introdução por Marcelo Costa
Faixa a faixa por Jonas Sá
Após lançar um dos grandes discos de estreia dos anos 00, o maravilhoso “Anormal” (2007), que levou seis anos de produção (!!!), Jonas Sá levou mais oito anos para colocar seu segundo disco, “BLAM! BLAM!” (2015), na rua. Desta vez, a produção não levou tanto tempo. O imbróglio surgiu por parte das fábricas que se recusaram a confeccionar o disco pois “a arte teria conteúdo demasiado erótico e feria as regras da empresa”. Duas outras fábricas também se recusaram. O problema só se resolveu quando Heloísa Aydar, dona do selo Pommello enviou o disco para a fábrica Ponto4 Digital, que topou fabricá-lo. Graças às negativas das fábricas anteriores, o disco só foi lançado em abril de 2015, e foi indicado a dois Grammy Latino.
“BLAM! BLAM!” contava história de sexo e violência, e era amparado pela linguagem da colagem, que conduzia tanto as composições das canções (realizadas a partir de idéias fragmentadas gravadas no celular) como a estrutura das faixas cheias de cortes abruptos e da mistura de diversos estilos musicais. Seu terceiro disco, “Puber” (2018), levou menos tempo de produção (e estafa). “O álbum está nu. Dessa vez não há colagens ou efeitos de pós produção”, avisava Ava Rocha no release. “(O disco) ‘Puber’ nos conduz pela pele de um rio, pelo rosto entre nossas coxas, pelo reto do tempo, pelos olhos das estrelas, pelo negrume de um céu que nos abarca e iguala a todos, a Transamérica num viaduto, nos cabelos infravermelhos, encantos que nos ascendem, duros no espaço que nos transcende. Vem nos cavando”, completava.
Agora, Jonas retorna ao seu segundo álbum para revira-lo do avesso em 21 remixes. “BLAM! BLAM! BLAM! THE RMXs” traz a assinatura de Gustavo Ruiz, Moreno Veloso, Rodrigo Gorky, Silva, Kassin, Gustavo Benjão, Arto Lindsay, Mauricio Takara, Charles Tixier e Diogo Strausz, entre outros. A compositora japonesa Manami Matsumae, conhecida por trilhas sonoras de jogos de videogame, assina uma das versões de “Tua Cor”. Já Mario Caldato Jr assina não apenas o remix de “Chat Roulette”, como também o vindouro quarto disco de Jonas Sá, “MNSTRO”, que tem previsão de lançamento para março de 2020. Abaixo você ouve “BLAM! BLAM! BLAM! THE RMXs” e fica imaginando as regras daquelas empresas do primeiro parágrafo ainda mais feridas e sangrando com a nova capa (que fecha o texto). Como diz Jonas Sá logo abaixo, “a vida não é chata”. E não é mesmo. Divirta-se.
“BLAM! BLAM! BLAM! THE RMXs”, por Jonas Sá
Nunca havia entendido os discos de remix. Para mim eram chances de destruir grandes músicas as cobrindo com batidas repetitivas e trejeitos boçais que eliminavam a coerência estética de um álbum e o transformava em uma compilação desajeitada. Até que um dia me surpreendi com o disco de remix do Moreno +2 (‘Typewriter Music Remix”, de 2003) e vislumbrei a possibilidade de fazer um bom disco desse tipo.
Pouco após lançar o meu segundo disco, “BLAM! BLAM!” (2015), um trabalho essencialmente calcado na linguagem da colagem musical, entendi que um disco de releituras a partir dele poderia funcionar. Busquei artistas e produtores de quem eu gosto do trabalho para assinar essas novas versões a partir dos meus originais e fui presenteado com 21 faixas que me fascinaram não tanto pelo tocante à mim, mas pela força de cada uma delas e por rapidamente notar que o novo disco produzido a partir do meu antigo, apresenta um panorama de como estamos encarando e produzindo o fazer música na década em que nos encontramos.
O disco começa com a versão de “Fundo de Olhar” (BROCAL MIX) produzida por Gustavo Ruiz que dispensou o riff essencial da música em pról de ressaltar a estória de que trata a letra. O mesmo fez Politzer com sua leitura de “Safo”, ao criar um ambiente florestal e brutal pra falar da dificuldade do amor masculino.
As duas versões de “Sexy Savannah” são inversamente proporcionais. A de Eduardo Manso (Proporfol Remix) corta o ritmo da música pela metade e deixa mais espaço para se notar os elementos irônicos da versão original e também a tristeza de que trata o tema, resultando em algo que Angelo Badalamenti provavelmente se orgulharia. Já na Versão Repetentes 2008, DJ Guerrinha dobra o nível do sarcasmo e prepara a música para pistas estranhas.
