por Marcelo Costa
Esqueça a música. Pode soar contraditório (e claro que é) ler um pedido desses no começo de um texto sobre um documentário que acompanha a turnê de uma das principais cantoras pop da atualidade, mas no caso de Katheryn Elizabeth Hudson, conhecida nas bibocas do mundo pop como Katy Perry, a música é apenas coadjuvante (de luxo, já que oito músicas da cantora – de dois discos – bateram no número 1 da Billboard), um trampolim para que Katy fizesse o que realmente gosta de fazer: ser alguém no mundo pop.
Dirigido pela dupla Dan Cutforth e Jane Lipsitz, cujo currículo destaca da série televisiva Top Chef Masters ao documentário “Justin Bieber: Never Say Never” (2011), “Katy Perry: Part of Me” é redondinho e mostra que os diretores leram com atenção o manual do documentarista feliz: nada de longas viagens cinematográficas; o foco da lente é uma das mulheres mais desejadas do mundo (por baixinhos, baixinhas, altinhos e altinhas), e eles estão ali para registrar imagens dos shows, papear com a equipe técnica e contar a história de Katheryn.
Versão moderna dos contos de fada, a história de Katheryn começa numa família de pastores evangélicos. Os pais, Keith e Mary Hudson, são contra músicas seculares, e a vida de Katy é dedicada à religião, e é ali, na congregação, que a menina começa a mostrar seus primeiros dotes de artista: cantando musica gospel. Alguns vídeos dessa época são exibidos em “Katy Perry: Part of Me”, ampliando o alcance do documentário: se a ideia inicial era acompanhar a turnê, no fim acompanhou a transformação de Katheryn Hudson em Katy Perry.
Se Katy Perry existe, a “culpa” é de Alanis Morissette, mais propriamente de “Jagged Little Pill”, álbum que a canadense lançou em junho de 1995, quando Katy tinha apenas 11 anos, mas que sacudiu o universo das adolescentes nos três anos seguintes alcançando a marca de 28 milhões de cópias vendidas até 2000 (já deve estar batendo nos 35 milhões hoje em dia). Todas as garotas queriam ser Alanis, e com Katy não foi diferente. Próximo passo: deixar a casa dos pais e ir atrás do sucesso em… Los Angeles. Puro clichê, mas verdade.
Dan Cutforth e Jane Lipsitz contam a história de Katy Perry didaticamente. Ajuda – e muito – o fato das gravações caseiras em vídeo terem se popularizado no meio dos anos 90 e, principalmente, no começo dos anos 2000. É de uma webcam a primeira aparição de Katy Perry no documentário: a garota olha fixo para a câmera enquanto balbucia palavras sonhadoras. Ela procura Glen Ballard, o descobridor de Alanis, grava um disco com ele que nunca foi lançado, leva um pé na bunda de duas gravadoras, mas finalmente acerta o alvo.
Enquanto conta a história de Katheryn, “Katy Perry: Part of Me” acompanha a turnê milionária da cantora pelo mundo, com o ápice acontecendo justamente em São Paulo, “o maior público da turnê”: é na Chácara do Jóquei que a cantora recebe a notícia que o maridão Russell Brand quer a separação. A câmera flagra o drama de Katy, que parece fragmentar-se em desespero. Mas a heroína decide subir ao palco, canta para 30 mil pessoas, e lamenta por não saber português para retribuir o alvoroço dos fãs.
Kate Perry lembra muito a Xuxa. Ela (ab)usa (d)a sensualidade calculada (antes que você pergunte: não há efeito 3D em seus seios e ela não beija outra garota – uma pena) para seduzir os altinhos enquanto distribui balas e doces para a criançada em cenários coloridos que mais parecem um parque de diversões. Se seguir o caminho da brasileira, talvez num futuro não tão distante venha à TV contar sobre os bastidores de seu casamento desfeito, sobre insuspeitos traumas da adolescência e outras cositas mais. Vá saber.
Se você deixar a música de lado – um pop cheio de músculos, mas vazio de alma – talvez se apegue ao personagem, e corra o risco de comprar como raro o que o roteiro marqueteiro quer vender ao final de 97 minutos: Katy Perry é uma pessoa que veio ao mundo para fazer as pessoas felizes. A música não importa. Importa as pessoas sorrirem (e comprarem discos, CDs e ingressos de shows). Desta forma, “Katy Perry: Part of Me”, mais do que um documentário musical redondinho, é uma aula de marketing pessoal. Katy veio para ficar. Sua música, não.
E quem precisa de música mesmo?
– Marcelo Costa é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne
Uma mulher de peito e nada mais. Nada.