por Leonardo Vinhas
“Daytripper” provoca coceira. Diria coceira “na alma”, se alma fosse um conceito pertinente à obra, mas não é. Nem de perto. “Daytripper” é um livro sobre a vida, tão bonito e tocante quanto uma vida – a sua ou a minha – pode ser.
“Daytripper’ é um trabalho em quadrinhos dos gêmeos paulistanos Fábio Moon e Gabriel Ba, com cores do norte-americano Dave Stewart. Moon e Bá são hoje os maiores nomes do quadrinho nacional lá fora. Você talvez os conheça de sua tira para a Folha de São Paulo, “Quase Nada”, ou a partir da série “Umbrella Academmy”, que Moon criou junto com o roteirista Gerard Way (é, o vocalista do My Chemical Romance, cujo trabalho como roteirista está muito à frente de seu talento como compositor).
Cabe dizer também que todas essas informações não dizem nada sobre a obra, e mesmo uma sinopse vai entregar pouco. Ainda assim, a ela: Brás de Oliva Domingos é um redator de obituários que sonha em ser escritor – e é também um jovem em viagem pelo interior da Bahia com seu melhor amigo. Brás é um escritor consagrado, pai de família bem-casado e filho assombrado pelo sucesso do pai. É um garoto que brincava no sítio do avô na infância.
Moon e Bá retratam vários momentos na vida de Brás, várias coisas que são e outras tantas que poderiam ter sido. O personagem é tão real quanto qualquer pessoa, porque acha que vive de sonhos e frustrações, mas na verdade ele vive mesmo é de fatos. Vive daquilo que acontece e do que ele faz a partir disso. E, às vezes, ele faz as coisas acontecerem.
“Daytripper” é sobre isso: fazer acontecer. Sobre não esperar o milagre – e Brás sempre vive à espera de um milagre, porque às circunstâncias do seu nascimento são, em nossa maneira de entender o mundo, milagrosas. Isso acompanha sua vida mais do que ele gostaria. Por isso é que, em dado momento decisivo (e qual não é?), ele pondera: “As pessoas sempre acreditaram em milagres. É da sua natureza acreditar que as coisas podem melhorar misteriosamente. Se tudo mais der errado, forças superiores as ajudarão quando preciso. E as pessoas fazem isso porque sabem que a verdadeira essência da vida é que, desde o princípio, a qualquer momento, tudo pode dar errado”.
Os capítulos do livro são intitulados com a idade de seu protagonista. Neles, as coisas podem dar certo e deixar Brás infeliz, ou podem dar errado e ele encontrar alegria a partir disso isso. Podem também seguir o óbvio, de ter um bom resultado e causar a felicidade, ou degringolar e provocar tristeza e dor. Porque os acontecimentos vêm, de qualquer forma. Não é possível viver numa bolha, muito menos em um mundo de sonhos, e a realidade certamente vai encontrar um jeito de se fazer notar. Mas recebemos a realidade como queremos, e só construímos nossa vida de modo a ser felizes quando decidimos o rumo que queremos dar a ela.
Filosofia simplista? Não mesmo. Porque estamos sempre culpando nossos empregos medíocres, nossos pais, nossos amores, pelas coisas que não dão certo conosco. Mas na essência, quando esquivamos de todas as defesas e abandonamos a racionalização autocomplacente, só sobram nossa vontade e nossa capacidade de viver de acordo com nossas escolhas. E é esse caminho entre as escolhas que vai dar sentido a tudo quando chegar o fim. Porque o fim sempre chega.
“Não importa o quanto você goste do livro, você vai chegar na última página, e ele vai terminar. Nenhum livro é completo sem o fim. E quando você chega lá… somente quando lê as últimas palavras, é que você vê como o livro é bom. Ele parece mais real”. Isso é algo que Brás diz a certa altura. E de maneira sutil, ele deixa claro que o livro só vai ser bom quando ele é bem escrito. É isso que vai dar o sabor do real (porque o real não é ruim, como querem crer os escapistas), é isso que vai fazer o livro valer a pena para quem o escreveu e quem o leu. Moon e Bá fizeram isso com sua obra. Muitos não o fazem com a sua vida. Porém, é possível faze-lo, essa é uma certeza que você tem ao vivenciar as páginas deste “Daytripper”.
– Leonardo Vinhas assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell e já entrevistou Laerte em 2003 (aqui) e escreveu breves ensaios sobre Pelezinho (aqui) e Carl Barks (aqui)
Leia também:
– 10 Pãezinhos – Scream & Yell Entrevista com Fábio Moon (2003), por Drex (aqui)
– FIQ 2011 – Festival Internacional de Quadrinhos em Belo Horizonte, por Igor Lage (aqui)
O livro é incrível mesmo, daqueles que ficam na cabeça muito tempo depois.
Melhor do ano pra mim!
Também gostei muito de Daytripper. Traço excelente e história muito bem contada. E a edição nacional ficou bem bonita. Vale a pena demais!
Uma obra que mexe como poucas e que faz pensar sobre a vida com extrema sensibilidade. HQ fantástica. Vale muito.
Obra fantástica, um ótimo reflexo da maturidade do quadrinho nacional atual.
Li e recomendo. Fantástico mesmo.
linda história!! amei de coração. me tocou!