por Adriano Mello Costa
“A Cidade Murada”, de Ryan Graudin (Companhia das Letras)
Durante anos existiu em Hong Kong uma região chamada de Kownloon, a “cidade murada”. Antes fortaleza militar da China, essa área foi invadida pelo Japão na Segunda Guerra Mundial, o que resultou em posteriores descontroles, como a verticalização das moradias e o aumento desordenado da população. O setor foi enfim desocupado e demolido em 1994 dando lugar a um parque. A escritora norte-americana Ryan Graudin inspira-se na história dessa área para construir a trama do livro “A Cidade Murada” (“The Walled City”), publicado em 2014 lá fora e agora no Brasil. Com 400 páginas e tradução de Guilherme Miranda, “A Cidade Murada” não é uma ficção histórica, mas se apropria das peculiaridades deste lugar, dominado desde sempre por máfias, assassinos, ladrões e outros tipos de criminosos. É neste cenário desolador que vivem o adolescente Jin Ling, se virando como pode entre vielas escuras e escondendo um grande segredo, e a jovem Mei Yee, vendida pelos pais no interior para um bordel dominado por um grupo de criminosos liderados com mão de ferro pelo feroz Longwai. Em conexão direta com os criminosos está Dai, um misterioso garoto que também esconde segredos (algo constante na narrativa). Esses três personagens vão se correlacionando pouco a pouco construindo uma aventura de fuga e resgate na qual família e passado coordenam as atividades de um lado, enquanto do outro estão interesses egoístas e o desapego contra a humanidade em prol da ganância e da ambição. Graudin expõe sem melindres o desespero que envolveu a região no que concerne a criminalidade, vícios, drogas, prostituição e violência, mas o texto, repleto de obviedades e lugares comuns, pode decepcionar um leitor experiente.
Nota: 6
“O Grande Jogo de Billy Phelan”, de William Kennedy (Cosac Naify)
Anos 30. Billy Phelan mora em Albany, capital do estado de Nova York, no período da grande depressão e ganha a vida participando de qualquer tipo de jogo e aposta. Boliche, bilhar, turfe, dados, tudo está ao alcance de sua habilidade. Orgulhoso e digno de um código de conduta próprio, Billy poderia ter tido algo melhor na vida, mas é um herói improvável que ninguém vê méritos, incluso ele mesmo. Billy é o personagem principal do segundo livro do chamado “Ciclo de Albany”, que o escritor norte-americano William Kennedy fez ao longo da carreira, e que a editora Cosac Naify lançou aqui em 2010 numa caprichada edição com 344 páginas e tradução de Sergio Flaskman. Nascido em 1928, William Kennedy é comparado a nomes como Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald. Além de livros, ele assina peças de teatros e roteiros de filmes (como “Cotton Club”, de 1984, dirigido por Francis Coppola). Sua obra mais conhecida é “Ironweed” (1984), trabalho que lhe rendeu o Pulitzer, e virou filme nas mãos do diretor Hector Babenco em 1987 com Jack Nicholson e Meryl Streep nos papeis principais. Em “O Grande Jogo de Billy Phelan”, publicado originalmente em 1978, o autor convida o leitor para um passeio por uma cidade dominada por uma família que manda e desmanda em tudo, da igreja a política, dos bares aos prostíbulos. Além de Phelan temos outro grande personagem no livro, Martin Daugherty, um colunista do jornal local, de bom coração e com culpa familiar pesando no peito. Envolvidos no meio de um sequestro, ambos precisam usar a cabeça para não entrar em desespero e se afundar, isso tudo permeado por acessos de violência, humor seco e uma busca por esperança e aceitação escondida lá no fundo da desordem.
Nota: 8
“Fogo-Fátuo”, Patrícia Melo (Rocco)
Mesmo circundando o tema durante toda sua carreira (que já soma 10 romances), a paulista Patrícia Melo nunca havia escrito um romance policial com tudo que o estilo tem direito, lacuna que “Fogo-Fátuo”, publicado pela editora Rocco em 2014, enfim cobre. Sucessor do ótimo “Ladrão de Cadáveres” (2010), “Fogo-Fátuo” introduz Azucena Gobbi, chefe do Setor de Perícias da Central Paulista de Homicídios, mulher forte e decidida, mas que atravessa um verdadeiro vendaval na vida pessoal. Quando Fábbio Cássio, ator famoso que também tinha uma vida bastante tumultuada, acaba atirando na própria cabeça em cima do palco durante uma peça de teatro, ela se envolve em uma história com tons nada sublimes e cheias de picuinhas e interesses próprios. Na verdade, não se sabe ao certo se o ator se matou ou foi assassinado por alguém que colocou as balas onde elas não deviam estar e essa busca pela verdade é o tom maior que envolve as 304 páginas do romance. Todavia, é nas entrelinhas que a autora brilha e entrega muito mais. Primeiro, a trama versa sobre uma cidade dominada pelo medo, onde a criminalidade galgou níveis assustadores e produz vítimas em escala industrial. Depois enverada pela ineficácia de boa parte da polícia, seja por incapacidade ou por política. E conclui atirando contra a indústria das celebridades cada vez mais horrenda na correria para vender “notícias”. Em “Fogo-Fátuo”, vemos uma escritora com absoluto domínio do seu ofício e que parece crescer mais a cada livro. Nesta obra, Patrícia Melo novamente exibe a sua já tradicional falta de crença na bondade humana e, mesmo sendo um romance policial tradicional, consegue levar o leitor por vielas um pouco diferentes – e surpreende-lo.
Nota: 8,5
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop