entrevista de Marcelo Costa
A Gärd é uma nano-cervejaria criada em 2015 na fazenda Gravatá, dentro do Horto Florestal de Campos do Jordão, que produz cerveja artesanal com receitas voltada aos estilos clássicos, mas com experimentações sazonais, e as oferece em seu taproom, dentro do Horto. A Everbrew, que você pode relembrar nessa conversa, nasceu do desejo de dois amigos que faziam cerveja caseira: Renê dos Santos, que morava na cidade praieira, e Célio Ongaro, que vivia em Sorocaba, no interior paulista. Da união das duas cervejarias nasce a EverGärd Brew, uma Bohemian Pilsner com caju, primeiro resultado (em lote limitado e numerado) do Mestre Residência Gärd, projeto da cervejaria de Campos do Jordão em parceria com o All Beers Consultoria, uma residência artística que busca não apenas criar belas cervejas, mas também aproximar pessoas.
No lançamento da EverGärd Brew, no Empório Alto dos Pinheiros, em São Paulo, Adolpho Julio, responsável pela Gärd, contou que buscava uma maneira de criar um projeto que não fosse apenas uma cerveja colaborativa em que os mestres cervejeiros trocassem ideia pelo Whatsapp, sem nunca se encontrar, e disso surgisse uma receita. Julio então pensou em criar uma residência, em que um mestre cervejeiro convidado não apenas iria visitar a fábrica da Gärd e produzir uma cerveja junto com o mestre cervejeiro da casa, mas sim passar o final de semana embrenhado na fazenda em meio ao Horto sentindo a atmosfera do local e da própria cidade, conversando, papeando e trocando ideias sobre… tudo. Eis o Mestre Residência Gärd.
Na conversa abaixo, realizada no Empório Alto dos Pinheiros, em São Paulo, no dia do lançamento oficial da primeira cerveja do projeto, Julio e Célio Ongaro (Everbrew) contam como foi a experiência dessa primeira residência artística e analisam o resultado da parceria, a EverGärd Brew, uma cerveja leve e bastante saborosa, com o caju destacado no aroma, mas abrindo espaço para as notas clássicas de uma Bohemian Pilsner no paladar. Julio ainda revela alguns planos da Gärd que, agora, além dos dois taproom em Campos do Jordão, também pode ser encontrada no EAP (“Mas só no EAP”, avisa Júlio). Ele também adianta quem estará no Mestre Cervejeiro Gärd 2: Japas Cervejaria.
Júlio, por favor, fale um pouco da Gärd.
Júlio: A Gärd é uma nano-cervejaria incrustrada no meio de uma mata de Araucárias dentro de um parque estadual de preservação. É uma nano-cervejaria que se reconhece como nano-cervejaria, é muito feliz em ser uma nano-cervejaria, que ser e permanecer nano-cervejaria. A gente tem essa vontade de oferecer cervejas especiais, bem executadas, que tendem ao clássico, mas com alguns rompantes de criatividade. Mas, na base, sempre o clássico. Nós não costumamos fazer muita propaganda, as pessoas descobrem a Gärd, entram pela fazenda e nossa ideia é acolher. E dentro desse princípio tentar, na medida do possível, ensinar as pessoas a tomarem cerveja e coisas diferentes. Trabalhamos com preços bem legais dentro do mercado e agora estamos numa fase de inventar coisas novas, como essa residência artística com mestres que venham do Brasil inteiro, colocando um pezinho de leve em São Paulo (pra dizer que nós existimos) com nossas cervejas aqui no Empório Alto dos Pinheiros, e só aqui. É uma cervejaria de fazenda em um espaço que a gente quer manter e preservar como ele é para que as pessoas venham e sejam felizes.
Como foi passar um final de semana juntos em Campos do Jordão?
Célio: Foi maravilhoso! Fui eu e minha filha, Marília, de oito anos, e ficamos em um ambiente incrível, dentro do Horto Florestal, com uma recepção excepcional da galera da Gärd. Fomos super mimados! Tinha até um brinquedinho de presente pra Marília quando chegamos. Foi uma noite muito legal em que nós encontramos com todos os cervejeiros da região. A gente já tinha pensado antes na cerveja (que a gente ia fazer) e a execução foi totalmente tranquila. Estava tudo organizado, todos os insumos disponíveis. A experiência Mestre Cervejeiro Gärd foi incrível para mim.
