por Marcelo Costa
Abrindo mais uma série de duas cervejas por países com a Stone Brewing, de Escondido, na Califórnia, que marca presença com um clássico da cervejaria (e da escola estadunidense), a Stone IPA, uma cerveja lançada em agosto de 2017 cuja receita traz os lúpulos Magnum, Chinook, Centennial, Azacca, Calypso, Motueka, Ella e Vic Secret. Na taça, ela apresenta uma coloração mais pra âmbar alaranjado do que para dourado com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, uma combinação caprichada de frutas, herbal e doçura juntando caramelo e mel com toranja e tangerina e pinho. Na boca, o herbal salta à frente no primeiro toque, mas todas as nuances adiantadas pelo aroma batem ponto aqui com a toranja e o pinho duelando por atenção. O amargor é potente, 71 IBUs que honram a escola que mudou o mundo da cerveja. A textura é impressionantemente suave, quase sedosa. Dai pra frente, uma Old IPA clássica, maravilhosa, herbal, levemente resinosa e maltada. No final, amargor suave e adstringência leve. No retrogosto, pinho, frutado, doçura e alegria.
Mantendo-se ainda na Califórnia, mas agora em Santa Rosa, terra da mítica Russian River, que retorna ao site com a Dribble Belt, uma Session IPA cujo nome homenageia o componente que separa os cones de lúpulo do restante do material da planta – as trepadeiras, os caules e folhas – e que foi criado nos anos 40 em… Santa Rosa. De linda coloração dourada levemente turva (a frio) e creme branco de ótima formação e média alta retenção, a Russian River Dribble Belt combina notas frutadas (leve limão, laranja, grapefruit e também pêssego) e notas herbais (capim limão) além de leve presença de cereais. Na boca, frutado cítrico sutil no primeiro toque trazendo memória de grapefruit seguido de capim limão, limão, pêssego e leve doçura. O amargor é baixo, mas marcante, 40 IBUs presentes! A textura, por sua vez, é cremosa e picante. Dai pra frente, uma Session IPA deliciosamente refrescante, cítrica e com um tiquinho de herbal, ambos marcantes. O final traz limão e capim limão. No retrogosto, cítrico, herbal e refrescancia. Delicia.
Dos EUA para São Paulo abrindo a sequencia Brasil primeiramente com a Dogma, que surge aqui representada pela Samba Sauce, uma Sour que recebe adição de jabuticaba, maracujá doce e baunilha e é produzida no tap room da cervejaria, no bairro de Santa Cecilia. De coloração vermelha tal qual um suco de goiaba e creme branco avermelhado de baixa formação e rápida dispersão, a Dogma Samba Sauce apresenta um aroma com intensa percepção de… goiaba além de bastante percepção de acidez. Ainda é possível notar a baunilha e, com ela, doçura. E também um pouco de maracujá. Na boca, uma impressionante doçura frutada (baunilha e maracujá remetendo a goiaba) no primeiro toque seguida de uma pancada média de acidez e mais doçura, e mais frutas e mais baunilha. A textura é intensa sobre a língua com frisancia e acidez. Dai para frente, uma Sour beeeem interessante, ainda que a jabuticaba não apareça tanta (mas a sugestão de goiaba é incrível). No final, acidez e goiaba. No retrogosto, mais goiaba, adstringência suave e baunilha. Delicia!
A segunda brasileira também vem de São Paulo, mas do interior, mais precisamente Várzea Paulista, casa da Cervejaria Dádiva, que marca presença com sua Don’t Call Me Lager, uma Tripplebock (!). De coloração castanha escura translucida com creme bege de média formação e retenção, a Dádiva Don’t Call Me Lager apresenta um aroma maltadaço com remissão intensa a caramelo tostado e rapadura além de frutas escuras sem dar tanto na cara os 11.6% de álcool. Na boca, doçura maltada marcante no primeiro toque remetendo a caramelo tostado e figo seguida de mais doçura (rapadura), ainda que tudo isso marque presença de forma nada enjoativa. Não há nenhuma sensação de amargor (é possível que o IBU aqui seja menos 5) e a textura é suave caminhando para o sedoso. O que se tem pela frente é uma Doppelbock deliciosa e caprichadíssima, que consegue esconder o álcool enquanto exibe doçura e tosta e rapadura e figo. No final, doçura. No retrogosto, rapadura, caramelo tostado e calor alcoólico.
