Entrevista: Juliano Polimeno

por Tiago Agostini

 Juliano Polimeno é a cabeça por trás da Phonobase, empresa que faz, em conjunto com os músicos, a gestão das bandas Cérebro Eletrônico e Jumbo Elektro. Para o lançamento de “Terrorist”, último álbum do Jumbo (http://www.jumboelektro.com.br), eles montaram uma estratégia com diversos formatos de MP3 para venda e mais: lançaram uma plataforma Fan2Fan, para que cada pessoa que quiser monte uma loja vendendo o disco em seu site e ganhe uma porcentagem disso. Juliano bateu um papo com o Scream & Yell para falar sobre a plataforma, a nova indústria musical e como Cérebro, Jumbo e as bandas independentes se encaixam nisso tudo.

Vocês fizeram uma pesquisa no começo de 2009 sobre consumo de música pelo público. Quais foram os principais resultados? O público de hoje ainda compra discos?
Na verdade, foi uma pesquisa feita para a banda Cérebro Eletrônico em que constavam questões sobre o relacionamento do público com a banda e também perguntas sobre a forma de consumo de música. Nossa expectativa inicial era de cerca de 200 respondentes, mas tivemos quase 700 inscritos. É preciso ficar claro que se trata de uma parcela do público, aquele com acesso à internet (já que a pesquisa era online) e, para nós, representa uma parcela – ainda que bastante representativa – da totalidade do público do Cérebro Eletrônico.

Entre os principais resultados, destacaria a forma como as pessoas conheceram a banda, com a vitória da “recomendação de amigos” com 21%, seguida dos blogs com 17%, programas de TV com 16% e através de shows com 11%. Outro dado importante é que 43% dos respondentes disseram que baixaram o álbum “Pareço Moderno” gratuitamente tanto através do EP que disponibilizamos para blogs e sites quanto através de links “piratas”, torrent, etc. Em contrapartida, é interessante observar os resultados da pergunta seguinte:

Q25. Em que formato você gostaria de adquirir o próximo disco da banda?
Um CD normal com preço honesto    23.29%
MP3 de graça    20.89%
Um CD simples e barato    11.64%
Um CD com conteúdo extra, versões, vídeos, fotos, etc    10.85%
MP3 a um preço honesto    9.89%
Um formato especial e exclusivo, mesmo que um pouco mais caro    8.29%

Nesse sentido, me parece que há uma certa ambiguidade entre a “prática” do consumo e a “opinião” prévia ou “intuito” sobre a forma de consumo de música. Ainda na pergunta seguinte, o resultado também parece comprovar essa “teoria da ambiguidade” entre prática e pensamento. Quando perguntados se topariam comprar o próximo álbum da banda antes dele ficar pronto (cerca de 6 meses antes) para ter acesso a conteúdos exclusivos como prévia das músicas, vídeos da gravação, faixas extras, etc, 57,7% disseram que sim e 31,2% que não topariam.

Outras perguntas também demostraram essa ambiguidade e, de modo geral, isso foi o que mais nos chamou a atenção. Se o público ainda compra discos? Ele pensa que sim, mas na prática não.

Esses resultados já foram usados para o lançamento do Jumbo Elektro também?
De certa forma sim, pois tanto a pesquisa quanto o acompanhamento do mercado, de outras empresas e estratégias, etc, acabam reformatando diariamente nossa forma de pensar e agir no mercado fonográfico. Mas acho também que o lançamento do novo álbum do Jumbo Elektro foi mais um experimento da Phonobase para tentar entender o público a partir de estratégias diferentes. Com o Cérebro oferecemos diversos produtos físicos e com o Jumbo a idéia foi oferecer diferentes opções de produtos digitais para ver o que acontece.

Vocês estão com a proposta do Fan2Fan, que é uma loja virtual para cada usuário. Como surgiu essa idéia?
Surgiu em uma noite de insônia na qual minha cabeça não soube mais onde ficava o botão de desligar. Trabalhar com música hoje, mais do que tudo, envolve uma coisa que o mercado parece ter deixado de lado em nome do “modelo único de negócios”: a criatividade. Tudo aqui na Phonobase parte de uma idéia criativa, é a partir dela que montamos as planilhas e não o contrário.

A idéia do Fan2Fan é muito simples e, basicamente, une certos conceitos das “redes sociais” com os “programas de afiliados” de empresas como a Amazon, na qual o usuário recebe porcentagens sobre as vendas efetuadas. O Fan2Fan une distribuição, divulgação e relacionamento direto com a base de fãs.

