Entrevista: Banda carioca cultuada dos anos 1980, Black Future lança novo single

entrevista de Marcelo Costa

Uma das agradáveis surpresas do festival de documentários musicais In-Edit Brasil 2024, “Eu Sou o Rio, Black Future”, do diretor Paulo Severo, segue dando bons frutos. O longa, que lança luz sobre a história e as gravações do álbum cultuado da banda Black Future, trouxe à tona uma canção inédita, o single “Eu Quero Tocar a Lapa”, que encerra o documentário. Gravada ao vivo por Márcio Bandeira (vocal e letras) ao lado do multiartista Tantão, do guitarrista Edinho Milesi e do baixista Olmar Júnior em dezembro de 2006 e liberada oficialmente agora, “Eu Quero Tocar a Lapa” é a segunda canção do Black Future disponível em streaming (também é possível encontrar um dos dois remixes de “Eu Sou o Rio” lançados pelo selo alemão Man Recordings, derivações da coletânea “Não Wave”, de 2005).

Para quem não é familiarizado com a história toda, o Black Future foi uma banda brasileira de rock experimental dos anos 1980, formada por Márcio “Satanésio” Bandeira, Tantão, Olmar e Edinho. Originário do Rio de Janeiro, o grupo lançou o vinil “Eu Sou o Rio” em 1988 pelo Plug, selo da (então poderosa) gravadora RCA voltado ao emergente rock nacional (lançando discos de Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós, DeFalla, Picassos Falsos, Violeta de Outono, Hanoi Hanoi e Hojerizah, entre outros). A faixa título do álbum do Black Future, “Eu Sou o Rio”, produzido por Thomas Pappon (Fellini), tornou-se um hit no circuito independente do eixo Rio-São Paulo, mas a banda se desfez no começo dos anos 1990.

Lá se vão mais de 35 anos e, até hoje, “Eu Sou o Rio” não foi digitalizado oficialmente para o streaming (assim como diversos outros álbuns cultuados no período). O documentário “Eu Sou o Rio, Black Future” volta a clamar pelo relançamento do álbum assim como coloca em pauta um dos discos obscuros mais geniais daquela época, que não só reúne um elenco de luxo – participam da gravação Edgard Scandurra (Ira!), Paulo Miklos (Titãs), Edu K e Biba Meira (DeFalla), Alex Antunes (Akira S) e Ronaldo Pereira (Finis Africae), entre outros – como amplia o vocabulário musical oitentista combinando Joy Division, New Order, Cabaret Voltaire e personagens de HQ com samba, DIY e Rio de Janeiro. Abaixo, o vocalista e letrista Márcio Bandeira fala sobre o novo single, o documentário e o necessário resgate do Black Future!

36 anos após “Eu Sou o Rio” chega o single “Eu Quero Tocar a Lapa”, que já circulava pela web em versões ao vivo, e agora ganha seu registro oficial (será a segunda música do Black Future nos streamings!). Me fala um pouco sobre essa música e a ideia de lançá-la agora?
Em 2000, o Black Future buscou criar um contexto com o objetivo de sensibilizar a gravadora passar o “Eu Sou o Rio” para CD: fizemos shows, a imprensa se mobilizou, trazendo essa discussão, e logo depois em 2006 o doc “Eu Sou o Rio, Black Future” começou a ser rodado. Fizemos parte do Selo Plug, junto com De Falla, Picassos Falsos, Violeta de Outono, etc, e todos eles já tinham sido passados para CD, menos o Black.

Na oportunidade, um amigo, que tinha acabado de entrar em contato com o trabalho do Black Future, e se entusiasmado com a relação que fazíamos entre música, texto & cidade, me provocou a fazer uma nova canção que retomasse essa discussão, esse debate, que de alguma maneira aparece em “Eu Sou o Rio”. Indicou como proposta tratar da briga entre Geraldo Pereira e Madame Satã. Aceitei, e fui pesquisar sobre o assunto.

Em contato com os vários conteúdos sobre a cidade nos anos 1940, 50 e 60, com obras como “Memórias do Café Nice”, de Nestor de Holanda, “Na Rolança do Tempo”, de Mário Lago, “Madame Satã”, de Rogério Durst, entre outros, não pude me restringir à proposta apresentada, e com a parceria de Mário Leão, escrevi “Eu Quero Tocar a Lapa” (uma espécie de “Eu Sou o Rio II”). A ideia era atualizar nosso discurso e estética e oferecer a gravadora essa música para entrar como bônus no lançamento em CD. Mas o que já disse em outros momentos: venceu a lógica dos números e o “Eu Sou o Rio” LP às vezes parece lenda urbana. Pelo que sei foram prensadas 5 mil cópias. Então, virou um objeto de colecionador.

