texto por Elson Barbosa
fotos por Liliane Callegari
Jair Naves é um artista inquieto. Da primeira metade de sua carreira à frente da extinta Ludovic – responsáveis por alguns dos shows mais intensos e violentos do underground paulista – até a fase atual, mais lírica e intimista, muita coisa mudou. “Araguari”, seu elogiado EP solo de 2010, já dava as pistas, com suas letras de amor e desilusões ao violão. Agora o músico paulista lança seu primeiro álbum completo e de título quilométrico – “E você se sente numa cela escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com as próprias unhas”. Apesar do nome forte, Jair diz que é o disco mais leve e otimista que já fez. Baladas como “Poucas Palavras Bastam”, “Maria Lúcia, Santa Cecília e Eu” e “A Meu Ver” atestam a opinião do compositor, enquanto “Pronto Para Morrer” – o primeiro single tirado do álbum – traz uma batida mais forte, lembrando sua extinta banda. “Apesar da sonoridade leve, ele é um anti-pop-rock”, define. As mudanças só fazem enriquecer seu trabalho: “Eu percebo que as pessoas ficam meio sem saber o que pensar. Eu acho muito massa isso”.
Suas letras continuam tendo uma força incomum no cenário brasileiro. Não são tão diretas como na época do Ludovic, mas ainda soam complexas. “Continua sendo tudo muito pessoal, mas talvez não tão explícito mesmo”, ele comenta, e completa: “Busquei nas letras fazer a mesma coisa que a gente faz musicalmente, que é abrir o leque o máximo possível, e não fazer sempre a mesma abordagem”. E mesmo com o tom leve do disco, o músico não facilita: “Na hora de fazer música ou escolher algum clipe eu não escolho qual tem o refrão mais assobiável. Eu posso estar muito errado fazendo isso, mas é como eu acho que tem que ser”, assume, dando o tom do álbum.
A entrevista abaixo foi gravada no apartamento do músico, em um feriado ensolarado em São Paulo. Conversar sobre música com ele é um praze, pois Jair Naves é um artista que pesquisa, ouve de tudo, lê de tudo, frequenta shows de outras bandas. A decoração do apartamento entrega – uma mesinha de canto guarda diversos livros e revistas importadas de música. Ainda com o gravador desligado, conversamos sobre Patti Smith, Om, Ringo Deathstarr [banda obscura que havia tocado em SP alguns dias antes], e outros nomes do cenário independente atual. Com o gravador ligado, falamos sobre as gravações do disco novo, letras e títulos de música inusitados, dificuldades na carreira artística, e a preparação para uma série de shows só com voz e violão – “pra mim o preceito básico do punk rock, faça você mesmo com o mínimo de condições possíveis”. Com vocês, Jair Naves:
Vamos começar falando do disco novo. Até anotei o título porque não consegui decorar (risos): “E você se sente numa cela escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com as próprias unhas”. Ouvindo o disco até procurei esse trecho em alguma letra e não achei…
O título veio de uma frase de uma das músicas que a gente chegou a gravar, mas não entrou no disco. Mesmo não tendo entrado, achei que resumia muito bem o espírito do disco. E é um título que as pessoas têm interpretado de uma forma meio mórbida, como se fosse uma espécie de niilismo. Na verdade é o oposto. Acho que esse é o disco mais leve e otimista que eu já fiz – claro que tendo em vista que meu passado não é muita coisa (risos). Mas é um disco mais leve mesmo. E a ideia que esse título me passa é de um inconformismo e inquietação muito grandes. De você não estar satisfeito com a sua vida, com o seu cotidiano, com o seu emprego, com o seu rumo profissional ou afetivo, e você querer mudar isso de qualquer forma e apelar para o último dos recursos, que é o equivalente a cavar o chão com as próprias unhas. Eu queria ter conseguido me expressar melhor para as pessoas captarem isso, mas ainda assim eu gosto dessa imagem.
É uma imagem forte mesmo.
É. E eu ainda gosto do fato de ser longo. Eu sempre compus músicas muito longas. O Ludovic tinha uma música chamada “Teoria e Prática na Voz de um Veterano Ofegante”, e eu tenho outra chamada “Minha Cúmplice, Minha Irmã, Minha Amante” [já da carreira solo], e pensei que um nome de disco longo assim seria interessante. Não acontece muito. Até procurei uns paralelos. Um recente que foi bem-sucedido é o da Fiona Apple [“The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do”]. Tem o do Emicida também [“Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe…”], outros do Bright Eyes, Bruce Springsteen…
Os Smiths tinham vários títulos longos.
Sim, vários. Discos nem tanto, mas tinham “Please Please Please Let Me Get What I Want”, e outras. E eu gosto assim, acho que instiga a curiosidade das pessoas.
Uma coisa que observei sobre as letras é que você normalmente não escolhe o título mais fácil de lembrar, tirado do refrão. Você pega uma frase tirada lá do meio da música ou até inventa outro título, algo que não é muito comum no pop rock.
É, mas a grande coisa desse novo projeto é que apesar da sonoridade leve, ele é um anti-pop-rock. Uma coisa que me influenciou muito, pode até soar meio pedante dizer, é que gosto de nome de pinturas e fotografias. Porque geralmente eles pegam o sentimento da coisa, e não tem um raciocínio reducionista tipo “quais as duas ou três últimas palavras do refrão” e colocam como título. Normalmente é um título que dá uma ideia geral. Foi o que pensei para o disco e para algumas das músicas. Quando pensei no título da “Pronto Para Morrer” fiquei pensando: “Putz, mas não é bem isso”. Então peguei uma outra frase pra completar o raciocínio [obs: o título completo é “Pronto Para Morrer (O Poder De Uma Mentira Dita Mil Vezes)”].
Mas ao mesmo tempo, essa “Poucas Palavras Bastam”, que foi a que mais gostei do disco, é bem redondinha, bem pop rock.
Sim, acho que a sonoridade é bem mais leve. Mas é mais o raciocínio de quem vai pra essa área de banda pop, de ter uma preocupação muito grande em fazer coisas que se encaixem. Eu acho justamente que é mais divertido você fazer coisas que não são comuns, porque isso acaba sendo mais chamativo. E essa “Poucas Palavras Bastam”, quando eu batizei, foi até um pouco irônico, porque é tudo tão quilométrico, pensei em colocar uma música com esse nome pra dar um quebrada (risos).
Fazendo hoje uma comparação com o Ludovic, suas letras antes eram bem mais diretas, bem mais primeira-pessoa, e hoje são muito mais líricas e metafóricas. O que mudou? Foi uma evolução na hora de se expressar?
Acho que sim. Continua sendo tudo muito pessoal, mas talvez não tão explícito mesmo. Gosto de trabalhar com imagens, pequenas histórias. No Ludovic de fato era mais direto, mas a musicalidade também era mais direta, com músicas de dois ou três minutos. E agora peguei gosto pelas músicas maiores. Pra mim foi um susto ver que no disco novo tem quatro músicas com mais de seis minutos.
Notei isso também.
E pra mim não aparentava. Só quando gravei que notei: “Caralho essa música tem quase sete minutos, como é que pode”. E uma coisa que busquei também nas letras é fazer a mesma coisa que a gente faz musicalmente que é abrir o leque o máximo possível, e não fazer sempre a mesma abordagem. Continua tendo muitas coisas diretas, tem versos que são até difíceis de cantar de tão pessoais. Mas outras coisas eu tento maquiar, tento colocar na terceira pessoa, ou alguma metáfora que seja um pouco mais difícil de entender. Fica menos entediante pra quem ouve.
Peguei pra ler algumas entrevistas antigas em que as pessoas perguntavam sobre interpretações de algumas letras, e notei que as respostas eram sempre algo como: “Olha eu prefiro não falar sobre isso”. Você não gosta muito de interpretar as letras?
Acho que tira a graça. É como você explicar a piada. Não sei, é legal a pessoa dar a sua própria interpretação. Às vezes ela se identifica com aquilo por dar uma interpretação pessoal. Se você fala o que foi que você pensou na hora de escrever pode deixar de ter a graça. Tentando pensar em algum exemplo… Ah “Brown Sugar” [dos Rolling Stones]. Sempre achei que era sobre heroína, e na verdade era alguma história sobre a escravidão dos EUA, em que o “brown sugar” na verdade eram as mulheres negras.
Sério? Eu achava que era heroína mesmo.
Eu sempre achei também. Ou isso era uma outra interpretação que inventaram. Mas parece que o Mick Jagger falava que era uma história bem mais suja do que parece. E quando eu soube disso pensei: “Ah, não é tão legal”. Então prefiro ficar na minha e não estragar a interpretação.
E como foi a gravação do disco?
Foi ótima. Foi o disco mais tranquilo de gravar. A gente chegou com uma ideia de ser muito orgânico e revelador, mesmo que não fosse muito positivo. Então não teve pós-edição, não teve autotune, não teve nada. Teve uma ou outra coisa só que a gente fez, mas era mais fade-out, essas coisas assim, então foi um disco muito orgânico mesmo. Eu estava muito bem cercado, os músicos que tocam comigo são muito bons. O Babalu na bateria, o Renato Ribeiro na guitarra, o Molinari (que era o baixista da The Name) e o Alexandre Xavier – que tocava piano comigo. Todos muito bons. Então foi bem rápido e bem tranquilo. E o Fernando Sanches conduziu muito bem, foi muito bom gravar com ele. Nunca tinha gravado com alguém que entendesse de rock de fato. Quase tudo que gravei na vida, com o Ludovic e solo, foi com pessoas que não dominavam a linguagem de rock. Então a gente ficava quebrando a cabeça pra descobrir as coisas por conta própria. E nesse eu falava: “Ah, eu quero uma sujeira de guitarra tipo das baladas do Replacements no ‘Let It Be'”, e ele sabia o que era e no ato fazia. Isso muda tudo, o cara ter a mesma referência. Foi ótimo. Eu sinto falta dessa transparência. É tudo muito ilusoriamente perfeito hoje em dia. As bandas chegam e ficam editando tanto, parece que está tudo super afinado, não tem uma notinha fora do lugar, não tem um barulho sobrando de voz, nada. E eu acho que o legal de rock é que seja um pouco imperfeito, é o gênero musical que dá mais liberdade pra isso. Você pega os primeiros discos do Led Zeppelin e você ouve o barulho do pedal de bumbo do John Bonham. Eu acho isso muito bom. Então a ideia é que acontecesse isso, e por isso que foi tudo tão rápido e desencanado.
Mas a previsão do disco era pra 2010…
É… primeiro que eu fui muito otimista achando que ia sair em 2010 (risos). E em 2010 a gente tocou muito. A gente adotou uma política de shows que era tocar em qualquer buraco que chamasse. Lógico que isso dificultava o nosso tempo em estúdio. E saiu o “Araguari” [EP lançado em 2010], um disco que falou muito bem por si, muito melhor do que eu esperava até, teve uma repercussão enorme. E era natural que deixasse ele respirar um pouco. Foi até melhor que só saísse dois anos depois porque acabaria saindo alguma coisa parecida. Se eu for gravar um disco daqui a um mês vou dizer as mesmas coisas que eu disse nesse. Não vivi muita coisa desde então. Então foi até melhor que demorasse. E não adianta querer lançar um disco por ano, eu acho que perde muito a qualidade. O ideal é gravar de dois em dois anos. Mesmo um cineasta que lança um filme por ano – Você pega as coisas do Woody Allen, um dos melhores de todos os tempos, acaba sendo muito oscilante de qualidade. Eu nem sei se tem muitos músicos que lançam um disco por ano.
Acho que as bandas mais lo-fi conseguem. O Guided By Voices sempre lança um disco atrás do outro.
E é outra época também. Você pensa que os Beatles fizeram tudo aquilo em sete anos, é muito assustador.
Eles lançavam dois ou três discos por ano, e o compacto que lançavam não entrava no disco.
É demais. Mas era outro tipo de mercado fonográfico também. Mas não sou tão produtivo assim, por isso que demorou um pouquinho mais. “Um Passo Por Vez” e “Minha Cúmplice, Minha Irmã, Minha Amante” [single lançado em 2011] saíram dessa tentativa de fazer um disco logo em sequência, mas a sonoridade era parecida, então acabou sendo melhor que demorasse.
Falando em mercado: Como é a sua situação hoje, você consegue viver de música?
Estou tentando chegar lá, mas ainda não consigo. Sou muito desorganizado, não sou associado à Abramus, essas coisas, até hoje. Mas acho que é bem difícil. Eu quero chegar lá, mas ao mesmo tempo é um pouco libertador você não colocar toda a expectativa de seu sustento na música. Cai naquele negócio de pop rock que a gente estava falando. Eu tenho amigos talentosíssimos que foram tocar em banda cover porque querem fazer só música, mas daí perde o sentido pra mim. Música é um meio de expressão, não uma finalidade em si. Cada um faz a sua escolha e não há nada de errado em tocar cover, claro – só não é pra mim, mesmo porque eu não sei se conseguiria tocar com perfeição músicas de outras pessoas (risos). Eu prefiro ter outro emprego, r musicalmente fazer alguma coisa que eu me sinta verdadeiro e honesto comigo.