Do Brasil para a Inglaterra, mais precisamente para Londres, onde a mítica Fuller’s resolveu estrear uma planta menor em setembro de 2018 para se dedicar a cervejas experimentais com um tanque de 1500 litros (contra os de 25 mil dá fabrica original). Essa Beer One foi a primeira receita produzida na nova planta, e trata-se de uma English Strong Ale que apresenta uma coloração amendoada com creme bege de ótima formação e média alta retenção. No nariz, intensa sugestão de frutas escuras e frutas secas remetendo a uva passa e tâmaras. Há, ainda, sugestão de pão doce, caramelo levemente tostado e toffee. Na boca, as frutas secas chegam antes no primeiro toque. Na sequencia, toffee e caramelo tostado. Em um conjunto onde o malte parece dar as cartas, o amargor é médio, mas não deve chegar a 40 IBUs. Já a textura é suave, elegante, como uma boa Fuller’s. Dai pra frente, uma English Strong Ale elegantíssima, maltadíssima e deliciosa. No final, frutas escuras. No retrogosto, toffee, caramelo tostado e frutas secas.
De Londres para Kent, no sudoeste da Inglaterra, onde está localizada a Shepherd Neame, cervejaria mais antiga do Reino Unido (1698), responsável pelas cervejas Bishops Finger, Whitstable Bay e Spitfire, entre outras. Nesta receita, os ingleses propõe juntar cinco grãos (cevada, centeio, trigo, milho e arroz) numa receita (totalmente sem graça) de North American Lager com o lúpulo francês Strisselpalt. O resultado é uma cerveja de coloração dourada com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, sugestão de cereais que parecem reinar sozinhos em uma paleta aromática bem sem graça. Na boca, o que o aroma adiantava se traduz em cereais no primeiro toque, algo herbal na sequencia e doçura tímida. O amargor é quase nulo, a textura é leve e, dai pra frente, surge um conjunto totalmente sem graça, produzido para ampliar mercado conquistando bebedores populares que não investiriam nas outras boas cervejas da marca. No final, herbalzinho. No retrogosto, quase nada. Decepção.
Da Inglaterra para Amsterdam, capital da Holanda, com a primeira de duas holandesas: a primeira cerveja produzida oficialmente pela excelente Oedipus Brewing, a Mannenliefde, uma Saison cuja receita combina maltes Pilsner e Biscuit, trigo mais os lúpulos East Kent Golding, Sorachi Ace e Citra com adição de pimenta Szechuan e capim-limão. Na taça, a Mannenliefde apresenta uma coloração dourada levemente turva com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, doçura de mel, sugestão de acidez e funky bastante sutis e presença de capim-limão e de floral agradáveis. Na boca, um toque campestre puxado para o capim-limão no primeiro toque, mas seguindo em frente com outras reminiscências de notas de fazenda, sem nada funky acentuado. O amargor é baixo, 25 IBUs bem confortáveis. Já a textura é muito mais cremosa do que picante, como se esperava do estilo. Dai pra frente, uma Farmhouse Ale bem refrescante, herbal, floral e campestre. No final, capim-limão. No retrogosto, refrescancia, capim-limão e floral.
De Amsterdam para Roterdam, casa original da cigana 4 Islands Brewing, cervejaria fundada por três brasileiros na Holanda, que produziram essa Briói na fábrica da Dádiva, em Varzea Paulista, interior de São Paulo. Trata-se de uma Double New England IPA (mais para Double IPA) de coloração dourada levemente turva e creme branco espesso de boa formação e média alta retenção. No nariz, uma pancada de notas tropicais que saltam pra fora assim que a lata é aberta remetendo a laranja, mamão e grapefruit. Na boca, frutas tropicais no primeiro toque seguidas de maciez (tropical) e mais laranja, mais mamão e mais grapefruit. O amargor é equilibrado, e os 61 IBUs até soam exagerados (diria 40 fácil). A textura é suave querendo ser cremosa. Dai pra frente, nada Juicy IPA. O lance aqui é uma Double IPA com características de NE (como o amargor baixo e o frutado intenso) e muito saborosa. No final, laranja. No retrogosto, frutas tropicais. Delicinha.
