Texto por Leonardo Vinhas
Fotos por Marta Ayora
Em 1997, o Midnight Oil veio pela última vez no Brasil. “Diesel and Dust” (1986) e “Blue Sky Mining” (1989) fizeram do Oil “a próxima grande coisa”: A crítica – e até parte dos fãs – acreditavam que eles seriam “o novo U2” (era a época em que Bono e sua turma eram onipresentes sem a necessidade de usar marketing de smartphone para tanto). Embora fosse um grande álbum, “Earth and Sun and Moon” falhara em expandir, e até mesmo manter, a atenção mundial: não aportou grandes hits globais e a banda foi parar naquela imprecisa condição de “banda de culto de médio porte”. “Breathe” (1996) era uma tentativa do Oil se reposicionar artisticamente, deixando o som de estádios que o consagrou em prol de uma sonoridade mais orgânica, guitarreira e minimalista. Nesse momento de se recolocar como artista, o Oil fazia aquela que seria sua última passagem pelo país durante anos (a primeira fora em 1993).
Vinte anos se passaram. Em 2003, vocalista Peter Garrett deixou a banda e o meio musical para seguir carreira na política,e o Oil anunciou seu fim. Enquanto Garrett passaria os anos seguintes como congressista e até ministro federal, queimando sua reputação ao trair muitas de suas posições defendidas na banda que o consagrou, os demais integrantes seguiram tranquilos e felizes em projetos musicais modestos e regulares, não raramente colaborando entre si.
Estamos em 2017, e banda anunciou seu retorno – aos palcos e ao Brasil – com a The Great Circle Tour, que vem acompanhada do lançamento de várias sobras de estúdio e de versões remasterizadas da discografia inteira da banda. Não há risco (alguém duvidava que a turnê seria um sucesso?), não há um “momentum” artístico. Somente aquele espetáculo nostálgico sem riscos que vem dando as caras no cenário pop desde… bom, desde sempre. Um primeiro show na Austrália, e a turnê já chegaria a terras brasileiras: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. O que nos traz ao dia 29 de abril, no Espaço das Américas, em São Paulo.
Casa lotada, com fauna predominantemente acima dos 40 anos de idade. Uma parte parece ser aquele povo que nunca saiu da praia e sempre teve dinheiro para comprar bons filtros solares e hidrantes de pele. A outra parcela, igualmente numerosa, do típico gordinho cervejeiro que escuta a 89 FM e reclama que “não tem nada de bom no rock hoje” – você sabe, aquele cara que não sente falta da música em si, mas sim de ter 20 e poucos anos. Cenário difícil para qualquer um que não se encaixasse nos tipos acima.
Mas é o Midnight Oil, banda que várias vezes foi referida como “o melhor show do mundo”, por suas apresentações vigorosas, com a união entre melodia pop e intensidade punk. Intensidade sem fuleiragem, embalada pelos os arranjos que deram identidade à banda, e fomentaram um considerável grupo de fãs fieis no Brasil.
Subindo ao palco pontualmente às 22h, os cinco Oils mais um session musician (que se dividia entre percussão, trompete e teclados) começam com a vibração lá em cima: “Blue Sky Mine”, um dos maiores hits da banda no Brasil, puxa “Truganini”, e dali já se emendam duas pauladas conduzidas pelo baixão distorcido de Bones Hilman: “Too Much Sunshine” e “Redneck Wonderland”, faixa-título do álbum que jogou sujeira e confusão na sonoridade até então límpida e coesa do quinteto. “Under the Overpass”, uma das lindas e esquecidas canções da banda, dá uma cutucada na sensibilidade do fã e acalma os ânimos, logo recuperados com “King of The Mountain”.
“Short Memory” surge com mais clima que em estúdio – ela sempre foi um dos destaques no repertório ao vivo. Porém, essa é daquelas que só é familiar para a tal “legião fiel”, e aí se nota a dinâmica que se repetiria durante o restante do show: durante os hits, um oceano de celulares levantados bloqueia quase completamente a visão do palco; quando entram faixas menos conhecidas ou que fujam do “padrão roqueiro” (como “Antarctica” e a própria “Short Memory”, que ganharam versões superiores às de estúdio), vem o falatório incessante e a pausa para postar os vídeos e fotos nas redes sociais.
Não havia refúgio possível nem mesmo no bar: a fila era imensa, e demorar menos de cinco minutos para conseguir pegar qualquer bebida (uma garrafa de água a R$ 6, Budweiser quente e choca a R$ 12) era lucro. Aparentemente, os preços abusivos cobrados pela casa são simplesmente isso: abuso. Nem mesmo para proporcionar bom atendimento servem – o que não justifica a truculência desses adultos tão empoderados pela sua ilusão de poder aquisitivo, destratando o staff com atitudes que, se não são caso de polícia, deveriam sê-lo.
Em meio a isso tudo, o Oil seguia com força e competência no palco. Todos fisicamente bem, na medida do possível – a idade (64 anos) não parece ter causado nenhum impacto severo na voz de Garrett ou na potência da batida de Rob Hirst (61). A banda é extremamente eficiente no palco, ensaiou mais de 70 canções para essa tour, está variando o repertório a cada show (inclusive, abarrotou o set de Curitiba de velharias e lados B), e o show de São Paulo foi o que mais concentrou hits na passagem pelo Brasil. Não dá para chama-los de preguiçosos. E como Hirst, Jim Mogine (guitarra e teclados), Martin Rotsey (guitarra) e Bones Hilman (baixo) nunca deixaram de tocar juntos, uns nos projetos dos outros, o entrosamento se mantém.
