Texto e fotos por Marcelo Costa
Seis anos após o fim oficial do Los Hermanos (descontadas três reuniões para shows esporádicos em 2009, 2010 e 2012), Rodrigo Amarante finalmente estreou solo lançando “Cavalo”, seu aguardado primeiro álbum, no primeiro de três shows sold out no SESC Pompeia, em São Paulo (os ingressos para as três apresentações esgotaram-se no mesmo dia em que foram colocados à venda), em uma noite marcada pelo silêncio, pela saudade proporcionada pelo exílio e pela total ausência de canções de sua antiga banda no repertório.
Pouco depois das 21h, o compositor pisou no palco sozinho e, munido apenas de violão, tocou uma das canções mais emblemáticas de seu álbum de estreia, “Irene”, faixa que cita a canção homônima de Caetano Veloso (que também versa sobre exílio) enquanto vasculha a saudade de pessoas que o personagem da letra já nem lembra o nome, mas não esquece o rosto. A Choperia do SESC Pompeia, um dos lugares mais agradáveis para se assistir a shows em São Paulo, estava impressionantemente silenciosa, o que valorizava a nudez dos arranjos.
Logo na segunda canção, “Nada Em Vão”, o quarteto que irá acompanha-lo durante boa parte do show adentra o palco, e, alternando-se entre instrumentos, mas mantendo a economia dos arranjos, Gabriel Bubu (baixo, guitarra, teclado, percussão, voz), Gustavo Benjão (guitarra, baixo, MPC, percussão, voz), Lucas Vasconcellos (teclado, MPC, percussão, voz) e Rodrigo Barba (bateria) criam um painel sonoro que remete ao primeiro disco de Marcelo Camelo, “Sou” (2008), quando o ex-parceiro era acompanhado pela banda paulistana Hurtmold, instalando aqui a primeira grande constatação do show (e, por conseguinte, do disco): quando, em abril de 2007, o Los Hermanos anunciou um hiato na carreira para que os integrantes se dedicassem a outras atividades explicitando uma ruptura musical que já vinha mostrando sinais de rachadura no último álbum do quarteto, “4” (2005), quem poderia esperar que, oito anos depois, Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo estivessem tão próximos musicalmente.
A festa silenciosa segue com “O Cometa”, escrita para o poeta e escritor Ericson Pires, morto em 2012, e, ao final, parecendo sinceramente surpreso com os aplausos do público, Amarante desabafa, feliz: “Tô doido. Esperei tanto tempo para estar aqui com vocês e… tô doido!”. A sensação, que se seguirá por todo o show, é de que o fantasma do Los Hermanos deve tê-lo assombrado por noites e noites a fio, pois a visível surpresa no semblante do músico diante de uma plateia devota praticamente explica a demora na produção e lançamento de “Cavalo”: Rodrigo Amarante soa inseguro em enfrentar o passado, e os sorrisos dos fãs no gargarejo deixam o show mais leve, ainda que eles não venham a ter o que tanto desejam, e nisso Amarante é decidido: “Tem um monte de música nova, tá”, diz sorridente para uma fã que pede uma canção de sua ex-banda.
O repertório da noite reúne 17 canções incluindo as 11 de “Cavalo”, mais “Um Milhão”, tocada pela primeira vez na turnê de reunião dos Los Hermanos em 2012, e recebida com gritos por alguns poucos que a reconheceram, e números “mais novos do que o disco”, como apresentou Amarante ao cantar as três inéditas “Dancing”, “Idle Eyes” e “Wood and Graphite”. O som que sai das caixas é suave, melódico e melancólico, com um pé na MPB hippie dos anos 70 de Caetano, Zé Ramalho e Fagner, e outra no universo também hippie do amigo Devendra Banhart (há certa proximidade de “Cavalo” com “Mala”, o disco lançado por Devendra em 2013).
O show segue calmo e, por vezes, arrastado, e quando parece que Amarante não irá conseguir chegar ao final da noite, surgem os dois momentos mais festejados do show: “Vou tocar uma música que vocês conhecem, mas que não é minha”, ele diz, e essa é a deixa para que a paulistana “Augusta, Angélica e Consolação” retire o público do transe, e gritos se ouvem no local, com direito a pessoas cantando a velha canção de Tom Zé com a mão no lado esquerdo do peito – não deixa de ser sintomático que Amarante homenageie São Paulo ao mesmo tempo em que canta uma letra magnifica que resume o estado de perdição do narrador: “Quando eu vi que o Largo dos Aflitos não era bastante largo pra caber minha aflição / Eu fui morar na Estação da Luz porque estava tudo escuro dentro do meu coração”. O que aparece cifrado em “Cavalo” surge explicito na cover de Tom Zé, que traz ao cabo “Maná”, batucada que faz o público dançar, e que sugere um namoro com “Os Afrosambas”, de Vinicius e Baden Powell (“Cavalo”, inclusive, é a figura do médium nos cultos afro-brasileiros, a pessoa que serve de veículo a entidades). Mais duas canções (“The Ribbon” e “Tardei”) e Amarante se despede para voltar rapidamente para o bis que, para felicidade dos fãs presentes, traz “Evaporar”, canção que encerra o único álbum do projeto Little Joy – e o show.
De pé, reverenciando a plateia, Rodrigo Amarante agradece o público – “Obrigado pela chance” – e parte para os camarins parecendo desconhecer (ou desejando ignorar) seu importante papel ao lado do Los Hermanos na história recente da música brasileira. Tanto o show quanto o disco transpiram insegurança, o que de certa forma casa com o discurso de exílio do novo repertório, já que ao construir uma nova identidade em um novo país, o novo eu se reconstrói admirando o passado por um novo prisma, e sente saudade, e sente medo (os fantasmas sempre vão estar lá).
Durante a noite inteira, boa parte do público do SESC Pompeia esteve nas mãos de Amarante, mas ele ainda parece não estar acostumado a isso, ou não se sente à vontade. Melancólico, saudoso e vazio, “Cavalo” é mais do que a estreia solo de Rodrigo Amarante: é o disco que o afasta definitivamente do Los Hermanos. A questão agora é saber: até quando os velhos fãs vão continuar pedindo “Sentimental”, “O Vento” e “Último Romance” nos shows? Até quando os velhos fãs vão ficar atados a fantasmas? Assustado, mas decidido, Rodrigo Amarante quer seguir em frente. Resta esperar para ver se seu público irá segui-lo.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne