por Pedro Salgado, de Lisboa
O momento atual do The Gift pode ser descrito como uma onda em crescimento. A banda de Alcobaça (centro de Portugal) cavalga no sucesso de crítica e público do álbum “Altar” (2017), produzido pelo lendário Brian Eno e mixado por Flood, alcançando o primeiro lugar dos tops iTunes e de vendas portugueses. Paralelamente, o álbum obteve nota 8 em 10 da revista inglesa Uncut e o grupo recebeu a informação de que o single “Big Fish” foi a canção mais tocada numa dezena de rádios universitárias americanas.
Na véspera de um show no Centro Cultural de Belém, encontro-me com a dupla criativa do grupo (o tecladista Nuno Gonçalves e a vocalista Sónia Tavares), num hotel do Parque das Nações, em Lisboa, abordando a nova fase do quarteto, o processo criativo e a participação de Brian Eno no disco “Altar”. O primeiro encontro com Eno aconteceu em 2011, durante a presença do The Gift no Rock In Rio. “Nós estávamos fazendo uma visita turística ao Afroreggae, uma ONG na favela de Vigário Geral (Rio de Janeiro), realizando um levantamento sobre trabalhos culturais e eu conheci-o aí”, conta Nuno. Após um novo encontro durante uma exposição em São Paulo, o The Gift seguiu para Londres para remixar o álbum “Explode” (2011), Eno assistiu a um show da banda e a amizade entre ambos cresceu. Finalmente, em 2014, Sónia Tavares perguntou-lhe se gostaria de produzir o novo trabalho da banda e Brian Eno respondeu: “I Think we´ll have a lot of fun”.
A gravação do disco decorreu na pequena aldeia espanhola de Meder, na região da Galiza, correspondendo ao desejo do quarteto em trabalhar num ambiente isolado, relaxante, com paisagens naturais e a pouca distância da cidade do Porto (Portugal), onde se encontrava o material que foi utilizado no estúdio. “Altar” beneficiou claramente do ambiente tranquilo em que o The Gift e Brian Eno trabalharam, conciliando o experimentalismo com elementos classicistas, que se evidenciam no ótimo single “Love Without Violins”, contemplando o lado eletrônico do grupo (“I Loved It All”), a festividade de “Malifest” ou o radio friendly de “You Will Be Queen”. Outra das boas faixas do trabalho é a balada “Vitral”, conjugando a fé com a simplicidade e apresentando um desenvolvimento interessante. “Nós escrevemos as palavras “It should be alright now”, quase como condução do tema, sugerindo que algo aconteceu à figura da canção e o Brian Eno desenhou no quadro uma pessoa acamada que em breve iria ficar bem. Depois perguntou-nos se a cama do hospital tinha ou não um crucifixo em cima da cabeça do personagem. Nós decidimos colocar uma cruz e ele completou a frase acrescentando: “and Jesus is looking down” e a partir daí a canção começou”, conta Sónia.
Durante uma passagem recente pelo Rio de Janeiro, o The Gift gravou o clipe de “Big Fish”, no bairro de Santa Teresa, baseado num script que Nuno Gonçalves e Sónia Tavares fizeram com a realizadora brasileira Duda Almeida (com quem trabalharam no Rock In Rio de 2011). “Pretendíamos um cenário quente e colorido que era impossível de encontrar em Portugal no mês de Janeiro. Para além disso, o Nuno teve a ideia que eu cantasse com duas partners e convidámos uma dupla glamourosa de drag queens, as Deendjers, de Curitiba”, explica Sónia. A festividade do vídeo teve o objetivo de acompanhar o The Gift até ao lançamento do disco e celebrar a chegada da primavera e do verão em Portugal.
Sobre a mensagem de “Altar”, Nuno Gonçalves sublinha uma ideia de fé no trabalho atual e futuro da banda. “Acredito desde 1994 que o destino do The Gift está traçado há muitos anos. Não passa por nada mais do que seguir a música, as pessoas que gostam dela e deixarmo-nos guiar por este movimento de ascensão do grupo”, afirma. Quanto à adesão do público ao novo trabalho, Sónia Tavares refere: “Os nossos fãs portugueses estão garantidos, eles assistem aos shows e sentimos muita recetividade sobre a nova fase”. Relativamente ao impacto internacional a cantora revela mais confiança: “Acreditamos que este álbum vai cativar muitas pessoas no exterior. É natural que o trabalho com Brian Eno seja um ótimo cartão de visita e que o público tente descobrir o Altar, mas também a anterior discografia”, conclui. De Lisboa para o Brasil, The Gift conversou mais uma vez com o Scream & Yell. Confira:
Porque demoraram cinco anos para gravar um novo disco?
Tudo por boas razões. Em primeiro lugar, estávamos fazendo um tour que teimava em não acabar, porque os convites eram incessantes. Para além disso, tínhamos uma comemoração dos 20 anos de carreira em mãos e achávamos que os devíamos celebrar com pompa e circunstância. Fizemos uma edição comemorativa com um livro, uma caixa, gravações e músicas novas, bem como a digressão da coletânea “20”, porque sentimos que trabalhando com o Brian Eno não nos interessava estar fechados num estúdio durante 15 dias ou um mês e editar apenas o que fosse produzido nesse período. Pretendíamos estar relaxados durante várias porções de tempo, espalhadas por dois anos e meio (foi o que aconteceu) e o aspeto chave deste disco foi o fato de irmos apurando as canções e esse lado mais tranquilo e assertivo verificou-se no final.
Em “Altar”, destaco a intemporalidade das canções e sinto que vocês se conseguiram reinventar em termos sonoros. Concordam?
