por Pedro Salgado, de Lisboa
Em 2010, o casal de namorados Ricardo Jerónimo e Joana Corker tentava superar um momento de tédio e frustração existencial. De repente, a dupla criou uma música com assobio (“We’re Not Coming Down”) que lhes deu vontade de fazer novas canções. Seguidamente, colocaram o EP “Life Is Long” (2010) no Myspace e um amigo de longa data, Henrique Toscano, ofereceu-se para gravar mais músicas e pouco depois integraria o grupo. Numa entrevista via Skype, Jerónimo (voz e guitarra) e Joana (voz, bateria e teclados) revelam boa disposição na resposta às diversas perguntas, começando pelo nome da banda. “Birds Are Indie é uma espécie de piada privada que eu tenho com a Joana. Na época em que começamos a fazer música, vários grupos alternativos atingiram um nível de popularidade alto. Falava-se muito sobre o assunto e em dado momento as camisetas, óculos e tudo mais eram indie. Por isso, nós decidimos que só os pássaros seriam indie e essa é a origem da designação da banda”, explica Jerónimo.
Já com a presença de Henrique Toscano (guitarra e bateria), o trio visava apenas objetivos de curto prazo: passar o tempo e ter uma ocupação. Mas seriam incentivados a divulgar as suas canções. Na primeira fase, trabalharam em casa, gravaram discos, cortaram as capas e enviaram material pelo correio. Posteriormente, contataram uma fábrica para produzir o primeiro disco, “How Music Fits Our Silence” (2012), e surgiram os primeiros convites para shows. Quando aponto algumas semelhanças com os Moldy Peaches, Velvet Underground ou B 52’s os dois músicos aceitam a comparação e destacam a preferência pelas três bandas. “O Velvet Underground agrada-me, porque evoca o minimalismo sonoro e abriu diversas possibilidades. Nos Moldy Peaches identifico a nossa pegada folk inicial, meio irônica e natural. Enquanto o B 52´s recorda uma pulsão dançante familiar”, conta Jerónimo.
O álbum “Let´s Pretend The World Has Stopped” (2016), tematicamente orientado para a mudança de comportamentos individuais, alternando melancolia e animação, inclui um tema que define a identidade dos Birds Are Indie, “Partners In Crime”, que ficou guardado na gaveta durante algum tempo. “Sentimos que era um bom nome para uma canção e fizemos-la numa espécie de auto-desafio superconfiante. Em dado momento, pensamos que iriamos dominar as salas com essa música. Inicialmente, era para ser a primeira faixa dos shows, mas, atualmente, em muitos casos, encerra as atuações”, refere Jerónimo. Com o lançamento de “Local Affairs” (2018), o grupo manteve a tônica nas melodias simples, dotadas de ironia e enfatizou o lado pop da sua vertente indie, apostando em arranjos elaborados e num imaginário composto por romantismo, diversão e introspeção.
Sobre o cenário musical de Coimbra, no qual os Birds Are Indie se inserem, conjuntamente com A Jigsaw, The Twist Connection e Tricycles, entre outras bandas, o papel do Estúdio Blue House e da editora Lux Records tem sido decisivo para dinamizar a cena local, através do diálogo entre as duas organizações, reunindo projetos novos e antigos com uma perspetiva comunitária e estabelecendo diversas parcerias artísticas. “Esse panorama que se vive em Coimbra atualmente não existia há 10 anos. As interligações e a criação de estruturas era escassa e os músicos faziam o seu trajeto individualmente. Dentro em breve iremos ver os frutos da colaboração entre os diversos artistas”, afirma Joana Corker.
Relativamente à música brasileira, o grupo inclui a bossa nova de João Gilberto, Tom Jobim e o Sepultura na lista das suas preferências, mas descartam estes artistas como influência direta na sua sonoridade. No entanto, os Birds Are Indie já ajudaram vários músicos brasileiros que vieram atuar em Coimbra. “Nós fazemos parte da Associação Lugar Comum que organizou os shows do Cícero, Silva, Bárbara Eugênia e Tatá Aeroplano. Por isso, tivemos alguns encontros na nossa cidade com artistas do Brasil”, conta Jerónimo. Até ao final do ano, o trio conimbricense tem várias atuações agendadas e é previsível que ainda surjam mais datas, embora a preparação do novo disco seja a preocupação dominante. “Comemoramos 10 anos de existência e iremos reduzir a frequência de shows para estarmos mais focados no álbum”, conclui Joana Corker. De Coimbra para o Brasil, os Birds Are Indie conversaram com o Scream & Yell. Confira:
O último álbum, “Local Affairs” regista uma aproximação mais clara ao pop e revela maior sensibilidade na abordagem aos diversos temas. Sentem que foi o o melhor trabalho de vocês?
É difícil comparar, na medida em que cada disco reflete o que nós somos num determinado momento. Quando escutamos o nosso primeiro EP, “Life Is Long”, ficamos surpreendidos com aquilo que fazíamos naquele tempo. É como se fosse uma fotografia de há 10 anos atrás e, nesse sentido, estranhamos o nosso cabelo, a barba e não nos reconhecemos. Com os álbuns é a mesma coisa. Somos superiores do que em 2010? Não sabemos! Os Birds Are Indie aprenderam a tocar os instrumentos e a evoluir como banda progressivamente. Acaba por ser um ‘work in progress’ e nunca tivemos o domínio total das ferramentas de estúdio, composição ou técnica de instrumentos. Por isso, quando sentimos mais confiança damos o nosso melhor e depois produzimos outro trabalho no mesmo registro. Para nós foi sempre um crescimento. No entanto, “Local Affairs” é o disco que sempre ambicionamos só que nunca tivemos as condições para o fazer, até agora. Mas não conseguimos classificá-lo.
“Close, But No Cigar” é uma das minhas canções favoritas do disco. Em que se inspiraram para compor esta música?
Esta música fala do choque de personalidades. Refere-se a situações em que uma pessoa puxa para um lado e a outra vai no sentido contrário. Também pode ser encarada pela maneira diferente de dois indivíduos fazerem as coisas. Nenhuma deles está necessariamente certo, por isso é preciso que alguém quebre ou encontre um nível intermédio. Na canção abordam-se as dinâmicas entre pessoas e situações de domínio, subalternidade, liderança ou passividade.
“Come Into The Water” é alusiva a uma praia da Galiza. Por que razão vos agrada esta região e atuar em Espanha?
Planejamos comprar uma casa na costa da Galiza quando nos aposentarmos, se chegarmos lá (risos). Aquela zona de praias é lindíssima e as pessoas nem fazem ideia disso. E estamos tão próximos. Acho que não devíamos publicitar tanto isto (risos). Inclusive, várias pessoas do Brasil compraram casa lá. Os galegos são muito chegados aos portugueses e gostam da nossa cultura. A língua portuguesa é mais próxima deles do que o castelhano. A pretexto da música e dos shows já fizemos algumas amizades. Não são pessoas conhecidas ou com as quais nos cruzamos de forma profissional, porque nós somos a banda e eles recebem-nos numa sala ou associação. No entanto, são indivíduos que reconhecemos várias vezes e sentimos que estamos num território amigo e familiar. Na Galiza somos sempre bem recebidos. É um público atento e diferente.
Assisti às vossas atuações lisboetas no Teatro do Bairro (2018) e recentemente no Sabotage Club (2019). Na minha opinião, a sonoridade relaxante, o sentido de humor e o fato dos Birds Are Indie serem um trio composto por dois homens e uma mulher gera maior atratividade no público. Concordam?
Os Birds are Indie têm algumas particularidades que se diferenciam um pouco do registo normal de outras bandas. É possível que isso gere alguma atratividade. Por exemplo, o fato da Joana e do Henrique tocarem bateria de pé, num set minimalista, cria desafios e origina algo especial. Depois, a circunstância de eles serem multi-instrumentistas resulta numa dinâmica diferente no palco. Nós conhecemos o Henrique Toscano há cerca de 20 anos, assim a nossa empatia e o modo de falarmos com o público torna-se familiar. Por isso, desenvolvemos uma ligação razoável por via dessas características. Este aspecto do vocalista falar entre as músicas não é normal. Existem bandas que não dialogam e outras só de vez em quando e o Jerónimo fala no meio de quase todas as canções. Isso surgiu no nosso primeiro show e não foi programado. Na época tínhamos poucas músicas e, literalmente, tocávamos mal. Ele habituou-se a dizer: “Agora vamos tocar aquele tema que fala desse assunto, a canção nasceu assim, se calhar não me lembro da letra e aconteceu um erro naquela parte (risos)”. Como você disse, são uma espécie de interlúdios que desenvolvíamos com o público. Agora é útil porque permite que troquemos de instrumentos. Também ajuda a reduzir os tempos mortos, já que existiriam sempre ocasiões para trocarmos de posição e prepararmos os equipamentos. Quando tocamos, tentamos introduzir algo de único relativamente ao local onde estamos, o que aconteceu durante a tarde ou a reação das pessoas no momento. Mas não temos nenhuma fórmula nem nenhum texto decorado sobre as músicas. Alternamos frequentemente o que dizemos para tornar a conversa mais espontânea e as pessoas sentem e valorizam isso.
Gostaria de saber se já compuseram novas canções e se têm prevista a edição de outro álbum?
Temos uma regularidade de edição de dois em dois anos e tem sido assim desde 2012. Em teoria, devemos ter um novo álbum em 2020 e estamos trabalhando nesse sentido. Para o ano, os Birds Are Indie comemoram 10 anos de existência e, por isso, vamos tentar fazer um lançamento diferente. Ainda não definimos o conceito, mas já pensamos em diversas possibilidades. Se não ocorrer nenhum imprevisto haverá um disco. Apenas preparamos ideias acumuladas sobre a forma de bases musicais.
Vocês têm muitos fãs brasileiros no Facebook. Já pensaram em retribuir o interesse deles tocando no Brasil?
Isso seria muito legal, mas era preciso que um multimilionário brasileiro nos contratasse, porque a distância é grande e os custos da viagem também (risos). Os Birds Are Indie são uma banda relativamente pesada em termos de material, mas também não somos a mais portátil. Mas poderá acontecer, uma vez que nós tocamos em Espanha muitas vezes e em 2020 estamos preparando um tour que vai passar em vários países da Europa. Quem sabe se um dia atravessamos o Oceano Atlântico. O Henrique Toscano gostaria de ir ao Brasil, porque tem família lá. Somos um grupo independente, fazemos as coisas pelos nossos meios e delegamos pouco trabalho a outras pessoas. Mas será difícil termos capacidade para encontrar salas e promotores no Brasil que nos queiram colocar. Isso só poderá acontecer se um festival ou uma promotora tiverem interesse nos Birds Are Indie e queira planejar uma sequência de shows que seja viável.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. A foto que abre o texto é de Francisca Moreira / Divulgação.