Ecos Falsos ao vivo no Picles – 28/6/2024
texto e vídeos por Bruno Capelas
Talvez seja engraçado dizer isso em pleno 2024, mas vá lá: que época boa vive o fã do indie brasileiro dos anos 2000. Na última semana de junho em São Paulo, por exemplo, foi possível ver um pocket show do Pullovers e, no dia seguinte, conferir a primeira apresentação em sete anos do Ecos Falsos no palco do Picles Bar – um inferninho na rua Cardeal Arcoverde que tem o clima daquela época em que bastava descer a rua Augusta para encontrar música bacana, com direito até a pizza vendida a pedaço. Reunido pela primeira vez desde que o baterista Davi Rodriguez foi morar na Alemanha em 2017, o Ecos Falsos começou o show de maneira incendiária com “Clóvis Bornay is Dead (Abadá)” e “A Última Palavra em Fashion”. Parecia que o tempo não tinha passado, mas… passou. “Muita coisa aconteceu nesses anos, incluindo o fato de que uma bolsa de colostomia foi eleita presidente do Brasil”, sacaneou o vocalista Gustavo Martins, em uma das muitas tiradas oferecidas pela banda ao longo de 75 minutos no palco, numa formação que tinha ainda Felipe Daros (baixo) e Daniel Akashi (guitarra e vocais). A própria indumentária do grupo, vale dizer, era uma delas: com bonés e camisas vermelhas à la Oxxo, o grupo divulgava o recente single “Vai Virar Prédio” – que fala não só sobre a passagem do tempo, mas também alfineta a especulação imobiliária na capital paulista. A canção não foi a única inédita da noite: a neurótica “Intenção” e a robertiana “Amigo” também chamaram a atenção e devem estar num EP a ser lançado pela Monstro Discos ainda neste semestre. A noite, porém, era de nostalgia, talvez reforçada pelo clima triste com a morte de Daniel Belleza, na véspera do show. Amigo de longa data dos Ecos Falsos, o vocalista dos Corações em Fúria foi homenageado com palmas e uma execução empolgada de “Fim do Milênio”, sua favorita da banda. Não foi só: teve ainda “Dois a Zero”, “A Revolta da Musa”, o hit “O Bom Amigo Inibié” e “Quase”, do segundo álbum do grupo. E claro que uma das melhores canções da geração não podia ficar de fora. “Eu sonho com o dia que eu não vou cantar essa música porque estraga minha garganta, mas… hoje não é esse dia”, brincou Gustavo, antes de introduzir “Sobre Ser Sentimental”, um barulho maravilhoso para deixar a voz rouca e os ouvidos zumbindo. Se o fã de Ecos Falsos só é sentimental quando se fode, claramente não foi o caso naquela noite, com muita gente indo dormir sorrindo. E fica o aviso: enquanto Davi não volta pra Alemanha, eles devem tocar mais vezes em SP – e se você tem saudade da época que a Augusta não era só prédio, é bom ficar de olho nas redes deles.
Os Replicantes ao vivo no Sesc Avenida Paulista – 05/07/2024
texto e vídeos por Marcelo Costa / Fotos por Fernando Yokota
“Esse show estava sendo planejado há muitos meses”, comenta a vocalista Julia Barth em certo momento da primeira de duas noites sold out d’Os Replicantes na Avenida Paulista. “Era para ter acontecido no dia 16 de maio, que era o dia em que os Replicantes fizeram 40 anos de seu primeiro show, mas nossos planos foram, literalmente, por água abaixo. E por isso São Paulo ganhou o show antes de Porto Alegre”, explica Julia, pontuando a tragédia que assolou todo o Rio Grande do Sul no primeiro semestre. Radiante no palco, não conseguindo conter a felicidade, Julia era o retrato de grande parte do público presente, meio que se beliscando por ter, mais uma vez, a oportunidade de presenciar o ataque poderoso das formações clássicas de uma das bandas punks obrigatórias deste pobre país. “É um privilégio fazer parte da minha banda favorita”, continuou Julia. “Hoje é uma noite muito especial porque eu também estou vendo o show dos Replicantes”. Coube a ela, que desde 2006 é a vocalista da banda, dar início à festa punk comemorativa de 40 anos dos Replicantes entoando a clássica ‘Nicotina” com Cláudio Heinz na guitarra, Heron Heinz no baixo, Carlos Gerbase na bateria e todos os presentes cantando junto. Na sequência, Wander Wildner foi convocado se juntando aos três amigos que, em 1983, tiveram a feliz ideia maluca de montar uma banda punk no Sul do Brasil. Entre navalhadas de guitarra fatiando o ar, a linha de baixo matadora de “Sandina” surgiu trazendo lágrimas aos olhos, mas não deu nem tempo de secar porque o hit “Surfista Calhorda” veio em seguida trazendo consigo a faixa título do disco icônico que a banda lançou em 1986, “O Futuro é Vortex”. A noite já era histórica, mas tinha mais: Gerbase deixou a bateria para Cléber Andrade e assumiu os vocais ao lado de Luciana Tomasi em “Boy de Subterrâneo”, “Negócios à Parte”, a sônica “Só Mais Uma Chance” e outro hino, “Hippie, Punk, Rajneesh”. Poderia melhorar? Claro. De volta ao palco com a voz impecável, Wander relembrou “Astronauta”, “África do Sul” e “Ele Quer Ser Punk” passando o microfone para Julia, que abriu seu set com a matadora “Tom & Jerry”, incluiu oportunos números mais recentes como “Libertá”, “Punk de Boutique” e “Maria Lacerda”, retornando aos hinos oitentistas com “Chernobil” e “Mentira”. Para encerrar a noite antológica, todos os integrantes de todas as formações dos Replicantes no palco cantando “Festa Punk” e, outra vez, “Surfista Calhorda”. Inesquecível. Eis um dos shows obrigatórios de 2024, que deveria rodar o país inteiro, pois 40 anos se passaram, mas o futuro ainda é Vortex.
Tatá Aeroplano ao vivo no Sesc Pompeia – 11/07/2024
texto e vídeos por Marcelo Costa / Fotos por Fernando Yokota
Uma das pessoas mais queridas e trabalhadoras da cena musical independente de São Paulo, Tatá Aeroplano soma 17 álbuns lançados em 20 anos de perambulações entre carreira solo, projetos como Frito Sampler, parceria com Barbara Eugênia e, claro, o trabalho com duas bandas que marcaram época no indie nacional dos anos 2000, Jumbo Elektro e Cérebro Eletrônico. No segundo semestre de 2023, Tatá colocou nas ruas seu sétimo disco solo, “Boate Invisível”, “uma construção coletiva” – partindo do zero em estúdio – “do cantor e compositor paulista com Bruno Buarque, Dustan Gallas, Junior Boca, Kika e Malu Maria”, como revela o texto em seu Bandcamp. E com exceção de Kika, que estava fora do país e foi substituída com galhardia por Bia Magalhães, todos os músicos que ajudaram a construir o álbum estavam no palco do Sesc Pompeia na noite que celebrava o lançamento em vinil de “Boate Invisível” dentro do projeto Rock na Fábrica. Como não poderia deixar de ser, o repertório do álbum norteou o show com “Sonho de Artaud” abrindo a noite de forma calma. A ótima faixa título veio na sequência com citações de canções de Ritchie (“Menina Veneno”), Kid Abelha (“Fixação”) e Cazuza (“Exagerado”), entre muitas outras. A dançante “Alquimia Sensual” e a cadenciada “Solidão Guardada” referendam a busca incessante de Tatá por uma sonoridade psicodélica autenticamente nacional repleta de efeitos, backings angelicais e beats eletrônicos enquanto a balada “A Carta na Mão”, uma das grandes canções de “Boate Invisível”, surgiu sem as belas notas de piano, mas com a cama de teclado no refrão e o matador solo de sax Richard Fermino (a lá Ronnie Ross em “Walk on The Wild Side”) pré-gravados, deixando no ar um momento estranho de procurar o autor do solo no palco, e não encontra-lo. Passado o desconforto, duas boas canções do disco “Não Dá Pra Agarrar” (2022), “Chá Delícia” e “Grilos na Festa”, deram um novo colorido para a noite, o que funcionou ainda melhor com a entrada do guitar hero Guilherme Held, que marcou presença nas ótimas “Gente na Praia” e “Num Fusca com T-Rex”, e ainda mostrou uma parceria sua com Tulipa Ruiz, “Pólvora”, presente em seu discaço “Corpo Nós”. Uma parceria de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, “Ressureições”, que Tatá gravou no álbum “Delírios Líricos” (2020), encaminhou a noite para o final, mas dois grandes momentos ainda estavam por vir: primeiro com a ótima “Eu Inezito” (do álbum “Step Psicodélico”, de 2016), depois com a bela “Cama”, canção do Cérebro Eletrônico que Tatá também regravou solo (em 2021), pontos altos de uma noite de “it’s only brazilian psychedelic rock and roll, but i like it”.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.