Resenhas por Adriano Mello Costa
“Como a Democracia Chega Ao Fim”, de David Runciman (Todavia)
“How Democracy Ends”, de David Runciman, escritor e professor de política da Universidade de Cambridge, foi publicado em 2018 nos USA e recebeu edição nacional no mesmo ano pela Todavia Livros com 272 páginas e tradução de Sergio Flaksman. Diferente de outros livros lançados no mesmo período, o tom do autor é levemente menos pessimista em relação aos abalos sísmicos que a democracia sofre nas mãos de indivíduos como Viktor Orbán (Hungria), Recep Erdogan (Turquia) e Donald Trump (USA). Esse “otimismo” não é por crer nos nomes em questão, mas em outras amarras, conjunturas e cenários. Evidente que a obra foi provocada pela conturbada eleição no seu país, contudo estende-se plenamente para o restante do mundo (inclusive para nós). Na sua concepção, a história não andaria para trás (ainda que seja o que estamos vendo) e os alvos focados como perigosos estão equivocados. A democracia só ruiria de vez por outros fatos como o mau uso da tecnologia ou uma possível calamidade. Lógico que quando escreveu o autor não imaginaria o atual cenário de pandemia e crise mundial que estamos atravessando, mas, mesmo assim, com bastante fluidez, Runciman deixa claro esboços provenientes disso. Das suas considerações, questionamentos e afirmações em meio a concordâncias e discordâncias que possamos ter, a mais importante talvez seja a colocação que a democracia pode entrar em falência mesmo permanecendo intacta na essência geral, disfarçada como tal. E em grande escala é o que presenciamos nesse momento.
Nota: 7
Leia também:
– Um livro nota 10: “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt
“Mulheres Empilhadas”, de Patrícia Melo (Editora Leya)
Após ser agredida pelo namorado, uma jovem advogada paulista embarca para o Acre para acompanhar um mutirão de julgamentos de mulheres assassinadas naquele estado a pedido do escritório em que trabalha, que está fazendo um estudo nesse sentido. Ao chegar para a missão e carregando dentro de si problemas pessoais tanto do presente quanto do passado, ela se envolve no caso de assassinato de uma jovem indígena por três playboys da cidade e a partir disso as coisas entram em uma espiral gigantesca de acontecimentos que a levarão para caminhos outrora nunca imaginados. “Mulheres Empilhadas”, novo romance da escritora Patrícia Melo, usa o descrito anteriormente como ponto de partida, mas se estende por diversos prismas e por conta da maneira que isso é apresentado entra com méritos no rol dos melhores trabalhos da autora. Publicado em 2019 pela editora Leya com 240 páginas, “Mulheres Empilhadas” exibe uma narrativa dura e pesada com Patrícia assumindo uma postura potente e incisiva enquanto conversa sobre impunidade, hipocrisia, corrupção, feminicídio, direitos indígenas e questões de gênero. Questões essas que além de todas as desigualdades sociais e econômicas existentes no país, apresentam também uma clara constatação da facilidade com que as mulheres são mortas aqui. Como diz determinada parte do livro: “Não importa onde você esteja. Não importa sua classe social. Não importa sua profissão. É perigoso ser mulher.” Ainda mais em uma nação que nos últimos anos despreza isso de modo inconsequente e criminoso sem ações efetivas para mudar esse cenário descrito de forma avassaladora em um grande livro.
Nota: 8
Leia também:
– “O Homem do Ano” (2003), adaptação de “O Matador”, de Patrícia Melo, é um filmaço.
– “Valsa Negra”, de Patrícia Melo, além de um excelente romance, pode até soar revelador.
– Mesmo sendo um romance policial tradicional, “Fogo-Fátuo”, de Patrícia Melo, surpreende.
– “Ladrão de Cadáveres”, de Patrícia Melo, é um livro sem esperança no poder da bondade.
“Barbed Wire Kisses – A História do Jesus And Mary Chain”, de Zoë Howe (Sapopemba)
Em junho de 2019 os irmãos Reid desembarcaram no Brasil para mais um show em terras paulistas e, na esteira dessa apresentação, a editora Sapopemba estreou no mercado com a publicação de “Barbed Wire Kisses – A História do Jesus And Mary Chain”, da escritora (e baterista) escocesa Zoë Howe, com 328 páginas, tradução de Letícia Lopes Ferreira e com direito a um prefácio exclusivo para a edição brasileira do baixista Douglas Hart, integrante da banda entre os anos de 1984 e 1991. Para quem é fã do som barulhento, melódico e repleto de microfonia da dupla escocesa – que rendeu verdadeiras obras-primas como “Psychocandy” de 1985, “Darklands” de 1987 e “Stoned & Dethroned” de 1994 (e nenhum disco ruim na carreira, ressalte-se aqui) –, o livro é um prazer absoluto, daqueles que ao se ler um capítulo, volta-se para ler de novo. Desde adolescentes na pequena e sem futuro East Kilbride, cidade perto de Glascow, na Escócia, até os palcos do mundo todo, passamos pelas (muitas e muitas) brigas, pela formação das ideias musicais, pelas (diversas) loucuras e bebedeiras, pela pancadaria dos shows do início que lhes deu fama, pela elaboração de uma arte feroz e ao mesmo tempo doce e por pouquíssimas concessões mercantis ao conduzir a carreira, o que soma-se ao extenso rol de coisas para se admirar desses dois esquisitões geniais. A autora ainda disponibiliza após o texto uma detalhada linha do tempo com várias notas para contextualização e a discografia completa com os créditos de cada gravação. Uma história e tanto.
Nota: 9
Leia também:
– “Eles eram nervosos, tímidos e não adaptados à sociedade”, diz Zoë ao Scream & Yell
– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop ( http://coisapop.blogspot.com.br ) e colabora com o Scream & Yell desde 2009!