Como você sabe, foi lançado o documentário sobre o “Eu Sou o Rio” e “Eu Quero Tocar a Lapa” o finaliza, com um clipe. Ronaldo Pereira, baterista do Finis Africae, e hoje produtor musical, tocou batera na música “Eu Sou o Rio” lá em 1988 e nessa versão de “Eu Quero Tocar a Lapa” do doc. Tocou e produziu. Bem, após assistir ao doc, ele me propôs lançar o single e o clipe nas plataformas. Conversei com o Paulo Severo, diretor do “Eu Sou o Rio, Black Future”, que topou na hora. Esse é o primeiro movimento. O Ronaldo pretende conversar com a gravadora também para verificarmos quais possibilidades teríamos para relançar o “Eu Sou o Rio”.

Falando do documentário, o festival In-Edit Brasil 2024 marcou a estreia do “Black Future, Eu Sou o Rio” e foi muito bacana não só ver a história da banda na tela como indicar pros amigos colocando novamente o Black Future em pauta. O que você achou do filme e quais são os planos agora para disponibilizá-lo ao público?
Brilhante! Entendo que o objetivo foi alcançado: falar sobre o disco, mas também trazer elementos contextuais, apresentando, direta ou indiretamente, a cena. Isso foi um diferencial. Você encontra um elenco de depoimentos que busca entender o que foi o nosso trabalho e ao mesmo tempo fala sobre como era o funcionamento da realidade em que o Black Future estava inserido. Não é nada definitivo, porque a realidade é sempre maior do que as nossas tentativas de explicá-la. O doc não pretende esgotar o Black: traz visões que compõem um mosaico interpretativo. Parece-me que engendra uma série de chaves possíveis de leituras, como a origem no Punk, o embate RJ x SP, a visada estético-poética, os primeiros shows, como marca conceitual da banda, a relação com a gravadora, o funcionamento da banda, o pós-punk, etc. O brilhantismo do Paulo Severo foi organizar cada chave dessa sem ser didático e possibilitar uma leitura plural sobre nosso trabalho.

Vale destacar também que é um doc dos clipes, né. Os clipes materializam nosso imaginário, nossa visão poética-estética (e por isso representam uma experiência estética autônoma, até porque é uma obra do Paulo Severo e não do Black Future). Trata-se de um capítulo à parte. São estruturantes na concepção do “Eu Sou o Rio, Black Future”. Para mim, é outro diferencial. E ele avança. Severo quer mais e lança pelo menos mais dois clipes no doc: “Thor e Loki” e “Eu Quero Tocar a Lapa”.

Nas conversas que tenho com o Paulo Severo, ele diz que está buscando novos festivais e pretende lançá-lo no Circo Voador, mas ainda é conversa.

Você já falou um pouco disso, mas quero reforçar: em um mundo cada vez mais conectado e digitalizado, alguns discos emblemáticos (e obrigatórios!) da segunda metade dos anos 1980 no Brasil ainda permanecem ausentes do streaming, como o primeiro disco do Nau, “Trashland”, das Mercenárias; “Combustível para o Fogo”, do Sexo Explícito, “O Ápice”, do Vzyadoq Moe, e, para ficar em cinco “clássicos perdidos”, “Eu Sou o Rio” – mesmo o disco de estreia do DeFalla, de 1987, foi disponibilizado apenas recentemente online. No caso do Black Future, você imagina que a gente ainda vá conseguir ouvir e espalhar “Eu Sou o Rio” nas plataformas?
É nosso esforço. Esse período que você cita é extremamente fecundo de produções alternativas que fizeram a diferença e não tem o reconhecimento merecido. É a tal lógica dos números. Sei que é uma tese batida, mas para mim não vejo outro caminho para entender tal descaso. É um reducionismo, eu sei, porque há outros componentes que influenciam, infelizmente, essa situação. Mas temos de resistir, senão eles vencem. Tentamos em 2000, voltamos a tentar em 2006, com o doc “Eu Sou o Rio, Black Future”, que só foi finalizado agora em 2023, e em 2014, 2015, novamente com um show realizado para o documentário “Futuro Negro”, da diretora Gabriela Caldas, que não foi finalizado. Agora, o Ronaldo vai conversar com a gravadora e esperamos muito que tenhamos sucesso dessa vez para o material ficar disponibilizado e arrombe a porta para os trabalhos citados por você e tantos outros que faltam.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne.

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