por Bruno Leonel
O ano era 1997. Um então nem tão conhecido músico ruivo que havia acabado de ficar sem banda (a recém-extinta Kyuss) decidiu começar um novo projeto. Com o dever de casa feio a base de guitarras pesadas e climas viajantes típicos de um estilo que veio a ser conhecido como Stoner rock, o músico pensava em uma nova sonoridade para seu futuro projeto. Era Josh Homme quem começava a rascunhar o que viria a ser o Queens of Stone Age. Vulgarmente o som inicial da banda passou a ser chamado de algo como “rock robô”, devido ao uso predominante de guitarras pesadas e melodias retas com riffs repetidos à exaustão. De início, os “robôs” se mostraram bem aceitos pelo público, e o primeiro álbum do grupo foi uma prova disso. Lançado em 1998 o disco apresentou o som das rainhas ao mundo e começou a chamar atenção do público.
De lá pra cá, houve mais quatro discos e uma evolução sonora impressionante que estabeleceu o QOTSA como uma das bandas mais aclamadas e elogiadas dessa primeira década dos anos 2000. Ao lado de experimentalismos e extravagâncias sonoras, a banda se estabeleceu como autêntico grupo de rock que, de certa maneira, ajuda a manter viva a tradição começada lá nos anos 70 com as bandas de garagem e certa roupagem de descompromisso na intenção de se fazer rock urgente e com uma carga de tensão e sensualidade. Após um período conturbado que incluiu hiato, turnê comemorativa onde a banda revisitou faixas do primeiro disco tocando em pequenos clubes e até um período de internação do vocalista (devido à complicações em uma cirurgia de rotina) eis que em 2011 a banda voltou ao estúdio com expectativas a mil. Moral lá em cima, fãs aguardando, devido reconhecimento do público… Qual seria o próximo passo? Para onde seguir quando já se parece ter atingido o máximo?
Seis anos de silêncio criaram uma expectativa imensa sobre “..Like Clockwork”. Através de canais como a página da banda no Facebook, o QOTSA soltava detalhes da gravação e produção do disco, fato que só aumentava a expectativa dos fãs. A notícia de que nomes como Dave Grohl e Sir Elton John participariam do álbum gerou bastante repercussão. Durante a passagem da banda pelo Brasil, em maio, no Lollapalooza, a banda apresentou a inédita “My God Is The Sun” (assim como o novo baterista, Jon Theodore, ex The Mars Volta, que no álbum só segura as baquetas na faixa título) que já mostrava uma sonoridade diferente, mais orgânica e até suingada. Algo de novo estava por vir.
E veio. “..Like Clockwork” apresenta uma banda soando entrosada e coletiva como nunca. Pela primeira vez na história do QOTSA houve colaboração do guitarrista e tecladista Dean Ferita e do baixista Michael Shumman durante os trabalhos de estúdio, o que conferiu ao disco uma unidade impressionante. O álbum traz canções obscuras e temáticas mais soturnas do que de costume (a ótima “Keep Your Eyes Peeled” e a melancólica “The Vampyre of Time and Memory” são grandes exemplos) ao longo de suas 10 faixas e quase 46 minutos de duração mostrando uma verve sensual nada inocente da banda, com vocais e arranjos ora emulando um eu lírico sedutor, ora mostrando um lado mais cafajeste do vocalista Josh Homme, quase uma trilha sonora para noitadas de bebedeira na cidade ou em uma grande viagem, dirigindo a noite pelo meio do deserto.
A coletividade do disco chega a ser extravagante. Não bastasse a banda já soar incendiária por si só, as rainhas nesse trabalho se muniram até os dentes de convidados especiais. A lista é extensa: Mark Lanegan canta em “If I Had a Tail” e divide a autoria de “Fairweather Friends” com Homme. Alex “Arctic Monkeys” Turner (com quem Josh Homme vem trabalhando desde o álbum “Humbug”, de 2009) coloca seus vocais a serviço do QOTSA em “If I Had a Tail” além de assinar a letra de uma das melhores canções do disco, “Kalopsia” (que conta com vocais de Trent Reznor, que também faz backings em “Fairweather Friends”, que traz Elton John ao piano). Dave Grohl toca bateria em cinco faixas do álbum (as quatro restantes ficaram a cargo de Joey Castillo, que deixou a banda no fim do ano passado). O menage musical não para. Brody Dale (esposa de Homme e conhecida por ter sido lider do Distillers, um sub-Hole com mais foco e menos sucesso) também marca presença ao lado de Jake Shears (Scissor Sisters) e do ex-integrante Nick Olivieri entre os créditos do álbum.
São vários os destaques de “..Like Clockwork”. A canção “Smooth Sailing” tem clima meio western e uma levada semelhante à de “Make It Wit Chu”, do disco anterior, “Era Vulgaris” (2007). “Fairweather Friends” tem clima envolvente com vários solos de guitarra e um refrão digno de clássico do rock, pra virar clássico mesmo (talvez no futuro seja lembrada como um). O riff de guitarra mastigado da viciante “I Sat By The Ocean” remete a “Coffee and TV”, do Blur, enquanto a faixa título é uma balada de início frágil, que se transforma num rockão de arena ali pelos dois minutos e traz o recado mais incisivo do disco: “Uma coisa está clara: é tudo ladeira abaixo daqui em diante”.
O clima meio cabaré/ rock-retrô típico de sonoridades dos anos 60 permeia grande parte do disco e só aumenta o clima intimista das faixas – talvez resultado da turnê de 2011 feita em pequenos clubes – o que definitivamente dá uma carga mais humanizada ao trabalho. A expectativa valeu a pena e, ao que tudo indica, Josh Homme parece estar em uma das fases mais inspiradas de sua carreira. Em “..Like Clockwork”, as rainhas deixaram de lado o “stoner” e a testosterona para abraçar referências mais femininas e plurais, com menos peso e velocidade e mais profundidade do conjunto. Fizeram um disco não para os homens barbudos das primeiras fileiras dos shows, mas para a mulherada que invade o camarim a cada apresentação. O resultado é um dos trabalhos mais coesos e bem equilibrados da banda, e que encontrou resposta positiva e merecida nas paradas de sucesso: 1º no ranking da Billboard entre os mais vendidos nos EUA – primeiro disco do QOTSA a conseguir tal feito. Agora é esperar para ver como esse repertório funciona ao vivo. Será que eles demoram muito para voltar ao Brasil?
– Bruno Leonel é colaborador da webradio Alma Londrina.
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Belo texto! Não tinha dúvidas que ouviríamos um puta disco! Ao ouvir “My God is the Sun” não tinha como não lembrar daquele show incrível no Lollapalloza e de ter escutado essa música antes de todo mundo! Que voltem logo pra cá com um show só deles. Nada mais justo para os fãs e para uma banda dessas!
Concordo com o belo texto. Minha grande dúvida é sobre as músicas do álbum novo ao vivo!!!