Dá pra citar umas aspas aqui. Eu li o “Our Band Could Be Your Life”, do Michael Azerrad, e anotei uma frase do Santiago Durango, ex-guitarrista do Big Black: “Quando você começa a fazer música pensando em ganhar dinheiro, você passa a fazer música pelas razões erradas”.
E não parece nem muito inteligente. Eu vejo as pessoas que se sustentam com música, elas fazem o que gostam mesmo. Putz, me lembro quando surgiu o CPM22 assinando com uma grande gravadora, um monte de roqueiro velho foi tocar hardcore melódico em português, “não, a gente vai tentar virar e…”. As pessoas sentem isso. Acho que o grande segredo é você nunca subestimar a inteligência das pessoas. Você querer vender alguma coisa que não é honesta. Foi a mesma coisa quando o Cansei de Ser Sexy estourou, o Bonde do Rolê… Agora tem a Nova MPB que tem uma visibilidade, e muita gente tenta ir por esse caminho meio forçando a barra. Não sei, eu vejo as coisas que dão certo, as pessoas que vivem disso no meio independente apostando em coisas completamente inviáveis do ponto de vista comercial… as pessoas precisam aprender que não existe só o modelo de gestão dos grandes figurões tipo Rick Bonadio.
https://youtube.com/watch?v=9UVIWvD5hBw
Mas ele também está formatando um produto né. Não é propriamente arte. Eu consigo comparar com sei lá, um sabão em pó. Você tem que definir qual a embalagem, qual o público alvo…
Eu acho totalmente válido. Não acho também que seja nenhum demérito tocar em banda cover como a gente estava falando. Se o cara gosta de fazer isso, se sente bem, se sente melhor do que ter um emprego convencional, está ótimo pra ele. É que eu tenho uma relação meio romântica, eu cresci lendo biografias das bandas que gosto, tipo o “Our Band Could Be Your Life” romantizando a cena punk rock. Pego as bandas que gosto e quase todas eram mal sucedidas comercialmente. Tipo Velvet Underground, que quase não vendia discos. Mission of Burma, ou Replacements que foi um fiasco e tinha tudo para ser a maior banda. Das bandas brasileiras eu gosto de coisas tipo Vzyadoq Moe… Eu já comecei errado na escolha de parâmetros (risos).
Eu estava lendo a história do Slint, e diz que eles fizeram trinta shows até acabar a banda. Depois voltaram para uma turnê e tal, mas fazer trinta shows no auge da banda não é nada.
É muito pouco mesmo. Tem uma série de casos. O Mark Sandman só foi ter algum reconhecimento depois dos quarenta. Não sei, você tem acesso a música, eu tenho, a maioria das pessoas com quem eu convivo mais de perto tem, e não temos aquela preocupação com nicho ou tendência ou o que as pessoas vão querer ouvir. Na hora de fazer música ou escolher algum clipe eu não escolho qual tem o refrão mais assobiável. Eu posso estar muito errado fazendo isso, mas é como eu acho que tem que ser. Espero que algum dia dê algum resultado.
Outra coisa que observei reouvindo os discos do Ludovic: No encarte do “Idioma Morto” tem agradecimentos pra diversas bandas, e a grande maioria delas já acabou.
É super difícil. Banda de rock normalmente têm pouquíssimo tempo de vida. Tem bandas que se mantêm heroicamente. Aquele show que a gente foi ver sábado passado [Ringo Deathstarr no Lega Itálica, em SP] tinha o The Concept, que deve ter uns quinze anos, e é algo raro. Mas é muito difícil a pessoa se manter nesse meio. Ludovic teve tantas formações, eu nem consigo pensar… Um cara tem filho e desencana, outro cansa de ficar viajando naquele esquema que a gente sabe qual é. É um dado alarmante.
Estava conversando esses dias com o Fernando Lopes, do Floga-se, e a gente chegou à conclusão que bandas hoje muito provavelmente são de pessoas que têm empregos pra se manter. Porque normalmente as coisas já não dão muito certo pra bandas pequenas, e se você tentar dedicar a sua vida nisso…
É a questão de muitas bandas que vêm para São Paulo. Os caras vêm pra tentar viver de banda, então no primeiro mês tem tipo três shows, mas no segundo, terceiro ou quarto mês já não tem show nenhum, e os caras ficam o mês inteiro olhando um pra cara do outro num apartamento, já começa a paranoia de todo tipo… As bandas acabam.