Sim, concordamos. Num disco novo temos sempre algo diferente para dizer. Se falamos de algo que não fazemos há muito tempo aí discordamos. No álbum “Primavera” (2012), fizemos um trabalho despido de arranjos, que basicamente vivia das teclas brancas e pretas do piano e da voz da Sónia e no disco anterior, “Explode” (2011), usamos mais guitarras e programações cruas, por isso existe sempre algo de novo nos trabalhos do The Gift. No “Altar”, o patamar foi mais elevado, porque o Brian Eno comandou as nossas intenções, deixamo-nos levar pelo espírito experimentalista dele e sentimos que era necessário que assim fosse. Uma banda com 22 anos de carreira precisa de estímulos e esses impulsos quase nunca são dados por tendências, modas ou pelo público. O Brian soube comandar a banda para um nível mais profundo. Às vezes ele conduzia-nos a lugares em que nem sequer sabia por que nos levava para lá, mas sentia que esse ponto lhe daria uma resposta.
Relativamente ao trabalho com ele, o que vos impressionou mais?
Na realidade impressionou-nos tudo (risos). Para além de ele ser uma pessoa bastante profissional e perfeccionista com toda a arte que faz (e não só a música), o Brian é uma pessoa afável e tem um senso de humor fantástico. É um indivíduo inteligente, culto e com imensas histórias para contar. A experiência que nós tivemos com ele englobou tudo isso. Escutamos música que nunca tínhamos ouvido, conhecemos a história da música e começamos a ter uma visão diferente sobre as nossas próprias canções. Outro aspecto positivo do trabalho com ele resultou do fato de nos colocarmos um pouco de fora para perceber o que os temas precisavam, reescrevendo letras que estavam de parte, as quais sentíamos não termos grande imaginação para continuar a desenvolvê-las. Foi uma aprendizagem nova e houve um ponto em que nos sentámos, quase como alunos da escola, enquanto ele escrevia as suas ideias num quadro branco e isso aumentou a nossa produtividade. Emotivamente foi incrível, pelo passado que ele tem e pelas histórias que contou do David Bowie e do “coast to coast” que fez com o David Byrne. Essa experiência está na base do “Altar” ser um disco tão feliz na sua construção.
Gostei bastante de “Love Without Violins”. Em que se inspiraram para compor este tema?
O princípio da canção parecia-nos bastante escuro. A estrutura primária da música era muito tensa e divergia das epopeias musicais que gostamos de fazer com orquestras. A partir de meia dúzia de palavras (escritas por Sónia Tavares), o Brian achou que estavamos a falar de um amor negro e fizemos uma pesquisa na Internet sobre relações de amor constrangedoras, no fundo menos visíveis. Pensamos no universo das dominatrix, mistress, de dominados, masoquismo e conseguimos encontrar um grupo muito engraçado na Internet, que são as novas dominatrix à distância. Tudo aquilo se passa com palavreado, imagens e vídeo. É alguém que oferece o seu amor em troca de desprezo e nós achamos muita piada a esse caminho. O “Love Without Violins” surge com a perspetiva da mulher que domina e do homem que é dominado no final, mas continua apaixonado. É apenas uma maneira diferente de lidar com a emoção do amor, aquele que está mais escondido e não tem violinos.
A turnê de “Altar” também passará pelo Brasil. Gostaria de saber onde vão atuar e quais são as vossas expetativas?
Ainda não temos datas fixas ou agendadas e o calendário está sendo reajustado. Pretendemos fazer shows em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. É bem provável que o tour seja no princípio de Junho (é a altura que temos livre para fazer essa digressão). Estamos muito contentes por voltar ao Brasil e isso está presente nos dados estatísticos que recebemos nas nossas redes sociais. O Brasil é um dos países que melhor reagiu à nova fase do The Gift e estamos esperançados que será um território chave na estratégia do grupo. Pretendemos responder com música ao carinho que recebemos de lá. Existem muitos músicos brasileiros tocando em Portugal, mas nem sempre acontece a mesma resposta da nossa parte e achamos que podemos assumir um papel interessante nessa vertente. Sem ser o fado, existem poucas bandas portuguesas atuando no Brasil e faz todo sentido aparecer lá, porque comunicamos na mesma língua. Há um lado independente e bastante apelativo no nosso trabalho e estão reunidas as condições para que tudo corra bem.
Que objetivo vos falta concretizar?
Quando estavamos no sótão do Miguel Ribeiro (guitarrista e baixista), em 1994, na cidade de Alcobaça, o nosso objetivo era tocar no Bar Ben, porque era o expoente máximo para a banda nessa época. Depois de tocar lá achamos que o Mosteiro de Alcobaça era o passo seguinte, porque sentimos que chegaríamos a mais pessoas do que no Bar Ben. Posteriormente, pensamos que seria legal atuar no Espaço Sete às Nove, do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, porque despertaríamos a atenção da mídia e de mais público fora do circuito de Alcobaça e assim sucessivamente, até que chegamos ao momento atual. Por isso, na tour de “Altar”, pretendemos esgotar o CCB e o Bush Hall, em Londres, dar uma boa impressão no The Great Escape, em Brighton, esgotar pela primeira vez o Maschinenhaus, em Berlim e conseguir uma sala maior. O objetivo do The Gift sempre foi o de chegar a mais gente, nunca comprometendo a qualidade da música e aquilo que nos faz sentir bem enquanto artistas.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.
Bela banda. Mas o Flood e o Eno é covardia, não tinha como sair algo ruim.
Como Arlen disse é uma boa banda sim, mas flood é uma lenda, eno não conheço, mas bem legal o blog.