histórias guardadas no baú do Rumo, isso é fato, mas mesmo assim temos aqui um retrato extremamente importante de uma banda cheia de talento e de criatividade, que propiciou novas formas de criar, cantar e cativar o público.
O documentário “Rumo” é um importante resgate tanto para quem é fã da banda quanto para quem está buscando conhecer mais sobre seus integrantes e sobre a Vanguarda Paulista. É registro histórico, mas é também olhar afetivo sobre artistas extremamente apaixonados pela música e pela criação coletiva.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.