E até sair em turnê, sei lá, ir pro Nordeste tocar em lugares pequenos com pouco público, o tanto que vale a pena.
Acho que vale a pena se você tiver consciência do que você vai passar e do que você vai tirar disso. O Macaco Bong é um dos maiores exemplos de persistência no processo de construção de público.
Eles são um puta exemplo. Na verdade sempre falo que eles são um contra-exemplo: Qualquer teoria que você começa a montar sobre “público não ouve música instrumental” ou “não tem lugar pra tocar” você sempre chega neles pensando “peraí tem o Macaco Bong que fez diferente e deu certo”.
Exatamente, é um exemplo de caras que acreditam no que fazem e vivem disso. O engraçado é que os primeiros shows deles em São Paulo eram pra tipo dez pessoas no antigo Sattva e os caras dormiam na sala da minha casa. Mas eles tinham consciência, não era aquela coisa de “putz, tá vazio, que deprimente, tô com saudade da minha namorada e da comida da minha mãe”. E você pega o “Our Band Could Be Your Life” e as histórias são todas assim. As turnês do Black Flag, que o Henry Rollins conta no “Get In The Van” [audiobook sobre as turnês da banda], era enlouquecedor, inacreditável que os caras passavam por aquelas coisas. É um propósito de vida. A prioridade da minha vida é a música, e tudo gira em torno disso. Se tiver alguma coisa que vai me impossibilitar de tocar eu já descarto. É um projeto bem a longo prazo.
Peguei pra rever o documentário “Araguari, O Que Foi Que Aconteceu?” e também um resumo do “Caso dos Irmãos Naves” que tem no YouTube. Já está provado se eles eram da sua família?
Sim, eles eram primos da minha avó. São todos da mesma cidade, todos os Naves de Araguari tem alguma relação consanguínea. Mas é uma relação tão distante, a minha avó mesmo eu vi pouquíssimas vezes. Eu soube conversando com as pessoas quando a gente foi lá pra esse show que ficou registrado no documentário.
Eu não conhecia a história, comecei a pesquisar e vi o quanto a história é forte.
É bem forte.
E como é pra você pensar que eles eram da sua família? Eu vi as cenas de tortura, eram cenas violentas.
Sim, e no filme o cara até suavizou. Tem um livro do advogado de defesa que descreve com detalhes. As cenas de tortura se fossem filmadas ia ficar uma coisa grotesca. O Luís Sérgio Person [diretor do filme] falou que teve que dar uma suavizada na história. Coisas de violentarem a mãe na frente deles, e as coisas clássicas de tortura na época da ditadura, de choque na genitália e tudo o mais. Mas cara, eu não consigo enxergar muito eles como parentes porque eu não os conheci, nem conheci algum filho ou irmão, mas eu acho que é uma metáfora muito boa para muitas coisas. E essas coisas acontecem hoje em dia né. Se parar pra pensar, o que aconteceu no Pinheirinho foi uma coisa tão monstruosa quanto, ou até pior. Ou quantos policiais-Rambo que tem por aí… É importante falar. O que me fez fazer o “Araguari” foi quando eu vi esse filme. É uma história muito forte, e me senti meio na obrigação de mencionar isso.
Como está sua agenda? Já tem algum show marcado?
Tem um show de lançamento no dia 14 de outubro no CCJ. Vai ser com todos os músicos que gravaram o disco, algo bem especial. E já tem outras coisas fechadas – o Festival LAB em Maceió, outras datas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Alguns deles vão ser com banda completa, e outros vou fazer sozinho. Foi uma coisa que eu experimentei uma vez há bem pouco tempo, e funcionou muito bem, pelo menos naquela ocasião. Eu pretendo fazer mais, porque dá uma liberdade de marcar mais coisas. Alguns músicos que tocam comigo tocam com outras pessoas também, e ficar tocando com substitutos é difícil, acho que perde muito.
Como é fazer show voz e violão?
É bem difícil. Esse show que eu fiz foi numa loja, metade do tamanho dessa sala, bem pequeno. Você não se esconde atrás de massa sonora nenhuma, é só você e o violão. Mas teve uma conexão muito grande com as pessoas, foi bem legal. Sempre gostei de coisas de voz e violão. Um dos discos que eu mais gosto do Bob Dylan é aquele ao vivo no Royal Albert Hall, de 66 [“The Bootleg Series Vol. 4”]. Acho que realmente cria uma conexão muito forte com a plateia. E para mim é o preceito básico do punk rock, faça você mesmo com o mínimo de condições possíveis. Estou bem ansioso com esse Festival LAB, vai ser num teatro. E vou fazer aqui em São Paulo, na Livraria da Vila, nesse esquema também. É legal porque é uma outra leitura pras músicas, e um show completamente diferente.
