por Tiago Faria
“A Rede Social”, de David Fincher, é o filme que passa na cabeça quando “Take Care”, segundo disco de Aubrey Drake Graham, começa a tocar. Eles não tratam, obviamente, do mesmo tema: o canadense, pra nossa infelicidade, não escreve músicas sobre cutucadas&retuitadas. Mas ele poderia estar (numa outra dimensão?) ali perdido entre os geeks extraordinários de Harvard: vestido num moletom surrado, crescendo e enriquecendo solitariamente diante de um Macbook Air.
Por mais que se queira tratar Drake como apenas mais uma celebridade do R&B, existe algo incomum (e novo) nesse cantor de 25 anos – traços de temperamento que talvez não serão percebidos de imediato por quem trata a música pop comercial americana como um conjunto de fórmulas necessariamente burras e datadas. É que, como os personagens de “A Rede Social”, Drake não se surpreende com nada: e até o dinheiro (e estamos falando de muito dinheiro) se tornou um valor subjetivo demais para livrá-lo do desencanto. É como se ele tivesse nascido exatamente após o fim de uma festa.
“Take Care” segue, sim, uma série de convenções do gênero. Não é um disco arredio, de forma alguma. Tem um punhado de convidados especiais, que possivelmente trocaram arquivos de mp3 via e-mail, e recorre a um repertório de tramas (sobre fama, mulheres, telefonemas constrangedores e a amizade dos bróder) que já nos parece corriqueiro. Mas, análise superficial por análise superficial, “A Rede Social” também pode ser visto como um filme de gênero: um teen movie universitário dos anos 80 com, digamos, diálogos mais velozes e uma subtrama à la fita de tribunal. Ou não?
Quando convidou Trent Reznor (do Nine Inch Nails) para compor a trilha de “A Rede Social”, David Fincher avisou a ele que a música teria um papel essencial no projeto: ela apontaria para uma camada discreta de sentidos que não estava tão visível no roteiro. No que Reznor, atento à conotação soturna do texto, escreveu as harmonias cinzentas que não encontramos numa comédia de John Hughes. Pois a qualidade dessa colaboração é semelhante à que se nota entre Drake e os produtores/compositores Noah “40? Shebib e The Weeknd.
Enquanto Shebib alarga os espaços vazios das faixas (“Over My Dead Body”, que abre o disco, até assusta pela falta de ornamentos: parece uma versão demo), o The Weeknd (o apadrinhado mais famoso do cantor) divide com Drake a mise-en-scene noturna das mixtapes “House of Balloons” e “Thursday”. Essas plataformas sonoras acabam por reforçar, mesmo indiretamente, o que existe de mais instável nos versos de Drake. E, apesar de o cantor insistir que está tudo bem, este não é um disco tranquilo.
A sensação de que o melhor sempre já passou (e já havia passado antes mesmo do disco de estreia, “Thank Me Later”, cuja faixa principal atendia por “Over’), e de que não há mais sonho possível (“who will survive in América?”, perguntaria Kanye West), vaza sem que ele perceba. Num álbum supostamente confessional (o espírito de blogueiro pós-chute-na-bunda afasta o Drake das ‘mentiras sinceras’ do The Weeknd), há muito a ser lido nas entrelinhas. “No fim das contas, somos só eu, eu mesmo e meus milhões”, ele diz, em “Headlines”. Uma conclusão que Mark Zuckerberg possivelmente curtiria.
É nesses momentos de tensão forma/conteúdo que “Take Care” nos lembra como a música pop (a melhor música pop) pode soar, ao mesmo tempo, oportunista e oportuna, superficial e profundamente contemporânea. A colaboração entre Rihanna, Jamie xx e Gil Scott-Heron (na faixa-título) talvez resuma todos os belos curtos-circuitos do disco: um hit cheio de ranhuras, um dubstep farofento que parece oscilar entre o conforto absoluto e uma leve sensação de que alguém entrou no estúdio e, aos 45 do segundo tempo, subverteu o mix. “Vou tomar conta de você”, diz o refrão. Soa um pouquinho irônico.
Entre R. Kelly e James Blake (e mais para a egotrip de “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” que para as dores de cotovelo de “808?s and Heartbreak”), Drake conseguiu criar um disco megacorporativo e ultracomercial, mais confiante e ainda mais pragmático que o anterior. Não há como abandonar, no entanto, uma persona cheia de conflitos e incertezas, que garante ao álbum uma corzinha triste e bem atual; um blue-metálico, apesar dos holofotes quentes e dos efeitos especiais: “Parece que me importo, mas só diante das câmeras”, Drake confessa. E, na real, alguém se importa?
– Tiago Faria (siga @superoito) é jornalista e escreve no http://superoito.com
Leia também:
– Thursday, The Weeknd: um personagem agora completo, por Tiago Faria (aqui)
Acho ‘Over My Dead Body’ uma composição excelente. Tenho a impressão contrária: não de uma música com poucos ornamentos, mas sim de uma com toda a instrumentação elegantemente escolhida e produzida.
Pelamordedeus, que troço ruim, hein… Acho que, assim, até eu vou tentar me dar bem no show businness: é cada mané conseguindo espaço. Música e clips cheio de clichês, voz de pato roco, cara de bundão que vai chorar… que mais falta pra galera se tocar destas fraudes???? Geração bunda mole, vai fundooooooooo…
Drake é bom!
Concordo com Paulo Diógenes, horrível, até me surpreendeu esse site que eu considero como um dos poucos locais da internet brasileira que se fala realmente de música de qualidade, dar espaço a algo tão clichê.
Disco realmente muito bom, melhor que o primeiro dele. Aliás, já aproveito pra sugerir ao blog mais resenhas sobre rap/hip-hop, seria bacana…