entrevista por Ananda Zambi
Existem artistas brasileiros que o Brasil não tem noção da força e do tamanho que têm. Um desses é Dom La Nena, violoncelista, cantora, compositora e produtora musical gaúcha que tem três discos, dois EPs e mês passado lançou, pela Six Degree Records o single “Oiseau Sauvage”, que fará parte do seu próximo disco, “Tempo”, previsto para 2020. De estética minimalista e atmosfera onírica, Dom consegue extrair o melhor de seus pensamentos e de seu instrumento preferido a ponto de receber elogios como “uma jovem Brian Wilson” ou “a irmã perdida de Cat Power”.
Dominique Pinto sempre teve uma vida itinerante: viveu parte da infância em Paris, acompanhando seu pai, e dos 13 aos 18 anos foi estudar violoncelo em Buenos Aires com Christine Walevska, referência no assunto (foi lá que também recebeu o apelido de La Nena – a pequena –, por ser sempre a mais nova da turma). Atualmente, mora novamente em Paris, o que talvez explique o fato de sua música ainda não ser tão conhecida no Brasil – Em 2015, por exemplo, fez 110 shows e só um aqui no país.
Dom já trabalhou e trabalha com grandes nomes da música brasileira e internacional. Ainda nova, acompanhou as cantoras e atrizes francesas Jane Birkin (ex-esposa de Serge Gainsbourg) e Jeanne Moreau. Seu segundo disco solo, “Soyo” (2015), ganhou parceria de Marcelo Camelo na produção musical, em quase todos os instrumentos e nos backing vocals. Seus clipes são dirigidos por Jeremiah, seu marido, que já trabalhou com nomes como R.E.M, Tinariwen, Criolo e Emicida.
Agora, com 30 anos e mãe, está fazendo o disco “Tempo”, em que ela, pela primeira vez, assume a produção sozinha. O primeiro single do disco, “Oiseau Sauvage”, é a primeira música De Dom La Nena que tem três idiomas (português, francês e espanhol, línguas que ela usa no cotidiano), e que fala justamente sobre as novidades e os desafios da gravidez – “sobre esta sensação única de ter alguém crescendo dentro de si, com quem dividimos tudo, nossas tristezas, nossas alegrias, nossa euforia e nossos medos”, como ela mesmo diz em seu release – , com a delicadeza que já é marca registrada de seu trabalho. O clipe foi dirigido por Jeremiah e teve colaboração de Etienne Saglio, mágico expoente da magie nouvelle (“Nova Mágica”), movimento que reinventa a mágica com uma estética e uma proposta contemporânea.
Dom falou sobre as mudanças que a maternidade proporcionou ao seu trabalho, sobre a vida com vários lares, sobre as diferenças entre os mundos da música erudita e popular e, obviamente, sobre o próximo disco. Confira:
Depois de 4 anos sem lançar inéditas, você lançou um single agora, “Oiseau Sauvage”, e diz que essa música é uma reflexão sobre sua gravidez. Quais foram as principais mudanças que você sentiu artisticamente depois da gravidez e da maternidade?
Acho que naturalmente os temas de inspiração mudam um pouco, pelo simples fato do seu cotidiano e suas preocupações mudarem tanto. Acho que fiquei muito menos centrada em mim e nos meus sentimentos, e acabo escrevendo mais sobre outros ou sobre temas ou sentimentos que se expandem mais aos outros.
Você teve e, de certa forma, ainda tem uma vida itinerante pelo mundo. Como você acha que isso se reflete na sua música?
Isso sempre esteve muito presente na minha música – começando pelo simples fato de misturar idiomas com os quais convivo no cotidiano (português, francês e espanhol). Em termos de vivências, a vida « itinerante » é algo extremamente enriquecedora e isto naturalmente se reflete no que você cria, no seu imaginário.
Como foi tocar com Jane Birkin?
Minha experiência com a Jane Birkin foi muito especial porque além da sorte imensa de ter ao meu lado uma das minhas musas prediletas, foi minha primeira experiência com música profissional. Eu tinha 18 anos, ainda estava estudando no conservatório, e de repente tive esta oportunidade de passar dois anos com a Jane, percorrendo o mundo tocando Gainsbourg. Me pegou totalmente de surpresa! Éramos uma banda pequena, de 4 músicos, tínhamos um ritmo de turnê muito intenso e então se tornou algo bastante íntimo e familiar. Com certeza mudou minha vida em diversos aspectos. Obviamente ela se tornou para mim uma inspiração enorme: sua relação com o palco, sua generosidade com o público, sua entrega total ao espetáculo.
Houve algum momento decisivo que te fez não ficar só na música erudita e explorar mais a música popular?
Justamente foi esta experiência com a Jane Birkin que me tirou da música erudita e com a qual mergulhei profundamente na música popular. Foi um momento durante o qual também estava bastante cansada do clima e do ambiente da música clássica, com o qual não me sentia confortável. Sentia pouco espaço para a criatividade, tinha uma necessidade muito grande de ter uma relação mais livre com a música e não conseguia encontrar isso na música erudita. Por isso foi algo muito libertador quando comecei a fazer música popular, finalmente sentia que havia encontrado meu lugar na música.
Você gostaria de tocar mais aqui no Brasil?
Adoraria, é claro! Sempre é uma questão difícil a dos shows no Brasil – por questões do organização, de agenda e de distância. Mas espero poder ir mais seguido na próxima turnê!
O que podemos esperar de “Tempo”?
É um disco no qual estou trabalhando há muito tempo mesmo, no qual assumi pela primeira vez a produção sozinha. Os arranjos estão centrados em torno do violoncelo… Quis explorar um pouco mais os diferentes tipos de sonoridades que pode se ter com o instrumento, às vezes transformando ele em guitarra, em percussão, trabalhando o som de uma maneira diferente. As canções foram escritas em sua maioria durante a minha gravidez, e giram em torno de temas como a vida, a morte, a infância e a velhice, nascimentos, amores… Estou muito feliz com o resultado e extremamente ansiosa com o lançamento!
– Ananda Zambi (@anandazambi) é jornalista e editora do Nonada – jornalismo travessia. Nas horas vagas, também brinca de fazer música.” A imagem que abre o texto é uma arte de Denise Gadelha.
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