Qual o impacto que está tendo? E qual a expectativa a longo prazo?
Ainda é cedo para tirar conclusões e apresentar resultados consistentes, mas só a repercussão da plataforma Fan2Fan no mercado, na imprensa e na opinião direta dos fãs já representa uma vitória para nós e para o pessoal do Jumbo.

O que é o Direct-to-fan? Pode falar algo?
Será uma plataforma de serviços para artistas e bandas que queiram gerir sua carreira sem muitos intermediários e atingir os fãs de forma direta. A idéia é oferecer ferramentas – como por exemplo o Fan2Fan, mas também serviços no mundo “real” – para que ele possa administrar sua carreira. Isso tudo com o auxílio profissional da Phonobase.

Ano passado o Cérebro teve um problema com a APCM, que tirou um link de um EP, disponibilizado pela própria banda, do 4Shared, o que mostra que talvez a política de varrer links pela web segue apenas critérios quantitativos. Qual a sua visão do episódio e desse método?
Quando isso aconteceu, deixamos claro que somos a favor dos direitos autorais e sua proteção, mas contra ações de “terrorismo autoral” que parecem nem ao menos tentar entender como e para onde está caminhando o mercado de música. Ações como essa ao invés de alimentar uma cultura do “pague pela música que você gosta” geram mais argumentos para que as pessoas não comprem música, pois elas são tratadas como bandidos e não como consumidores em potencial. É uma estratégia burra e imbecil a de processar os próprios clientes, isso só os afasta mais ainda.

Estamos passando por um momento de transição no mercado fonográfico. Você acha que esse modelo que conhecemos hoje e que reinou por décadas pode sobreviver ainda ou está fadado a morrer?
O modelo baseado exclusivamente na venda de cópias físicas está sim fadado a morrer. É só olhar os números. Mas isso não quer dizer que ele não possa conviver com outras formas, métodos e modelos. Como dizem por aí, acredito que a indústria deixará de vender cópias para vender serviços.

Qual é o melhor modelo de negócio com música?
O período de “caça ao novo modelo” está aberto já há algum tempo e eu realmente acho que não existe o modelo único, aplicável a todos. Isso é tudo o que a “velha” indústria quer: um modelo substituto que possibilite os mesmos ganhos de 20 anos atrás. Desse ponto de vista, é engraçado ver a dita “nova indústria” também entrar na caça ao modelo único. O paradigma é não ter mais paradigma. Vamos voltar a ter um relacionamento mais próximo com o artista e montar modelos customizados para cada um deles, de acordo com a fase da carreira em que ele se encontra e, mais importante, de acordo com sua proposta artística seja ela “indie” ou “mainstream”. E isso inclui tudo: direitos autorais, shows, produtos físicos e digitais, licenciamentos, parcerias com outras empresas, etc.

Sobre a questão do download levatanda pelo Zero Quatro recentemente. O download de MP3 grátis pode ser prejudicial para bandas independentes também?
Acho que é mais prejudicial para os artistas pequenos e em início de carreira. O Radiohead está em um patamar em que pode perguntar quanto você quer pagar pelo download, pois uma base de milhões de fãs garante que pelo menos alguns milhares irão pagar. Além disso, no caso do Radiohead, também já estava previsto o lançamento do CD, da edição especial, da versão com as músicas que ficaram de fora, e mesmo que todos os milhões de fãs não tivessem pago pelo download, uma renda significativa estaria garantida com a venda desses produtos.

Apesar do discurso vigente de que as novas tecnologias de produção musical reduziram bastante o custo de gravação de um álbum (o que é relativo), a verdade é que uma produção com qualidade, em um bom estúdio, pagando todos os músicos, técnicos e equipe, montando um plano de divulgação mínimo, etc, tem um custo significativo que certamente não se aproxima do zero. Além disso, a “facilidade” de distribuição pela internet trouxe um outro problema que também requer investimento: chamar a atenção do público. Sinceramente, não acredito na fórmula “grave em casa, coloque no MySpace e aguarde o sucesso”. Isso é mentira. O único que ganha alguma coisa com isso é o MySpace.

De outro lado, acho que só um relacionamento mais próximo com a base de fãs, de uma forma em que ele se sinta “parceiro” da banda pode fazer com que ele pague alguma coisa pela música. Gosto muito de projetos como o Sellaband e o ArtistShare em que o fã é chamado para ajudar a financiar um álbum. Não é um modelo, mas uma ferramenta interessante.