Moreno Veloso e Fatnotronic (Rodrigo Gorky e Phillip Alves) abordam distintos Brasis. Enquanto Moreno transforma “Não É Adeus” em um samba de roda tão perfeito pra canção, que o remix acaba parecendo mais um original e o original mais um remix, a dupla Fatnotronic transforma “Perdidos Na Noite” em um maracatu, um hino de guerra e um hino bem dançável, por sinal.
Essa música, aliás, ganhou ainda mais dois remixes. A “Perdidos Na Noite” de Silva transita entre o erudito e a boca-de-lixo e conta com um interlúdio genial que ferve e prepara a música para seu gran-finale. Já a versão de Kassin e Diogo Strausz (em parceria) é sexy e hilária com uma linha de baixo que parece caçoar d(o músico) Thundercat e um solo languido de sax (tocado com maestria pelo artista panamense Micah Gaugh) que costura toda a versão.
Os mesmos Kassin e Strausz assinam, juntos, uma histriônica versão de “Gigolô” feita pra gente que não sabe dançar, mas dança. Nesse sentido, a versão da artista plástica Vivian Caccuri pra mesma música se assemelha. Ela é profunda, marcante e também democratiza as pistas.
“Tua Cor” ganhou remixes de duas artistas diferentes. A compositora japonesa Manami Matsumae, conhecida por trilhas sonoras de jogos de videogame como Mega Man, Final Fight e Mighty Nº 9 e a DJ URUBU Marinka. Ambas dispensaram os canais de voz e partiram para a criação de atmosferas. Marinka, que atualmente reside em Berlin, conduz sua versão com um sensual arpegiador e usa os sopros de forma Barry-Whitesca, todos na sala vestem roupas de gala e gel no cabelo. Já Manami estende acordes românticos de piano sobre uma apaixonante base de chiptune e cativa cada célula da criança em mim toda vez que eu a escuto.
O video game é também o campo semântico do remix de “8 Bit” assinado por Gustavo Benjão. Se a minha versão original fazia referência aos timbres do (console da Nintendo) NES, o remix de Benjão presta homenagem à sonoridade de seu adversário, o Sega Genesis. Outra versão da mesma música é a climática faixa “8 Bit (Brabo Remix)” em que Gorky (ele novamente) e Mafalfda, seu parceiro no projeto, criam uma atmosfera perfeita para se conduzir depois das 2 da manhã “into the neon filled-night”.
“Egoísmo” foi ainda mais desconstruída pelas mãos de Thiago Nassif e Arto Lindsay que se concentraram nos silêncios da canção e os preencheram com a clássica guitarra de Arto, enquanto que a banda IN-SONE (Leo Monteiro, Gil Fortes e Flavio Abbes) fez o oposto gravando ao vivo todo o remix e soltando os elementos do disco a partir de um sample. Leo, o baterista, parece ter 6 braços nessa faixa.
Mauricio Takara explicitou o ciúme de “J’e Spère, Adele” com suas batidas saturadas e seus timbres fritos, enquanto Ricardo Dias Gomes extrapola o clima sombrio e fantasioso de “Asesino” transformando o meu canto em um lamento fantasmagórico e monótono.
O remix de “Ah, Monalisa!”, assinado por Charles Tixier, é envolvente, charmoso e dá vontade de abraçar alguém e falar besteiras ao pé do ouvido. Ah, o remix é roxo também.
O argentino Matin Scian que mixou o BLAM! BLAM! original e o remasterizou para versão em vinil (que será lançada no mesmo dia 20 de Setembro que o remix) escolheu reinventar a faixa “Não Vai Rolar” e para isso, inverteu as polaridades da gravação original, salientando e arregaçando os momentos mais barulhentos e os fazendo conviver com os versos da canção.
E por fim, “Chat Roulette” nasceu do amor que desenvolvi pelo rap e hip-hop desde que escutei “Hello Nasty”; então, ouvir o remix que seu produtor, Mario Caldato Jr, fez dela é fascinante e bonito. Aliás, já que falamos de Caldato, preciso te contar uma coisa. Ele é quem está nesse exato momento mixando meu próximo disco de inéditas. Se chamará “MNSTRO” e será lançado pelo selo Risco em março do ano que vem.
A vida não é chata.
Nos vemos no ano que vem. 😉