Estou bem curioso pra ver. Até porque, fazendo um parêntese, eu nunca tive a oportunidade de ver um show do Ludovic. Comecei a acompanhar mais o seu trabalho já na carreira solo. Eu vejo vídeos daquela época e imagino como é fazer o outro extremo, que é tocar só com voz e violão.
Me interesso muito em tentar coisas diferentes. Não é aquela coisa diferente-pelo-diferente, não vou lançar um disco de música eletônica que é uma coisa que eu não ouço. Não sei, muitos artistas que eu gosto e que eu admiro foram mudando bastante durante a carreira. David Bowie, mesmo o Black Flag, eles mudaram demais, e eu acho isso muito saudável. Tudo bem que tiveram grandes bandas que tiveram uma linearidade maior no decorrer da carreira. Mas Bowie, os Beatles, o Radiohead pra citar um caso mais recente, o quanto eles mudaram. E percebo que agora que estou pra lançar esse disco as pessoas ficam meio sem saber o que pensar. Acho muito massa isso. Quando comprei o “OK Computer”, eu já achava o “The Bends” muito diferente do “Pablo Honey”. E era naquela época que a gente não tinha acesso prévio às músicas. A primeira informação que tive do disco foi no ônibus de volta pra casa, lendo as letras e achando tudo muito estranho, o encarte, todo o projeto gráfico era muito diferente. E eu ficava tentando imaginar que tipo de música era aquilo. Já era claro que não era nada tipo o “The Bends”. Isso é uma coisa engraçada, é uma das poucas coisas que eu sinto falta dessa época mais romântica, de consumidor de música. O intervalo entre eu ler uma matéria dos Sex Pistols e ouvir uma gravação deles foi tipo de alguns anos, mas na minha cabeça eu já tinha uma ideia pré-concebida da sonoridade. E eu lembro que quando eu ouvi o disco foi bem decepcionante, porque eu esperava uma coisa muito mais violenta. E isso é uma coisa que eu acho massa. Com o meu trabalho eu gosto de tentar despertar isso de uma forma ou outra. Hoje em dia o cara vai lançar um disco e você já sabe como vai ser o primeiro single, já sabe a capa. É legal dar essa imaginação. Mas acho que me perdi completamente na resposta (risos).
Então vamos voltar ao disco novo: Como será o lançamento? Você comentou que vai ter uma versão em vinil?
O show de lançamento do CD acontece no dia 14/10 no CCJ, em São Paulo. O vinil será lançado no começo do ano que vem, também via Travolta Discos e Popfuzz Records, possivelmente com material extra – provavelmente o single “Um passo por vez” [lançado em 2011] será incluído. A primeira faixa de trabalho é a “Pronto Para Morrer”. Apesar de ser uma das mais difíceis do disco, resume bem os sentimentos explorados nas faixas restantes.
E você comentou que duas músicas não entraram no disco, pretende lançá-las no futuro?
É difícil dizer. Pode ser que elas venham a público, mas também pode ser que fiquem engavetadas definitivamente. Vamos ver como tudo correrá.
– Elson Barbosa toca baixo no Herod Layne e é um dos capos do selo virtual Sinewave
Achei muito boa entrevista. Só discordo desse pensamento que tanto o jair como o entrevistador tem a respeito da Macaco Bong. A banda é o grande cabo eleitoral do FDE e sempre tiveram passe livre nos festivais e eventos ligados a Abrafin. Aqui em Recife rolaram algumas coisas curiosas, como alguns jornalistas que detonaram a Macaco em algumas resenhas e, num passe de mágica, começaram a falar maravilhas a respeito da banda basicamente na mesma época. Não nego que é uma ótima banda, mas tiveram e ainda tem um grande suporte por trás.
Obrigado pelo elogio, Hélio. Mas não tem nenhum link político naquele parágrafo. Só um exemplo de uma ótima banda.
Bah, ótima entrevista. Confesso q fiquei surpreso com o lance do Jair não viver da própria música. Chega a ser ridículo uma situação dessas. Ainda mais depois de toda repercussão q teve esse último disco. Parece q o cenário musical está superlotado. Muita banda, muita oferta e pouca resposta do público e da industria.
Mas afinal, uma curiosidade: e o Jair, vive de que? Bancário, bartender, administra empresas?