Três perguntas: Fábio de Carvalho

por Bruno Lisboa

Em 2013, quando tinha 15 anos, Fábio de Carvalho entrou em um estúdio profissional e gravou um rap com um amigo. Sua primeira gravação solo, porém, só veio no final do ano seguinte, quando ele voltou ao mesmo estúdio, gastou uma grana e, depois de seis horas, saiu de lá com apenas uma canção: “Sábado, entre 16:30 e 17:50”. Ele não sabia, mas tudo o que ele precisava estava naquela música.

Isso porque ao disponibilizar a canção no Bandcamp, Fábio chamou a atenção de Vitor Brauer (Lupe de Lupe), que lhe adicionou no Facebook e propôs produzir seu primeiro disco solo, mas nos moldes artesanais e apaixonados do movimento Geração Perdida de Minas Gerais. Ou seja, sai de cena o estúdio profissional (e caro) e entra no lugar o estúdio caseiro que tem transformado sonhos em realidade para essa agitada turma mineira.

Assim, com apenas 17 anos, Fábio de Carvalho lança seu primeiro álbum, o perturbador “Tudo em Vão”, um disco de guitarras dissonantes e letras confessionais sobre os dilemas da adolescência, totalmente disponível para audição e download (no modelo pague quanto quiser) no Bandcamp. Além de Fábio (letras, vozes, guitarra e bateria) e Vitor (baixo, produção e mixagem), “Tudo em Vão” conta com o pai de Fábio tocando trompete em uma canção.

“Os integrantes da Geração Perdida não estão mais tão perdidos assim, em muitos sentidos”, observa o integrante mais jovem do coletivo em conversa por e-mail. No bate papo, Fábio de Carvalho conta como rolou a aproximação com Vitor, fala sobre a produção e o resultado do álbum “Tudo em Vão” e lista seus planos futuros: “Eu quero muito fazer um curta!”. Preste atenção no trabalho dele. Abaixo, três perguntas.

Como se deu a parceria com Vitor Brauer e a sua entrada para o movimento Geração Perdida de Minas Gerais?
No final de 2014, a única coisa que eu sabia é que eu precisava gravar alguma coisa, mesmo que fosse só uma música. Fui parar no Estúdio Casa Antiga, onde em 2013 eu havia gravado uma faixa de rap com um amigo. Demorei cerca de 6 horas no total pra gravar a música “Sábado, entre 16:30 e 17:50” e gastei uma fortuna só com ela, porque o estúdio era profissional, cobrava por hora, essas coisas. Depois de ter a música completa, criei uma página no Bandcamp chamada Virtudes de Um Sofá onde a coloquei junto de um cover do Charlie Brown Jr. e uma foto da minha cachorra Mel. A partir daí já não fiz mais nada, até porque eu não tinha perspectiva. A música ficou morta lá por alguns dias, e mostrei pra algumas pessoas que foram muito positivas e me incentivaram, mas ficou por isso mesmo. No dia seguinte da minha formatura acordei bem tarde, e as coisas pareciam mais sem rumo ainda, agora que o ensino médio havia efetivamente terminado. Fui tomar um banho e quando voltei pro meu quarto vi uma solicitação de amizade no meu perfil. Me lembro de pensar que talvez aquela solicitação viesse de alguma pessoa que pudesse mudar a minha vida, ou alguma coisa do tipo, provavelmente por causa de um certo desespero que eu andava sentindo na época. Quando vi que era do Vitor, já comecei a achar tudo muito absurdo e nós imediatamente começamos a conversar, ele disse que havia escutado a música, e fez a proposta de produzir meu disco. Nessa mesma noite fui para o show do Tatá Aeroplano no Teatro Klauss Vianna, e fiquei cagando de medo de estar sonhando aquilo tudo. Entrar para movimento é uma coisa que até agora não consigo conceber muito bem, é o tipo de coisa que eu literalmente sonhava direto. Há uma certa disparidade entre eu e o resto dos integrantes, principalmente por questões de idade e tal, mas não sei se eles sentem isso. É uma experiência muito estranha, mas enriquecedora estar mais próximo das pessoas que você vê como influências. Os integrantes da Geração Perdida não estão mais tão perdidos assim, em muitos sentidos, e é bom ter pessoas com quem posso agir abertamente e que tem muito pra me dizer, que respeitam o meu trabalho tanto quanto respeito o deles.

