Cinema: entrevista com Eduardo Sanchez

por Marcel Plasse

“A Bruxa de Blair” ainda era um fenômeno recente quando Eduardo Sanchez, um dos diretores (ao lado de Daniel Myrick), explicou como ocorreram as filmagens, o hype, a importância da internet e a forma como o filme convenceu o público de que todas as suas imagens eram reais nesta entrevista de 1999.

Dez anos depois, a entrevista permanece reveladora e divertida.

Qual foi o caso extremo de pessoa impressionada pelo filme de que você teve conhecimento?
Essa é impagável: um detetive particular de Nova York ficou tão transtornado que chegou a levantar informações sobre o desaparecimento dos nossos cineastas. Imagino sua frustração ao descobrir que estavam todos vivos e bem de saúde.

Como surgiu o projeto?
Tudo começou mais ou menos na data em que situamos o filme. O roteiro foi esboçado em conversas que Daniel (Myrick, o outro diretor) e eu tínhamos na época da faculdade (de cinema na University of Central Florida). Adoramos filmes de terror, mas vimos que nenhum nos assustava desde que éramos crianças. Os filmes modernos de horror têm muita bagagem, usam sátira, fazem auto-referências e resultam repetitivos e previsíveis. Nosso plano era criar algo que pudesse atingir o clima de horror de “O Exorcista” e, especialmente, “O Iluminado”, em que o público ficava sem saber o que era real e o que era imaginário.

E a decisão de usar o estilo de documentário?
Eu costumava morrer de medo de documentários sobre o Pé Grande e discos voadores, que passavam na TV quando eu era pequeno. Havia uma série, “In Search of”, que tentava provar a existência dessas coisas, levando câmeras para locais onde ocorriam aparições e entrevistando os moradores, assim como a equipe de “A Bruxa de Blair”

Como financiaram o filme?
Eduardo Sanchez: Com adiantamentos de cartões de crédito. Na verdade, o baixo orçamento decidiu o estilo da filmagem, que usa imagens coloridas de vídeo e fotogramas preto-e-branco de 16 mm. A decisão de fazer um falso documentário foi, em grande parte, decorrente de nossas dificuldades financeiras. Creio que a força do filme está justamente em seus defeitos típicos de produção barata.

Há algum fundamento no mito da bruxa de Blair ou ele é pura invenção?
Inventamos tudo, como se fosse uma história contada num camping, em volta de uma fogueira. O divertido é que o Sci-Fi Channel rodou um documentário, chamado “The Curse of the Blair Witch”, com entrevistas de historiadores e bruxas falsificadas. O mito saiu do nosso controle.

O filme teve roteiro?
Não no sentido convencional. Existia uma trama detalhada, mas não escrevemos diálogos. Na verdade, nem mostramos nosso tratamento da trama aos atores; apenas lhes explicamos sobre o que era a história e quem eram os seus personagens. Eles tiveram de improvisar. Decidimos o elenco pela capacidade de improvisação dos candidatos nos primeiros ensaios. Também não sabíamos o fim da história até entrarmos na floresta. A base do roteiro é que Heather nunca pára de filmar, não importa o que ocorra.

Como se deu a direção?
Tivemos de ensiná-los a usar o equipamento. Os atores filmaram praticamente tudo o que se vê no filme. Depois, procuramos evitar contato direto com eles. Quando queríamos que a história seguisse alguma direção específica, deixávamos instruções escritas.

Uma das diferenças no marketing do filme é o uso da Internet. O site www.blairwitch.com manteve o clima de mistério, usando trailers como se fossem imagens reais, trazendo reportagens falsas e até aumentando a quantidade de dados sobre Blair e os cineastas desaparecidos. De quem foi a idéia?
Dos executivos do estúdio Artisan. Eles apostaram forte no filme e decidiram fazer uma campanha diferenciada. Foi a primeira vez que o investimento publicitário de uma produção cinematográfica se concentrou na Internet. A página foi acessada mais de 30 milhões de vezes. São números inacreditáveis.

Você se arrepende de ter vendido os direitos por “apenas” US$ 1 milhão?
Quando fechamos o negócio, em Sundance, um executivo de um grande estúdio disse que a única coisa assustadora em “A Bruxa de Blair” era o dinheiro que a Artisan tinha pago para distribuí-lo. Quer dizer, Daniel estava fazendo bicos trabalhando em bares em Orlando… Mais vale US$ 1 milhão na mão…

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Leia também:
– Cinema: 10 anos depois, o legado de Bruxa de Blair, por Marcel Plasse (aqui)
– Teoria: semelhanças entre “Kid A”, do Radiohead, e Bruxa de Blair, por Eduardo Palandi (aqui)

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Marcel Plasse é jornalista, criador da revista Set e editor do site Pipoca Moderna

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