Ao vivo: Em ótima forma, Sepultura refestela fãs da música pesada em passagem da turnê de despedida pelo Rio

texto por Marcos Bragatto
fotos de Michael Meneses

As imagens de floresta e mata virgem parecem sair do telão e invadir o ambiente como numa retomada de poder da natureza sonorizada – quem diria – por um metal extremo que, não por coincidência, é umas das caras do Brasil, assim como a própria floresta. A música, contudo, ajeitada no meio da noite, tem introdução quase erudita a custa de um guitarrista que parece iluminado em noite de performance acima da média. Mas que, curiosamente, soa como uma despedida em alto nível, sonoro, de esporro e de qualidade musical de uma carreira atribulada de mais de 40 anos. Estamos na Farmasi Arena, no Rio, a música é “Guardians of Earth”, o guitarrista é Andreas Kisser e é assim que o Sepultura dá o recado de que realmente vai encerrar as atividades, nessa turnê do adeus que está rodando o país. Será mesmo?

O bom público que enche o maior lugar em que a banda já tocou na cidade, exceto festivais, não parece muito preocupado com a questão. Ou por outra, sem remédio remediado está e o negócio é se acabar durante essas duas horas de puro bater de cabeça. Rodas de dança amigáveis, sim, mas truculentas ao mesmo tempo, como bem manda o thrash metal de raiz que deu origem à banda, se multiplicam. Daí o cuidado em desenrolar um repertório – tarefa árdua – que pega quase todos os álbuns deixando de fora apenas três: “Nation” (2001), o complicado disco após a saída de Max Cavalera; “A-Lex (2009)”; e “The Mediator…” (2013). Sem problemas, considerando os ótimos discos mas recentes da banda, e o manancial de hits do metal da época de maior sucesso do Sepultura, quando a banda circulou pela vanguarda do metal mundial, até chegar ao topo, sem exageros, ali entre o final dos anos 1980 e meados dos 1990.

Das recentes, do ótimo álbum “Quadra”, de 2020, além de “Guardians of Earth”, “Agony of Defeat” é escolha certeira, realçando a ótima performance de palco, com destaque para os vocais supreendentemente limpos de Derrick Green, o meticuloso trabalho de guitarras de Andreas, adicionado por efeitos incomuns até então na banda, e bom baterista Greyson Nekrutman, que segura bem a barra de substituir Eloy Casagrande. Peça fundamental nas composições mais recentes do Sepultura, Eloy deu baixa na carteira e se evadiu sem aviso prévio para tocar com os mascarados do Slipknot. “Means to an End”, ainda do “Quadra”, e a ótima “Phantom Self”, do álbum “Machine Messiah” (2017), com um “quê” de Chico Science, fecham o bloco das recentes, sendo todas elas, dada a arrojada produção dos álbuns, turbinadas com efeitos extras de guitarras ou pré-gravados.

A novidade do repertório é a inclusão, pela primeira vez nessa turnê, a “Celebrating Life Through Death Tour”, de “Orgasmatron”, cover do Motörhead, numa versão bem curta. A música, grande sucesso da fase Max, poucas vezes foi tocada depois da saída dele. Outra pouco incluída no giro e reinserida nessa noite é “Dead Embryonic Cells”, uma pedrada thrash metal clássico que jamais poderia ficar de fora, o que se comprova em um dos grandes momentos de enlouquecimento geral da plateia, na longa e pesada introdução, no vocal ritmado e no refrão preciso da composição. Mais da metade das músicas do set, diga-se de passagem, são da fase “Roots” pra trás, e é assim que dever ser, sendo que as músicas são tocadas na íntegra, deixando de lado o expediente de fazer alguns medleys, usado no passado.

O que conta é que a banda – e quase sempre é assim – toca com uma energia singular no palco, com boas perfomances instrumentais. O fato é que Andreas Kisser aparece tanto como “a cara da banda” que por vezes se esquece que é exímio guitarrista. Ali em cima do palco, ele lembra isso a cada acorde, a cada solo, a cada palhetada. Em “Escape to the Void”, desenterrada do álbum “Schizophrenia” (1987), machuca o coração dos mais experientes ao citar o lançamento no Circo Voador, na época, e isso depois de se lembrar do primeiro show do Sepultura na cidade, no inesquecível Caverna 2. Desse período, tem também a clássica “Troops O Doom”, ambas tocas em velocidade extrema, reforçando que a idade parece não pesar, tanto para Andreas quanto para o discreto, mas eficiente baixista Paulo Jr e seus segredos.

Impossível deixar de lado o início matador com a dobradinha “Refuse/Resist”/“Territory”, que detona rodas de dança sem fim e impõe a eterna dúvida: seria o álbum “Chaos A.D.”, de 1993, melhor que o grande sucesso da banda, “Roots”, de 1996? Assunto que não passa pela cabeça de quem se estapeia também no desfecho da noite, com a sequência “Inner Self” e “Arise”. “Kaiowas”, antes, inclui aquela batucada infernal com tambores extras e convidados no palco, assim como, já no bis, em “Ratamahatta”, com Fred (ex-Raimundos) e Chico Brown, filho dele mesmo, Carlinhos, um dos autores da música. O desfecho – tinha que ser assim – é com “Roots Bloody Roots”, no sprint final do público, e cujo refrão segue ecoando pelas nossas cabeças para todo o sempre. Como se sabe, a cada vez que uma banda encerra as atividades, se inicia uma contagem regressiva imaginária para o retorno. Mas dessa vez a coisa promete ser bem diferente.

Set list completo

1- Refuse/Resist
2- Territory
3- Propaganda
4- Phantom Self
5- Dusted
6- Attitude
7- Spit
8- Kairos
9- Means to an End
10- Convicted in Life
11- Guardians of Earth
12- Mind War
13- False
14- Choke
15- Escape to the Void
16- Kaiowas
17- Dead Embryonic Cells
18- Biotech Is Godzilla
19- Agony of Defeat
20- Orgasmatron
21- Troops of Doom
22- Inner Self
23- Arise

Bis
24- Ratamahatta
25- Roots Bloody Roots

– Marcos Bragatto é um dos jornalistas mais importantes a cobrir rock no país. Começou em 1993 e segue mantendo o barulho em alta em sua página, a Rock em Geral

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