Júlio: Eu tinha dúvidas se as pessoas iam confundir essa residência com uma simples “colab” (colaboração). E a pergunta (que eu me fazia) sempre foi: “O que tem isso de diferente? Será que o mestre cervejeiro que vem visitar vai entender o conteúdo inteiro da experiência?” E acho que foi muito bacana… porque eu saí dessa experiência artística não apenas com uma cerveja que eu considero muito legal, muito boa, eu fiquei amigão do Célio! Eu não o conhecia, e a gente agora tem se falado pelo Whatsapp, troca ideias, então foi uma experiência, para além da cerveja, de relacionamento, de conhecer uma pessoa que é legal. Tem muita gente bacana e disposta a oferecer muita coisa no mundo cervejeiro. Há muito espaço para fazer conexões duradouras, e o Mestre Residência Gärd, além de fazer uma cerveja legal, tem um pouco isso de pano de fundo, isso de juntar pessoas e trazê-las para discutir temas, que são do nosso interesse, de forma mais próxima e franca. Eu achei a experiência muito legal pela inovação e pelas amizades que eu fiz no processo.
Como surgiu a ideia dessa Bohemian Pilsner com caju?
Júlio: Foi mais ou menos assim: eu estou em cima da serra, na cidade mais alta do Brasil, 1950 de altitude. E o Célio está em Santos, beira mar. A gente começou a pensar em qual estilo a gente ia se encontrar. Pensamos numa coisa clássica, mas ela teria que ter alguma coisa única, alguma coisa exclusiva, alguma coisa fora da caixa, diferente. A ideia não era fazer “colab” de estilos que todo mundo tem feito. E, cara, caipirinha de caju em Santos é um negócio espetacular. Por que a gente não pega essa fruta tão brasileira e encaixa num estilo que combine, criando um equilíbrio, que uma coisa não esconda a outra? E daí os mestres cervejeiros começaram a discutir (eu sou sommelier, não sou articulador da ideia) até chegar nessa receita…
Como foi para você, Célio, que é conhecido como um cara que faz umas IPAs sensacionais, extremas, fazer uma Bohemian Pilsner?
Célio: Eu faço muitas IPAs, mas, talvez por isso, sou apaixonado por lagers. Eu tive oportunidade, com o Mestre Residência Gärd, de fazer uma lager que não fosse na minha fábrica. Eu abracei a ideia na hora. Sou doido por lagers. Eles aceitaram na hora também a ideia de fazer uma Bohemian Pilsner com um toque de caju, era o clássico e o ousado juntos. Foi muito legal fazer essa cerveja com eles!
Como vocês analisam o resultado da EverGärd Brew?
Célio: Foi bem o que a gente imaginou, uma união dos dois mundos: da Everbrew, que é uma cervejaria que abusa da ousadia, e da Gärd, que faz muito bem as escolas clássicas. A gente conseguiu fazer uma Bohemian Pilsner no estilo clássico, mas colocando um toque de brasilidade, de tropicalismo do litoral, com a adição de caju. A união desses dois elementos acabou encaixando perfeitamente na cerveja.
Júlio: Essa cerveja foi feita em maio, ela está com três meses, e eu passei por momentos de desespero porque a vivacidade dela é um negócio impressionante. Logo que ela ficou pronta, eu sentia o aroma dela com o copo na mesa, distante. A adstringência do caju estava secando a garganta e fiquei pensando: “Será que ela vai encontrar a paz interior dela?” (risos). Aquela harmonia com o universo. E chegou um momento em que as coisas começaram a andar de forma harmoniosa. Agora eu sinto o aroma do caju, sinto o gosto, mas ela não esconde o fato que é uma Bohemia. No copo, é uma cerveja que vale a pena conhecer e experimentar. É uma cerveja que tem coisas exclusivas, só dela, numa entrega constante, você vai prum lado e vai pro outro. Ela brinca com você o tempo inteiro. Ela me diz que é uma coisa diferente.
Júlio, você já tem uma próxima convidada do Mestre Cervejeiro Gärd…
Júlio: A Japas Cervejaria. Eu acho que elas têm uma visão muito bacana, uma coisa itinerante muito legal. Nunca tive um contato pessoal com elas, mas Campos do Jordão tem uma imigração japonesa fortíssima, tem o Parque das Cerejeiras, tem muitas ideias, muita coisa que na cabeça das Japas pode fazer dessa segunda edição um negócio muito legal de novo. A ideia é fazer uma nova edição a cada seis meses, e eu vou provocá-las no máximo. Vamos ver aonde vamos chegar.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.