Suas letras são marcadas pelo o que chamaria de “pessoalidade intensa”, característica surpreendente para um jovem com você. De que maneira o cotidiano interfere no seu modo de composição?
A minha “pessoalidade intensa” provavelmente vem de uma coisa internalizada na minha vida, que é uma espécie de autos sabotagem produtiva, onde me exponho e me mostro vulnerável pras pessoas. É algo que sempre cultivei, ainda mais com meu gosto pelo tragicômico nas situações cotidianas da adolescência. A maioria das pessoas que escutaram o disco, o acharam muito triste e com uma onda muito pesada. Enquanto eu entendo isso, e não consigo evitar achar alguns momentos do disco muito engraçados. Acho que as pessoas levam as coisas a sério demais e talvez eu seja a última pessoa que pode julgar os outros por isso, porque costumo ser bem sistemático, rabugento na maioria das vezes, mas uma coisa que passou muito pela minha cabeça durante a gravação do disco foi que todas as situações supostamente tristes que relato, enquanto dramas pessoais, representam uma realidade muito privilegiada. Tenho muitos amigos, muitas pessoas que me amam ao meu redor, e sou grato por ter elas na minha vida, eu genuinamente cansei de reclamar de muita coisa, porque simplesmente não vale a pena, não faz sentido. Gravar essas músicas, com esse tom tão pessoal, foi menos um relato das minhas angustias e dias ruins, e mais um exorcismo de muitas coisas que me atormentavam na forma como eu lidava/lido com meus problemas. A sensação que sucedeu as gravações não foi de alívio, nem de completa satisfação, mas de consciência de que estou em um momento muito bom da minha vida, e uma espécie de urgência me dominou, de apreciar e reparar nos detalhes que fazem dos meus dias tão privilegiados. Sempre reparei muito em detalhes, mas talvez nos detalhes errados. O cotidiano é fundamental para as minhas músicas, nele reside minha principal fonte de inspiração. Geralmente encontro certa dificuldade em me identificar com coisas muito grandes, épicas. Tem alguns quadros dos românticos do século XIX que me fazem rir de tão exagerados e grandiosos eles são. Pra mim aquilo não faz o menor sentido.

Quais são seus planos futuros? Pretende realizar turnê de divulgação?
Nesse segundo semestre estou com alguns projetos, mais ligados ao audiovisual, clipe de música, essas coisas. Deve rolar um show no Rio também com o Jonathan Tadeu e o pessoal da Tom Gangue, mas uma turnê de verdade não vai rolar não. No final do ano, volto pro estúdio da Geração pra gravar um EP que vai conter algumas músicas com um direcionamento diferente na sonoridade. Não vai ser uma mudança brusca não, mas não quero ficar acomodado na mesma forma de composição. O curioso de gravar um disco é que sua vida não muda muito na sua essência, conheci bastante gente desde então, mas não é como se eu me sentisse outra pessoa ou coisa do tipo. Em algum momento alguém me fez essa promessa ilusória de que as coisas seriam diferentes e que eu ia ter certo conforto proveniente do meu projeto musical, mas a verdade é que isso nunca me gerou conforto. As minhas músicas vem de uma certa urgência, urgência de produzir, independente do formato. Eu quero muito fazer um curta.


Registro da apresentação solo no Edifício Maletta pelo Jonathan Tadeu

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão

Leia também:
– Lupe de Lupe: “Remar contra a maré faz parte da nossa natureza arredia”  (aqui)

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