De Roterdam para Oudenaarde, na Bélgica, cidade que abriga, desde 1696, a Brouwerij Liefmans, que se especializou-se em produzir Oud Bruin (estilo de cerveja originário da região flamenga da Bélgica) e lambics, a maioria frutada (limão, pêssego e cereja), pedindo falência em 2008 e sendo adquirida pela toda poderosa Duvel Moortgat, que mantém vários ícones da marca em catálogo, com a Goudenband, uma Flanders Oud Bruin fermentada em cubas abertas e maturada de 4 a 12 meses antes de ser refermentada na garrafa com uma cerveja mais jovem. De coloração marrom clara com creme bege espesso de boa formação e média alta retenção, a Liefmans Goudenband apresenta um aroma com notas frutadas (ameixa, uva passa, figo, damasco), leve caramelo tostado, madeira sútil e sugestão discreta de avinagrado. Na boca, o frutado com sugestão de figo abre a experiência no primeiro toque seguido de cacau, uva passa e damasco. O azedume chega só depois, elegante e acessível, marcando a garganta. A textura é suave. Dai pra frente, a sensação é de uma Flanders Oud Bruin elegante, comportada, que traz as notas costumamente radicais do estilo, mas sem intimidar o bebedor, e sim o convidando para um passeio. No final, ameixa e madeira leve. No retrogosto, mais ameixa, damasco e amadeirado sutil. Baita cerveja!
Fechando a série em Bavikhove, nos Flanders Ocidentais belgas, próxima de Gent, cidadezinha de pouco menos de 5 ml habitantes que abriga a Brouwerij De Brabandere, cervejaria responsável pela bela linha Petrus, que retorna ao site com sua Nitro Quad, uma Belgian Quadrupel que recebe adição de nitrogênio, resultando em uma cerveja mais cremosa. De coloração marrom escura quase preta e creme bege espesso de boa formação e eterna retenção (olha o nitrogênio brilhando). No nariz, o conjunto de seis maltes utilizados na receita distribui notas de caramelo tostado, toffee, frutas escuras, uva passa e algo que remete a vinho do Porto. Na boca, frutas escuras no primeiro toque seguido de mais frutado e uma pancadinha (deliciosa) de vinho do Porto. Não há sensação de amargor e a textura é suave, com percepção de picância alcoólica. Dai pra frente, uma quad alterada pelo nitro, que traz maciez, mas faz o conjunto perder certo impacto, ainda que o paladar seja delicioso. No final, caramelo tostado. No retrogosto, uva passa, caramelo tostado, toffee.
Balanço
Começando com um clássico, a Stone IPA, uma American IPA equilibradíssima, que muita gente deve ter tentado copiar e feito uma Caramel IPA, mas que aqui surge em seu auge, brilhantismo e qualidade. Dogma Samba Sauce é uma Sour Fruited deliciosa, com baunilha, jabuticaba e maracujá doce, conjunto que acaba remetendo a… goiaba! Baita cerveja! A Dádiva Dont Call Me Lager é um Doppelbock portentosa, de aquecer a alma. A Fuller’s Beer One é uma baita English Strong Ale. Já a Shepherd Neame Five Grain é uma medíocre Standart American Lager. A Oedipus Mannenliefde não surpreende, mas também não decepciona. Já a 4 Islands Briói tem traços de NE, mas é uma American IPA tradicional… e caprichada. A Liefmans Goudenband 2018 é uma Flanders Oud Bruin elegantíssima! Fechando com a Petrus Nitro Quad, uma quadrupel alterada pelo nitro, que traz maciez, mas faz o conjunto perder certo impacto, ainda que o paladar seja delicioso e os 11.5% de álcool (quase) desapareçam. Cuidado ao levantar da cadeira rapidamente.
Stone IPA
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.9%
– Nota: 4.00/5
Russian River Dribble Belt
– Produto: Session IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.77/5
Dogma Samba Sauce
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 4.00/5
Dádiva Dont Call Me Lager
– Produto: Doppelbock
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11.6%
– Nota: 3.70/5
Fuller’s Beer One
– Produto: English Strong Ale
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3.61/5
Shepherd Neame Five Grain
– Produto: American Stardart Lager
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 1.99/5
Oedipus Mannenliefde
– Produto: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3.33/5
4 Islands Briói
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3.39/5
Liefmans Goudenband 2018
– Produto: Flanders Oud Bruin
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 4.02/5
Petrus Nitro Quad
– Produto: Belgian Quadruppel
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 3.41/5
Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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