por Pedro Tavares
Já deve ter acontecido com você: alguém te convida para uma festa e você vai com a esperança de beber, dançar, enfim, se divertir. Em certo momento, no entanto, tudo parece sem sentido e você se encontra sentado no sofá em um estado quase depressivo, questionando a vida e suas escolhas patéticas. Trinta minutos depois, “Freedom”, de George Michael, embala a pista e algo mágico acontece, um tipo de epifania. Você é livre e parece ser o dia mais feliz da sua vida.
É provável que algo parecido já tenha mesmo acontecido com você, e é por isso que a cena, parte de um dos episódios da segunda temporada de LOVE (disponibilizada na Netflix no último dia 10 de março) atrai. A série inteira é assim, cheia de situações que poderiam acontecer – e, por que não, já aconteceram? – com a gente. O universo reconhecível da série não passa pelos personagens, por sua condição social, idade, ou emprego. Os protagonistas são brancos, na casa dos 30 anos, de classe média, heterossexuais e americanos, mas isso pouco importa. O que torna a série próxima é seu tema, o amor, os relacionamentos, algo que qualquer um, seja branco, negro, rico, pobre, brasileiro ou chinês, já viveu.
A produção comandada por Judd Apatow (“Freaks and Geeks”, “Superbad”, “Girls”), Lesley Arfin (“Awkward”, “Brooklin Nine Nine”, “Girls”) e Paul Rust (“Arrested Development”) chega ao seu segundo ano com a pressão iminente que atinge qualquer série: manter a qualidade anterior e dar um passo à frente. É como se a primeira temporada, mais cautelosa, fosse feita para conseguir a renovação. Isso conquistado, é hora de começar a fazer o que se quer. A segunda temporada funciona não só como continuação, mas como uma afirmação das ideias dos criadores para seu produto.
Em LOVE isso fica claro. O universo se expandiu, assim como os conflitos emocionais dos personagens. Porém, o que parece um ganho de um lado, acaba sendo um prejuízo de outro. Méritos da primeira temporada ficaram um pouco de lado e não temos mais cenas como a memorável festa em que Gus chega adiantado e toca “Jet” com desconhecidos; ou a surreal visita dos protagonistas ao castelo da mágica, momento engraçadíssimo da primeira temporada.
O humor, agora, está em segundo plano. Apesar de ainda calibrado, por exemplo, na enorme habilidade em criar situações constrangedoras, ele fica na sombra do complicado romance entre Gus e Mickey. O relacionamento entre os dois, que já era tema principal da série, ganha novo enfoque, mais humano e sensível. Um pouco mais complexo também, tanto que, agora, o espectador fica em dúvida sobre quem está certo ou errado nas discussões entre os personagens, algo que não acontecia no primeiro ano.
Além disso, bons coadjuvantes ganham mais espaço, caso de Bertie, a excêntrica e amável colega de casa de Mickey, que se envolve em um relacionamento disfuncional com Randy, um trintão desempregado, amigo de Gus. Essa maior abertura, porém, acaba se mostrando falha quando não é desenvolvida. A série ‘cresce’ vários personagens, como Truman, companheiro de trabalho de Mickey, mas acaba se esquecendo deles na sequência. O mesmo acontece com Bertie e Randy que, no fim, ficam com sua história mal-acabada.
LOVE também desliza em algumas cenas, quando parece que os roteiristas ficam mais preocupados com o que vai acontecer do que com o que está acontecendo. É o caso do primeiro episódio desta segunda temporada, em que, para forçar uma proximidade entre os protagonistas, é criada uma cena estapafúrdia e forçada de fuga da polícia. Isso acontece ainda na criação de um personagem totalmente caricato, Victor, um cineasta japonês que age de maneira bastante irreal. No final da temporada, outro momento do tipo: Mickey tenta se esconder de seu ex-namorado em uma feira e é desenhada uma cena digna de comédia pastelão, com ela agindo de forma bizarra e Gus, convenientemente ingênuo, não entendendo nada.
Mas isso com certeza não estraga a série, perfeita para se assistir de uma tacada só, em um fim de semana em casa. A linguagem é precisa, os diálogos são frescos e as situações identificáveis, mérito gigantesco para uma produção audiovisual. Paul Rust e Gillian Jacobs se encaixam como uma luva nos papéis principais. Rust faz de seu Gus alguém que ficaria deslocado em qualquer situação, gerando boas risadas. Jacobs, melhor ainda, consegue demonstrar toda a complexidade de sua personagem, que se desenvolve mais nesta temporada.
Enquanto Gus parece o mesmo durante a maior parte dos episódios, Mickey ganha em profundidade. Exemplo disso é o episódio em que seu pai a visita, momento importante para o crescimento dela. Em resumo, Gillian Jacobs consegue interpretar uma personagem um tanto intrincada, alguém prestes a explodir, mas que tem o profundo desejo de tentar ser melhor.
E esse parece ser um dos temas principais de LOVE, em seu segundo ano: tentar. Procurar fazer um relacionamento dar certo, ir atrás de uma vaga melhor no emprego, buscar seu próprio amadurecimento. Nas relações entre os personagens, a série demonstra onde quer tocar. Seja nos momentos em que discute a tentação de se voltar para o confortável, com Mickey e seu ex-namorado, Bertie e Randy; ou quando explora a mania de Gus de tentar agradar todo mundo, evidenciada na cena em que o pai de Arya faz uma festa em seu quarto de hotel, algo que pode acabar – e acaba – desagradando as pessoas que estão mais próximas dele.
Também aparece com força a condescendência de Gus com Mickey. Sua tentativa falha de se aproximar dela, sem dar espaços ou agindo de maneira sufocante. Tudo isso ganha enorme importância no final da temporada, em uma sequência de acontecimentos que colocam o relacionamento dos dois na corda bamba. O que LOVE parece querer dizer, ao fim, é mais ou menos o que George Michael canta em “Freedom”: Tudo o que temos de fazer agora é pegar essas mentiras e transformá-las em verdade de algum jeito. Tudo o que temos de ver é que eu não pertenço a você, e você não pertence a mim.
– Pedro Tavares (fb.com/pedro.tavares.779) é jornalista e assina o Rotina e Chinelos
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Primeira temporada foi nota 9, essa foi nota 8.
A série tem sido bombardeada pelas mulheres que conheço por mostrar um relacionamento um tanto quanto abusivo vindo da parte masculina. Tentei ver mas não passei da.metade do primeiro episódio ao contrário do que ocorreu com outras séries similares como easy, eu tu e ela e lovesick.
Essa série só vai ficar boa quando o Gus sair. Difícil curtir um personagem tão babaca e mal escrito. A Mickey é areia demais pra ele e esse é o ponto fraco dessa série. É algo curioso tentar entender como tantos caras talentosos juntos entregam uma série tão chinfrim.
Uma série não precisa transbordar defeitos nos personagens para parecer “real”. Ela precisa apenas contar uma boa historia.
Resenha muito madura sobre a temporada, e de certa forma sobre toda a série. Um das poucas críticas da internet que soube abrir a mente pro que a série quer mostrar e não sobre o que cada um quer ver. Com um nome desses, Love tende a enganar muitos desavisados que esperam algo mais bonitinho e colorido, como costumava vender Hollywood nos tempos de glória das comédias-românticas.