Tanto no lançamento do Cérebro como no do Jumbo vocês colocaram várias formas da pessoa comprar, ou até podendo baixar de graça, dependendo da qualidade do áudio. As pessoas pagam para baixar com mais qualidade?
No caso do Cérebro a estratégia estava voltada para uma gama de produtos físicos (ainda que também tenhamos disponibilizado versões digitais) que ia de um cartão de download, passando por duas versões do CD (uma mais simples e outra em embalagem digipack com conteúdos extras) e chegando a uma caixa com conteúdos exclusivos e tiragem limitada. Nesse projeto concluimos que existe público para cada um desses formatos. Todos os produtos venderam bem e, de certa maneira, a venda de cada um deles estava ligada ao tipo de relacionamento que a pessoa tinha com a banda. Os cartões de download venderam muito bem pela internet para um público que estava conhecendo a banda e as caixas venderam bastante para pessoas que já conheciam o Cérebro há mais tempo e queriam “possuir” algo exclusivo.

Para o Jumbo Elektro nos concentramos mais nos produtos digitais e, como disse antes, foi um “experimento” para ver como funcionaria. Até agora, pouco depois do lançamento, vendemos algumas unidades do MP3 em 320kbps e também do FLAC, além do CD que também vendeu. O WAVE ainda não saiu. Obviamente, o download gratuito é o mais procurado. Mas ainda é cedo para demais para avaliar.

Acha que esse modelo é viável?
A estratégia usada para o Cérebro é viável e vamos repeti-la no próximo álbum. Dessa forma você atinge uma gama maior de consumidores que vai do cara que só quer conhecer a banda (e faz o download gratuito) até aquele que já possui alguma relação com o artista e quer guardar uma lembrança, levar um “souvenir”, seja ele o CD, uma camiseta, um adesivo, uma caixa ou um álbum digital com qualidade superior. No caso do Jumbo, precisamos esperar mais um pouco pra saber como a estratégia vai se comportar

Há quem diga que o download deve acabar em algum tempo, tudo vai partir pro streaming. Concorda? Como isso pode impactar esse modelo independente?
Eu acho que as coisas irão conviver. Download, streaming, CD, vinil, produtos de merchandise, etc. A somatória disso tudo é que possibilitará ao artista e seus parceiros obterem uma renda com o fonograma e com a “marca”.

Você se posicionou contra o patrocínio público de arte no twitter. Por quê?
Não sou contrário às Leis de Incentivo, apenas fiz uma ressalva de que alguns  projetos financiados com dinheiro público deveriam ser como um Plano de Negócios no qual você precisa comprovar, a médio ou longo prazo, sua capacidade de auto-suficiência. Funcionaria, portanto, como um mecanismo de financiamento bancário ou via investidor só que a fundo perdido. Mas todas as obrigações e responsabilidade contidas em um Business Plan estariam ali e solicitações futuras estariam condicionadas à apresentação de resultados. Caso contrário, a lei não estimula a capacidade empreendedora do “proponente” e se transforma em um ciclo de dependência que condiciona a produção à captação de recursos. Contrapartida pra mim é capacidade empreendedora e de auto-suficiência. Por isso não concordo com os incentivos dados a grandes artistas como Ivete Sangalo e Caetano Veloso. Eles são auto-suficientes e, nesse caso, a lei funciona apenas como um mecanismo de aumentar a renda liquída desses artistas.

Como fazer o financiamento então?
No início de um projeto, o financiamento pode – e talvez seja necessário – ser feito pelas Leis de Incentivo contanto que preveja a apresentação de um plano de auto-suficiência minimamente executável e que estejam definidas algumas responsabilidades básicas. O que me incomoda é o “ciclo da dependência” que essas leis acabam possibilitando.

Por exemplo, o CD do Cérebro teve uma caixa especial com um monte de material especial. Fica muito caro bancar isso? E se paga só com venda?
É bom dizer que não usamos nenhuma lei de incentivo para o “Pareço Moderno”. A Phonobase e a banda financiaram o projeto todo com recursos próprios. Obviamente fica mais caro fazer as caixas do que simplesmente mandar prensar os CDs, mas nesse caso o projeto todo funcionou organicamente unindo a estratégia de marketing à concepção e venda dos produtos. Pensando somente na venda, após quase 2 anos do lançamento, o caixa ficou deficitário em cerca de R$4.000,00. Mas se contarmos as receitas com direitos autorais e shows, o projeto deu lucro. Com o Cérebro Eletrônico temos um plano de médio e longo prazo e nossa expectativa é que os produtos do próximo álbum da banda se paguem apenas com a venda. Isso está no Business Plan que fizemos para o Cérebro.

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Tiago Agostini é jornalista e assina o blog A Day in The Life

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