Qual o problema então? Talvez sejamos nós. Naquele cenário de selfies e socialização ensaiada, no qual a música era mero acessório, as canções se diluíam, e era difícil lembrar-se da relevância que elas pudessem ter. E olha que muitas canções, que podiam soar datadas antes, recuperam tristemente sua vigência nesse tempo de preconceito, fechamento de fronteiras e conservadorismo (vide “Dreamworld” e “Read About It”). Ou talvez seja mais difícil enxergar o Oil do mesmo jeito depois das presepadas políticas de Garrett ou de se dar conta que eles se renderam às trucagens fáceis do showbusiness para garantir uma aposentadoria tranquila – justo eles, ciosos carregadores de bandeiras de integridade.
O show chega ao fim com uma saraivada de hits: “US Forces”, “The Dead Heart”, “Beds Are Burning”, “Forgotten Years” e “Read About It”. As duas faixas de “10, 9, 8,…” foram ignoradas pelo público, que voltou a criar muralhas de visores de LED durante os hits radiofônicos. E – não deveria surpreender – muita gente deixou o Espaço das Américas após “Beds Are Burning”, possivelmente porque já cantaram os hits que conheciam e não tinham porque estar ali.
Com um espaço físico mais transitável, dá para ficar mais à vontade e testemunhar a banda fazer um grande bis, com “Put Down That Weapon”, “Now or Never Land” (com um timbre esquisito de teclado, mas que diabo, é uma das melhores canções do Oil) e “Sometimes”. Pela primeira vez no show, foi possível ver pessoas dançando, e alguns genuinamente emocionados.
Hoje, é possível que a mensagem e o som do Midnight Oil caibam melhor em lugares onde sobre espaço para atenção e catarse. Assim, vem mais fácil sentir a felicidade de ver pela primeira vez o perfeito arranjo vocal de “Under the Overpass” sendo executado ao vivo (nunca achei que veria Garrett e Bones num palco cantando aquele “Hallelujah”). Também dá para sentir o refrão de “Sometimes” tocar fundo no espírito de luta, redescobrir a beleza de “Antarctica” ou entender pela primeira vez o poder de fogo de “Forgotten Years”.
Mas também dá para lamentar o setlist irregular, que desprezou os três primeiros álbuns, os dois EPs, “Breathe” e “The Real Thing” (precisava mesmo ter sete faixas de “Diesel and Dust”?). Dá para ficar apalermado com o merchandising oficial vagabundo e explorador. E certamente dá para deixar de lado o set semiacústico com versões mais ou menos de canções que já não são grande coisa (“When the Generals Talk” e “Luritja Way”, e uma “My Country” desacelerada e sem graça).
Esse misto de alegria e frustração se alastra pelos dias seguintes. Afinal, o Midnight Oil poderia ter feito mais, sido mais. Infelizmente, decidiram fazer sua última turnê dando ao público exatamente o que se espera deles. Comercialmente, faz sentido – e deu certo. Já artística e emocionalmente, deixou um tanto a desejar.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Pô Léo…concordo quase que integralmente com seu texto mas como diz “outros velhos”: “It’s only rock’n’roll but i like”…rsrsrsr…abraços
É que eu tinha o hábito de acreditar que o Oil era um pouco mais que “only rock’n’roll”, Kareka, tá ligado? Mas é bem isso que você falou. “Only”.
Desculpa vinhas mas deixou a desejar pra quem? Quer dizer. ..vc faz um texto rancoroso porque parece querer demonstrar que conhece todos os lados b da banda. E um preconceito absurdo com quem não faz parte da tuau faixa etária. Cara eu tenho 50 anos e se não estivesse viajando a trabalho certamente teria ido ver o show no Rio. Mas certamente seria taxado por vc de mais um quarentão com barriga de cerveja ou coisa pior. Decepcionante até o talo esse texto.
Ismael, não digo que o show foi decepcionante porque só teve hits, mas porque o Midnight Oil era conhecido por se posicionar contra os padrões comerciais do showbusiness. A banda criticava o tal “corporate rock” com suas mega turnês, o comercialismo pelo comercialismo e chegou a brigar até por causa de embalagens de CD (as hoje extintas “long boxes”, que encareciam o preço e representavam um problema ambiental). Eles voltarem com uma turnê tão caça-níqueis, sem apresentar nada novo, foi decepcionante.
Mas foi um show com muitos bons momentos – como eu digo no texto, um misto de alegria e frustração. Talvez tivesse tido mais alegria se o público não fosse tão mal-educado, e isso não tem nada a ver com conhecer o repertório da banda. Tem a ver com estar em um show e falar o tempo todo, tampar a visão do palco com telas de LED, ser estúpido com staff da casa. Você pode ir ao cinema ver um ótimo filme, mas se as pessoas ficam conversando, usando celular e se levantando toda hora, sua experiência será prejudicada. Não estou dizendo que num show as pessoas devem ficar em silêncio – aliás, podem se esgoelar, pular, dançar, o que for. O que é realmente prejudicial – e que aconteceu em profusão lá – é ignorar o artista e desrespeitar outros espectadores.
Léo, estava nesse show e concordo com você, o público brasileiro, na maioria dos shows, não vai pela música, e sim pela selfie e check in no Facebook. Lembro de poucos shows sem esse mar de telefones na sua frente. Não por acaso muitas bandas preferem tocar na Argentina.
Pois é, Ricardo. O caso do Oil foi um extremo, mas todos os shows de médio porte para cima estão assim. Mesmo em casos em que o artista pede para não fazer isso (lembro de Bob Mould e de Jack White em um primeiro momento), tem gente que ainda se acha no direito. É incompreensível: a pessoa prefere deixar de curtir o momento, escolhe atrapalhar o outro, e ainda fica com um áudio/foto de má qualidade.