Faixa a faixa: “Benvenuti”, Selton

introdução por Marcelo Costa
Faixa a faixa por Selton

Uma das bandas brasileiras mais bacanas da atualidade vive na Itália e canta em… italiano (de vez em quando em português). E ainda que seu álbum mais recente conte com faixas produzidas por Kastrup e traga colaborações com Emicida e Bixiga 70, “Benvenuti” (2021) não soa brasileiro apenas devido a isso. Soa brasileiro porque esse sangue desgraçado corre nas veias de Ramiro Levy, Daniel Plentz e Eduardo (Dudu) Stein Dechtiar, e uma vez impregnado no corpo, já era. Você pode até ter dupla cidadania, mas o Brasil sempre estará ali, soprando forte em seu ouvido. Felizmente.

Você conhece a história da Selton, mas não custa relembrar: Ramiro, Daniel, Dudu e Ricardo estudaram em Porto Alegre, se mandaram para Barcelona, montaram uma banda que tocava covers dos Beatles no Parq Güell para levantar uma grana, foram vistos lá por um produtor da MTv italiana, que os levou para Milão e a banda lançou um disco (“Banana à Milanesa”, 2008) que escalou as paradas de sucesso do país. Depois vieram “Selton” (2010), o maravilhoso “Saudade” (2013) e os tropicalistas “Loreto Paradiso” (2016) e “Manifesto Tropicale” (2017).

Após o lançamento do quinto álbum, “Manifesto Tropicale”, Ricardo deixou a banda. “A vida nos pegou de surpresa e nos descobrimos mudando tudo”, escreveram em seu blog oficial. “Ramiro subiu ao palco e começou a cantar a maior parte das canções. Daniel deixou a bateria para vir à frente para tocar violão, percussão e cantar com mais fluência. Dudu, que antes se escondia atrás do baixo, tornou-se muito mais protagonista”, explicaram. E isso tudo, claro, junto com a pandemia, levou a “Benvenuti”.

“Para nós, ‘Benvenuti’ é mais do que um álbum, é uma experiência”, contaram novamente em seu blog. “É um barco construído a muitas mãos, feito com o intuito de atravessar a tempestade deste período louco. Um manifesto escrito para nos lembrar que o encontro é a única coisa capaz de nos transformar, que nossa identidade está e sempre estará em constante evolução. Que no final estaremos todos juntos no mesmo barco”, explicam.

“Benvenuti” está disponível nas principais plataformas digitais e ganhou edição em vinil branco, que pode ser adquirida na loja online da  Universal Music Itália (e a versão autografada pela banda, com exclusividade, na Amazon Itália). O trio ainda preparou um sitcom com seis episódios divertidos que podem ser assistidos no final do texto. Abaixo, você conhece o sexto álbum da Selton, faixa a faixa, pela própria banda. Ouça com atenção e carinho, pois nesses tempos loucos, nada como um barco para nos ajudar a atravessar a tempestade.

Benvenuti
Em 2018, quando as portos da Itália foram fechados, não nos sentimos muito bem-vindos, e desse sentimento nasceu a primeira faixa do nosso novo álbum. Com o passar do tempo, o conceito de “Benvenuti” (bem-vindo) ganhou tanto significado, até se tornar o título do álbum. Foi produzido por (Guilherme) Kastrup e gravado ao vivo com ele na bateria. Os metais são da lendária Bixiga 70.

Sigaretta in mano a dio
Essa música nasceu depois que Dudu imaginou que as nuvens eram a fumaça saindo da boca de Deus. Fizemos pelo menos 10 versões diferentes antes de chegar à música como ela é, e contribuíram para o processo de composição e arranjo Dardust, Ceri Wax e Tommaso Colliva. Se quiser saber mais sobre a história desta peça visite nosso blog -> www.seltonmusic.com/blog

Karma Sutra
Ramiro escreveu esta canção autobiográfica, que ficou alguns meses na gaveta. Sempre pensamos nisso como um dueto, mas lutamos para nos colocar no lugar da garota para dar uma resposta à altura. Pedimos a Margherita para cortar a fala de Ramiro e acreditamos que deu certo.

Vieni a Dormire da me
Esta foi a primeira música de “Benvenuti” a ser escrita. A demo de Ramiro já era linda, mas levamos alguns anos para encontrar a maneira certa de “vesti-la”. As cordas são do nosso amigo brasileiro Rodrigo D’Erasmo, e o poema sobre os kebabs do Loreto é todo verdadeiro.

PS: foi escrito na piscina Bacone, durante um mergulho

I piatti
Nossa balada house foi escrita e cantada pelo Dudu, e no final dá para ouvir o feat de seu gato. As primeiras 3 pessoas que ouviram a audição choraram. Nas cordas Carmelo Patti e nos metais o super Enrico Gabrielli.

Intermission: Panorama
Essa foi a última música a entrar no álbum. Contém amostras de nossos vizinhos, alguns amigos espanhóis, um trecho de um Ted Talks de Mallence Bart-Williams e um discurso de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai. Para nós esta faixa é como um “zoom out”, um resumo de alguns conceitos que nos inspiraram durante o processo criativo.

Campari da musica
Essa é uma música que fala sobre a crueldade do show business, a batalha entre nossos sonhos e a fria realidade dos números e algoritmos. Nos metais você ouve o incrível som do Bixiga 70, assim como todas os outros metais do disco. Eles são uma das bandas brasileiras mais interessantes da cena contemporânea. Quando as pessoas perguntam que tipo de música eles tocam, normalmente respondemos que se trata de uma versão brasileira do Calibro 35.

Pasolini
Essa música foi inspirada em alguns amigos nossos que costumavam citar Pasolini para fazer sucesso com as meninas, e por outro lado uma música incrível do Nego do Borel chamada “Me solta”. Ficamos muito seduzidos com o embate de trazer Pasolini para uma festa funk carioca. Foi arriscado, mas Stabber e Mudimbi nos ajudaram a chegar lá.

Fammi Scrollare
Escrevemos essa música em Trentino, longe de nossos celulares. Gravamos e produzimos no Brasil com o Kastrup e finalizamos em Milão com Tommaso Colliva. Willie Peyote quase decidiu não voltar para a Itália, São Paulo parecia ser seu habitat natural. Emicida e Bixiga 70 nos deram o melhor do Brasil contemporâneo que poderíamos sonhar.

Estate
Um clássico italiano que se torna perene no Brasil graças à versão de João Gilberto + nós descobrindo que a Sacerdotisa, além de uma rapper incrível, é também uma grande cantora + nós indo ao Brasil gravar com o diretor artístico do Buena Vista Social Club. Que honra.

Temporeggio
Passamos alguns dias no Trentino para uma sessão de composição e para estimular o processo criativo criamos um jogo. Cada um de nós teve que escrever uma música com um instrumento e argumento aleatórios. Chance queria que Ramiro escrevesse sobre o tempo usando apenas um ukulele. “Temporeggio” nasceu em 15 minutos, da primeira à última palavra.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne.

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