por Jorge Wagner
O ano é 2015, mas, para o Dônica, poderia ser 1972. Isso porque, no mesmo período enquanto Chris Squire, baixista fundador do Yes, um dos grandes pilares do rock progressivo, descobria a leucemia que viria a leva-lo a óbito no último dia 28 de junho, os meninos nascidos já na década de 90 lançavam seu primeiro disco, “Continuidade dos Parques”, legítimo representante do gênero tão bem explorado por Squire ao longo dos últimos quarenta e tantos anos.
Bobagem, porém, seria resumir o Dônica a uma banda de garotos que emulam medalhões como Yes, Emerson, Lake & Palmer, Kansas et alii. O domínio técnico dos instrumentos, o bom gosto para melodias e divisões de vozes, brasileirices ecoando bandas nacionais como Som Imaginário e buscando referências no Clube da Esquina merecem destaque. Sem deixar de lado “pequenos detalhes” como a benção de Milton Nascimento e Caetano Veloso – pai do letrista Tom Veloso, creditado como membro da banda (mesmo sem subir aos palcos) da mesma forma que Peter Sinfield na primeira formação do King Crimson.
Apesar do contrato com a Sony, responsável pelo lançamento de “Continuidade”, José Ibarra, tecladista e vocalista da banda (que conta ainda com o já citado Tom nas composições, Lucas Nunes nas guitarras, André Almeida na bateria e Miguima nos baixos) afirma não ter expectativas de mercado e estar consciente de que é preciso dar um passo por vez. E foi, justamente, sobre os primeiros passos da Dônica que conversamos com o músico nessa entrevista. Confira:
Falo por mim e, creio, por muita gente, quando digo que rock progressivo – e com tanta propriedade – era, provavelmente, a última coisa que eu esperava ouvir vinda de garotos com a faixa etária de vocês em pleno 2015. Esse direcionamento musical foi uma escolha desde o início?
Eu acredito que o artista pode almejar algum possível resultado final para sua obra, mas não escolhe-lo . Nós ouvimos muito Rock Progressivo por conta de nossos pais e de encontros na casa do Deco, por isso acabou sendo natural sair de nós algo que conversasse com o estilo. Nossa concepção musical é um pouco baseada nas “não-estruturas” do prog (risos).
Não bastasse a diferença em relação à música feita por outros jovens artistas contemporâneos, vocês também já começam com o suporte de uma grande gravadora. Quais são as expectativas de mercado que vocês têm em relação a esse lançamento?
Não temos muita expectativa de mercado não (risos). Nossa música não tem muito o perfil dos hits que costumam bombar por aí e, além do mais, somos desconhecidos ainda. Criar expectativas mercadológicas dentro dessas condições seria um pouco ilusório.
Vocês são excelentes músicos – as partes instrumentais de “Carrossel” deixa isso bem claro. Já dá pra planejar viver de música ou vai ser um passo por vez e mais pra frente vocês pensam nisso?
Um passo por vez. Até agora estamos apostando em viver de música e pretendemos fazer o máximo para que isso se realize, mas ninguém sabe o que pode acontecer. Somos diferentes, o Miguel, por exemplo, sempre quis ser diretor de cinema, o Deco, engenheiro, eu, botânico… Enfim, na verdade, nada está definido.
A influência da música de Minas no trabalho de vocês é perceptível desde o lançamento de “Bicho Burro” (EP lançado em dezembro do ano passado), e foi devidamente coroada com a participação do Milton no disco. Como rolou essa história de ser apadrinhado pelo Bituca e como foi poder trabalhar com ele?
Essa aproximação veio do Tom. Ele já conhecia o Bituca e mostrara a música “Pintor” para ele. O Milton adorou a música e pensamos em convidá-lo para nos apadrinhar. Mandamos um convite e ele aceitou. Ficamos absurdamente animados e felizes. Gravar “Pintor” foi simplesmente inesquecível para todos que estavam presentes, um sonho realizado da melhor maneira possível.
Vocês contam com uma formação atípica, que inclui o Tom apenas como compositor (o que, de cara, me lembra Peter Sinfield na primeira formação do King Crimson). Como é isso?
A banda de fato começou quando eu comecei a compor com o Tom e levar as músicas para o conjunto, portanto ele já entrou na banda só como compositor. Uma pessoa que compõe é tão músico quanto as que tocam, então não vemos problema nenhum em assumir essa formação atípica. Foi completamente natural.
Em algum momento, rola o receio de que a banda fique com o estigma de “banda do filho do Caetano” e que isso dificulte a apreciação da música que vocês fazem?
Não. Ao mesmo tempo em que algumas pessoas insistem em ver a coisa toda por esse lado, muitas outras chegam até nós pelo que fazemos, pelo que sentiram com nossa música. E por outro lado, ter o Tom na nossa formação atrai muita gente que talvez goste da música.
E agora, como vai rolar a divulgação do disco? Como está a agenda?
Fizemos dois shows de lançamento no Solar de botafogo e pretendemos realizar shows pelo Brasil daqui em diante. O melhor modo de mostrarmos o que fazemos é a nossa apresentação no palco, adoramos tocar ao vivo e trocar energia com a plateia. Nosso desejo é fazer uma mini-turnê pelo Brasil, para atingir novos públicos.
Com que banda vocês gostariam de dividir o palco? E viajando um pouco: se o disco tivesse sido lançado na década de 1970, com quem vocês acham que teriam gostado de excursionar?
Com certeza Snarky Puppy. Seria um esculacho inesquecível deles sobre nós, mas seria uma honra. Se tivesse sido nos anos 70, teríamos que excursionar com uma dúzia de bandas! Gentle Giant, Led, Supertramp… Seria a perfeição impossível se realizando.
– Jorge Wagner (siga @jotablio) é jornalista e produtor do tributo “Ainda Somos os Mesmos”, em homenagem ao disco “Alucinação”, de Belchior (conheça o projeto aqui). A foto é de Fernando Young / Divulgação.
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