por Plynio Nava
A trajetória do Thomas Fec é um tour de force. Cada gesto habilidoso do músico, sempre afeito a intervenções, indica não somente uma constante profusão de idéias, mas de personas. No início de 90, ele era Allegheny White Fish, um enigmático protagonista que distribuia ao mundo sua abstração musical, investindo no noise como poética. Logo depois, o satanstompingcaterpillars surge como um novo conceito, afirmando a indisposição de Fec com o trabalho anterior ao apostar em sonoridades melódicas e palatáveis.
A reviravolta musical,é claro, deixa indícios, mas atualiza o enigma: Thomas Fec despede-se de Allegheny White Fish para incorporar Tobacco, personagem invariavelmente indecifrável que ganha notoriedade através de seu mais conhecido projeto musical: o Black Moth Super Rainbow.
O grupo, que nasceu nos anos 2000 em Pittsburgh, possui quatro álbuns e é partícipe de novos nichos musicais, sendo constantemente relacionado à nova psicodelia. Sua sonoridade, que traz consigo uma espécie de futurismo vintage, é amparada pelos pianos Rhodes, mellotrons, vocoders e synths analógicos, que são a marca registrada do grupo – que tem em sua formação The Seven Fields of Aphelion, Iffernaut, Ryan Graveface e Bullsmear, pseudônimos nada peculiares para um projeto idem .
Presenças fundamentais em festivais como WIDR Barking Tuna Susquatch! Music Festival e South by Southwest, dividem-se entre projetos solos de seus membros, parcerias como grupos como Octopus Project e turnês com The Flaming Lips. Neste segundo semestre de 2012, o grupo lançou “Cobra Juicy”, disco que redefine temáticas, mas que conserva a identidade musical que caracteriza a carreira do Black Moth Super Rainbow.
“Cobra Juicy” surge financiado por uma campanha idealizada por Tobacco no início de julho, que consistia em arrecadar fundos através da promoção de shows, distribuição de EPs e download de singles. A idéia foi um sucesso e possibilitou o lançamento do álbum, que chegou às lojas dia 23 de outubro.
Lançado pelo selo Rad Cult, “Cobra Juicy” sinaliza uma nova inquietude do grupo de Thomas Fac. Pedindo emprestadas influências do glam e do rap, o Black Moth Super Rainbow assimila temáticas mais urbanas, que se divorciam do perfil mais lúdico que os definia em álbuns como “Falling Through a Field” e “Eating Us”. Nenhum ônus: “Cobra Juicy” opera como um lugar de passagem: as intervenções presentes no disco, mais do que ilustrar rupturas, ampliam o universo conceitual de um grupo cuja originalidade consiste em administrar mudanças sem efetuar prejuízos ao seu estilo, como atestam as faixas “Windshied Smasher” e “Hairspray Heart”.
De certa forma, o Black Moth Super Rainbow parece crescer para dentro: sua musicalidade, que assim como o ska e o math rock, é tecida a partir de uma frase musical simplificada, reitera a opção por um estilo cuja flexibilidade dos arranjos sempre indica um norte autoral. “Cobra Juicy” despede-se do impressionismo silvícola dos álbuns antecessores para ambientar-se nas pistas de dança.
Em “Gangs in the Garden” essa decisão confirma seu êxito: uma balada electro que usa do velho sistema simplista de beats para integrar o conceito de um projeto que captura os signos da cultura de massa, dispersos numa paisagem iluminada pela lisergia. Em “We Burn”, o grupo abusa do bootle neck numa canção lo-fi que remete aos primeiros álbuns do Beck (figurão que já elencou parcerias com Tobacco no álbum solo “Maniac Meat”). Por fim, vale conferir a faixa “Spraypaint”, uma baladinha onde o vocoder é o link que mantém a unidade estética do grupo.
“Cobra Juicy” é um álbum-referência para discorrer sobre a trajetória do Black Moth Super Rainbow. Não por ser o último, mas por interagir com novas influências sem apagar uma marca de estilo. Pelo contrário, reitera as considerações do seu mentor Thomas Fec, ao considerar a mudança como um caminho sinuoso, um trajeto que privilegia a ousadia em detrimento da exaustão.
– Plynio Nava (@PlynioNava) é músico e jornalista. Apresenta o programa Sampler, na Rádio Universidade FM.