por Marcelo Costa
O Brasil leva a fama pelo resto do mundo de ser o país do samba, mesmo que o ritmo esteja longe de ser característico e representativo de capitais dispares como São Paulo, Porto Alegre, Goiânia, Brasília e Rio Branco. A França – no geral, e Paris em particular – carrega a fama de ser a terra dos amantes. Em uma das cenas de “Bonecas Russas” (seqüência de “Albergue Espanhol”), um dos estudantes ingleses, assim que pisa em Paris, pára uma garota na rua e pergunta: “Você quer dormir comigo”. A garota o deixa falando sozinho enquanto ele comenta com o amigo que sempre sonhou fazer isso, afinal, a fama das francesas ultrapassa fronteiras.
Em seu segundo filme como diretora, a atriz (roteirista e produtora) Julie Delpy amplifica essa fama apoiando em duas vertentes do cinema cômico: a comédia romântica tradicional (e tagarela, cujo grande influência de Delpy é “Annie Hall”, de Woody Allen) e a comédia de costumes, mostrando que Paris tem muito a ensinar a Jack (Adam Goldberg), um decorador de interiores que namora uma fotógrafa francesa, mas não sabe falar quase nada de francês. Delpy usa até a cena clássica do estrangeiro que vai pedir um lanche em uma rede de fast foods (tipo McDonalds) para ilustrar a disparidade das línguas e culturas.
Julie Delpy interpreta Marion, francesinha que vive em Nova York e namora o americano Jack. O casal completou dois anos de relacionamento, e decidiu reascender “a chama do amor” fazendo uma viagem a Europa. A primeira parada foi Veneza, mas tudo deu errado. Jack, que é hipocondríaco, teve uma gastrite e o casal passou mais tempo brigando do que namorando. Na seqüência eles decidem passar dois dias em Paris, cidade natal de Marion, e a comédia de erros aumenta progressivamente conforme os minutos passam na cidade francesa. Os pais de Marion são um artista plástico cujas obras têm forte apelo sexual (ou só apelo sexual) e uma ex-hippie que traz no currículo um breve affair com Jim Morrison (os dois, pai e mãe de Delpy na vida real).
Algumas características da personalidade francesa são jogadas no colo do espectador com uma sinceridade e comicidade que encantam. A própria atriz parece rir verdadeiramente em várias passagens de seu filme, como nas brigas homéricas no meio da rua que parecem que vão terminar em assassinato, mas acabam em abraços e risos; a valorização da língua pátria, que causa desconforto em Jack, além de render dezenas de cenas hilárias; as greves e a política além da tal fama de cidade romântica, cuja piada no cartaz do filme já desvenda uma das tramas paralelas da história: “Ele sabia que Paris era a cidade dos amantes, mas não sabia que eram todos dela”.
Como produtora, diretora e roteirista, Julie demonstra que aprendeu muito com a dobradinha “Antes do Amanhecer” e “Antes do Por-do-Sol” (neste último, inclusive, ela assina o roteiro com o também ator Ethan Hawke e o diretor Richard Linklater), e é impossível não relacionar “2 Dias em Paris” com a segunda película, já que boa parte de ambos os filmes tratam de relações/discussões amorosas por ruas parisienses. Porém, por mais que o romance seja o ponto de início e fim de “2 Dias em Paris”, grande parte de sua graça se deve ao choque de culturas, fato valorizado devido a atriz transitar com desenvoltura entre as duas línguas, o que lhe permite “brincar” com Bush tanto quanto tirar sarro da fixação sexual dos franceses.
Quando a comédia de costumes dá o tom do filme, “2 Dias em Paris” diverte e entretém. Porém, quando procura discutir o amor, o filme se perde de tal forma que Delpy precisa costurar tudo no final com uma longa narrativa em off, deixando a impressão de que ela tentou fazer em um filme tudo aquilo que Richard Linklater fez em dois. Falta foco para a cineasta, que tenta desenvolver várias subtramas sem se ater diretamente a uma (o choque de línguas, a dificuldade dos relacionamentos, a liberdade sexual, as questões políticas), mas não consegue uni-las a contento no final. Esse deslize na edição e no fechamento, no entanto, não desmerece “2 Dias em Paris”, que abre a possibilidade de uma boa carreira atrás das câmeras para Julie Delpy, e pode ser tão cômico quanto educativo. Para rir e aprender.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne