Antiprisma lança single “Vampiros” e, numa agradável conversa de mesa de bar, conta detalhes do próximo disco

entrevista por Alexandre Lopes

No filme “Only Lovers Left Alive” (“Amantes Eternos” no Brasil), de Jim Jarmusch, os personagens principais Adam e Eve – interpretados por Tom Hiddleston e Tilda Swinton – são um casal de vampiros centenários que procuram se manter alheios às constantes mudanças prejudiciais causadas pelos humanos no mundo em que vivem, enquanto buscam estabilidade um no outro e em artes como música e literatura.

Não seria exagero tecer alguns paralelos entre os protagonistas da obra de Jarmusch e o duo de folk rock Antiprisma – ainda mais que Elisa Moos (voz, violão e guitarra) e Victor José (voz, violão, guitarra e viola caipira) seguem resilientes na carreira musical e estão lançando um novo single chamado “Vampiros” pela Orangeira Music. Segundo o casal, a letra da canção trata exatamente da ideia de estar à margem das coisas. “É uma metáfora para essa sensação que a gente tem de ‘intangibilidade’, sabe? De não conseguir expressar seus sentimentos ou de estar alienado, à parte do mundo”, explica Victor. “É meio como observar a própria vida e o mundo em torno com algum distanciamento. Como se você estivesse no mundo, mas não faz tanta parte dele. A gente ficou pensando ‘é mais ou menos como os vampiros'”, arremata Elisa.

Este é o terceiro single divulgado pela dupla para o novo álbum, chamado “Coisas de Verdade”, cujo lançamento deve ocorrer no segundo semestre de 2024. Diferente das faixas de trabalho anteriores “Tente Não Esquecer” (uma parceria com o cantor Bemti ao estilo das canções mais acústicas do grupo) e “São Duas Horas e Está Tudo Bem” (que demonstra a influência do powerpop de Big Star, Teenage Fanclub e The Byrds), “Vampiros” apresenta uma sonoridade que acena para o post-punk, mas sem deixar de ser singular: a composição traz arranjo e solos na tradicional viola caipira. E pode-se dizer que o resultado ficou no mínimo interessante.

“Não é só porque ela se chama ‘viola caipira’ que você tem que tocar apenas música caipira com ela”, diz Victor. “Eu tento mesclar as coisas assim e ver qual é o limite da viola. É muito versátil. Então tem muito o que explorar neste instrumento e esse disco tem muito disso também”, afirma o músico.

Depois de um EP (“Antiprisma”, em 2014), dois álbuns (“Planos para Esta Encarnação” em 2016 e “Hemisférios” em 2019) e participações em shows e festivais nacionais, o duo celebra uma década de existência com uma nova fase, ao contar nas gravações de “Coisas de Verdade” com o reforço de Ana Zumpano (bateria) e Beeau Goméz (contrabaixo) em sua formação. Além de conferir um som mais completo para as performances ao vivo, essa adição de integrantes também é consolidada por uma potente dobradinha musical: Victor e Elisa passaram a assumir baixo e guitarra na banda Retrato (projeto de Ana e Beeau que conta com John Di Lallo) cujo primeiro álbum “Enigma de Um Dia” já foi destaque aqui no Scream & Yell.

“A ideia foi realmente fazer um disco ‘de banda’, uma espécie de ‘Antiprisma com esteróides'”, brinca Victor. “É uma evolução natural do nosso próprio som”. Segundo ele, desde o começo do Antiprisma as músicas eram imaginadas para serem tocadas também com banda. “A gente queria ter essa energia do ‘ao vivo’, pontua Elisa. “E a gente tem uma troca muito boa com a Ana e com o Beeau, então nos sentimos muito em casa”, conclui.

Apesar dessas mudanças, percebe-se que o grupo ainda constrói seu caminho de forma bem orgânica, de acordo com seu próprio ritmo e sem se pautar por decisões mercadológicas ou algoritmos de redes sociais. “Por incrível que pareça, tem parecido muito revolucionário na minha cabeça você ter uma banda de rock, gravar um som ao vivo e ter essa banda fazendo coisa orgânica falando de sentimentos e relações bem humanas”, opina Victor. “A gente tem que começar a pensar por nós mesmos e parar de pensar como o instagram ou sei lá o que mais entregaria o seu conteúdo. Somos artistas e assim que é, sabe? É muito importante que isso não saia da cabeça de quem faz música e de quem está curtindo também, né?”.

Em um bate-papo extenso em uma mesa de bar com o Scream & Yell, Elisa e Victor revelaram mais sobre o single “Vampiros”, as participações especiais do novo álbum, o que está por trás do título “Coisas de Verdade” e reflexões profundas sobre a carreira de artista independente nos dias atuais. Puxe uma cadeira e confira a conversa na íntegra abaixo.

O primeiro single que vocês lançaram com o Bemti é um som mais intimista, na linha do que vocês faziam no começo. Quando ouvi o single seguinte, “São Duas Horas e Está Tudo Bem”, senti uma coisa meio Teenage Fanclub nela. E agora a nova “Vampiros” tem algo mais pós-punk. Afinal, qual é a ideia desse novo álbum? Mais um som de banda elétrica do que folk acústico?
Victor: Eu acho que o disco tem muitos momentos distintos, mas no geral a ideia foi realmente fazer um disco ‘de banda’. Uma espécie de ‘Antiprisma com esteróides’ (risos). Porque a gente pensou desde o começo que todas as nossas músicas poderiam ter banda completa. Sempre raciocinamos assim. Apesar de gostarmos muito de folk, também gostamos da sonoridade de banda completa. Mas é bem verdade isso do Teenage Fanclub, é uma coisa que sempre está na nossa mente. Quando a gente pensa em alguma coisa power pop, tipo Big Star, The Byrds…

Elisa: Na verdade, desde a época que éramos só nós dois no acústico, a gente já considerava essas referências. Teenage Fanclub, Byrds… então até para fazer de forma acústica elas já eram nossas referências.

Victor: É uma evolução natural do nosso próprio som. A gente já queria fazer esse disco desta forma e estávamos preparando essa ideia na cabeça; ‘não, vai ser com banda dessa vez’, porque naquele momento a gente tinha lançado o “Hemisférios”, que já tinha alguma coisa com bateria e outros instrumentos. E aconteceu de nos animarmos com isso, mas aí veio a pandemia, toda aquela coisa e demorou muito tempo. Mas sim, respondendo à sua pergunta original, o disco vai ter bastante som de banda. E a gente tentou levar cada faixa para um mood diferente. Não é um disco 100% homogêneo, apesar de ser bastante baixo, guitarra e bateria ou viola. É um disco que tem muitas nuances. É uma coisa que a gente ficou muito feliz de fazer, porque a maioria das tracks ali das bases foram gravadas ao vivo.

Elisa: Todas as faixas que são com banda, baixo, bateria e tal, foram gravadas no estúdio ao mesmo tempo, ao vivo. Então a gente queria ter essa energia do ‘ao vivo’.

Victor: Isso faz parte da intenção inicial da sonoridade da “São Duas Horas e Está Tudo Bem” e a “Vampiros” é a mesma coisa. É uma música completamente orgânica e que tem bastante dessa estranheza da viola…

Sim, eu percebi que você incluiu a viola nela e encaixou muito bem.
Victor: Cara, é o que eu sempre digo: a viola é a nossa guitarra brasileira, nossa guitarra elétrica. Não é só porque chama ‘viola caipira’ que você tem que tocar apenas música caipira com ela. Então tem muito o que explorar neste instrumento e esse disco tem muito disso também. Isso me deixa muito feliz.

E como é que foi que você começou a tocar viola?
Victor: Foi quando a gente estava gravando o primeiro disco, “Planos Para Esta Encarnação”. Em algumas músicas eu sentia vontade de ter um instrumento como se fosse um violão de 12 cordas, aquele som dobrado, mais forte e tal. E ao mesmo tempo eu estava ouvindo muitas coisas com afinação aberta, e isso coincide com o fato de eu realmente gostar muito do Keith Richards. E por acaso descobri que aquela afinação que ele usa, o sol aberto, é conhecida como ‘Rio Abaixo’ na viola. [Nota do Editor: tanto na guitarra quanto na viola, esta afinação produz um acorde de sol maior com todas as cordas tocadas soltas, facilitando e aumentando as possibilidades do instrumento]. E eu fiquei muito intrigado, porque ele começou a incorporar isso no som dos Stones depois que ele veio pro Brasil nos anos 1960, e quem conhece a cronologia da banda sabe que este é ‘o som do Keith Richards’. E paralelo a isso, comecei a ouvir música caipira porque me interessei pela viola…

Elisa: Isso também tem a ver com o fato que, desde a época do nosso EP, a gente estava numa super imersão do mundo folk em geral, seja de qualquer país. Então acabou que isso também nos puxou pra música tradicional brasileira. Um pensamento de ‘vamos ver o que que tem’, ‘vou mergulhar nisso também’.

Victor: E curioso que vai confluindo as coisas assim: tem essa questão dos Stones e da música folclórica brasileira. Eu não saberia te explicar o que de fato me fez ir atrás da viola, mas eu arrisquei. Fui lá, comprei uma, cheguei em casa, mostrei assim ‘olha só’ e tal. E foi amor à primeira vista, um caminho sem volta.

Elisa: Não largou mais! (risos)

A banda Charme Chulo, do Paraná, também usa uma viola no contexto de banda de rock. Mas na minha opinião o que você faz é bem diferente deles. Parece que eles usam a viola com uma pegada mais The Smiths e você faz explorando mais solos e puxando para uma raiz caipira, não?
Victor: Eu tento mesclar as coisas assim e ver qual é o limite da viola. Por exemplo, nessa música “Vampiros” tem um solo de viola no final que parece até guitarra. Muita gente vai achar que é guitarra, mas não, é uma viola. E é muito impressionante como ela soa pesada, como é um instrumento pesado se você quiser, mais que uma guitarra. É muito versátil e realmente tem um caminho que tem muito a ser explorado ainda. Fico feliz que muita gente está começando a gostar de viola também. De certa forma, acho que isso vai passando pelo imaginário das pessoas e elas vão assimilando aos poucos.

Elisa: Ir desestigmatizando algumas coisas, né? Como você falou, a associação com a música caipira, uma coisa muito específica que não faz muita parte da nossa realidade aqui em São Paulo…

Victor: Que não faz parte da nossa realidade, mas também faz porque o paulista é o mais caipira. A gente faz parte do triângulo caipira. [NE: segundo o violeiro e professor da USP Ivan Vilela, a cultura caipira nasceu da mistura entre os portugueses bandeirantes e os indígenas, sendo intimamente ligada ao bandeirismo paulista.]

Elisa: Para nós, essa é a graça de pesquisar o folk.

Victor: Isso. Quando você vê a cena de música da zona oeste de São Paulo, com um monte de banda que toca ali no Fffront, no Porta, tocava na Casa do Mancha, enfim, toca em um monte de lugar e tem uma cena forte. Mas tempos atrás, Tião Carreiro morava na Barra Funda e um monte desses caras como ele tocavam ali na Barra Funda, Pompeia e a gente nem faz ideia, sabe? As coisas estão por aí e a gente vai captando de alguma forma estranha.

É uma questão de valorizar a música e o instrumento nacional também, né? Você nunca pensou em pegar uma craviola para tocar também?
Victor: Ainda está nos planos. Vai acontecer, vai acontecer. A craviola é uma outra coisa legal. Dá uma diferenciada entre o violão de 12 cordas e a craviola. Ela tem um som mais próprio… Mas sim, isso ainda vai acontecer, com certeza. [NE: a craviola é um instrumento acústico similar ao violão, mas seu formato é inspirado no instrumento de teclas chamado cravo. Ela foi desenhada e projetada pelo violonista brasileiro Paulinho Nogueira e chegou a ser utilizada por Jimmy Page em canções do Led Zeppelin]

Eu queria perguntar como é que surgiu essa parceria com o Bemti no primeiro single do disco.
Victor: O Bemti era membro da Falso Coral, que é uma banda que fazia parte do selo do nosso primeiro EP, Mono.Tune Records, que era gerenciado pelo Felipe Consolini e desde então eles faziam folk. Tinha um som mais pop folk…

Elisa: Ele tocava viola caipira também…

Victor: Tocava! Isso me chamou atenção também porque é muito raro ver alguém nesse rolê fazer isso. E ele sempre foi uma pessoa muito amável, muito gente boa e a gente acabou sendo amigo da banda também. Fizemos inclusive participação numa música muito boa no disco deles, chamada “D”. É uma música que a gente gosta bastante. E quando a gente fez a “Tente Não Esquecer”, logo de cara pensamos ‘nossa, essa é a cara do Bemti’.

Elisa: A gente conseguiu imaginar a música na voz dele assim, logo de cara mesmo. Isso é uma coisa que costumamos visualizar às vezes; tem músicas nossas que a gente consegue visualizar na voz de outras pessoas, de amigos ou de pessoas famosas (risos). Nesse caso aconteceu com o Bemti. E pensamos em chamá-lo.

Victor: A gente nunca abriu espaço para um feat assim de voz, né? Em “Fogo Mais Fogo” [faixa de “Hemisférios”] a Gabi do My Magical Glowing Lens está lá tocando guitarra… inclusive foi uma baita de uma troca ali. Mas de vocal foi o Bemti e achei que deu super certo, foi exatamente o que a gente imaginou. Acho que ele matou a pau e só contribuiu pra música. Ficou uma coisa muito legal ter aquela troca, violas, dois vocais…

Elisa: É, dois vocais masculinos, né? Que é uma coisa que no Antiprisma nunca tinha acontecido antes. Duas vozes masculinas e duas violas caipiras na nossa mesma música. Isso é bem raro.

E além da participação do Bemti, tem mais convidados nesse disco?
Victor: Sim, tem uma música que o Zé Antonio Algodoal (Pin Ups) participa na guitarra e a gente ainda não sabe se ela vai ser um single, mas provavelmente sim. É uma faixa bem intensa, oito minutos de música. E ao vivo ela é muito bacana, tem sido uma parte bem legal do show tocá-la. A gente também conseguiu a participação do Mário Manga fazendo cello em duas faixas junto com o Fábio Tagliaferri, que toca viola de arco. Fábio Cardelli, durante as gravações no estúdio dele, participou também gravando um ronroco, que é um instrumento andino numa música que inclusive também tem participação do Zé Mazzei (Forgotten Boys) no baixo acústico. Também tem participações ocultas de Hilda Hilst, Vinícius de Moraes e Alceu Valença em “Vampiros”. No final a gente fez uma miscelânea de sons, de disco tocando de trás pra frente, entrevista gravada de programa de TV. Aquela frase que se ouve no final é a Hilda Hilst dando uma entrevista.

Pelo que eu tinha visto da ficha técnica dos novos singles, me pareceu que cada música foi gravada em um estúdio diferente. Foi algo assim?
Elisa: As músicas que gravamos com banda cheia são em um estúdio, aí as outras partes que não foram gravadas ao vivo a gente gravou em lugares diferentes. Por exemplo, as vozes a gente gravou no estúdio da Lua Gior e do Rafa Dantas em São Paulo porque eles captam muito bem as vozes, então fizemos questão de gravar com eles.

Victor: Muita coisa a gente fez no nosso home studio, mas basicamente boa parte do disco foi gravada no Estúdio FC, que é do Fábio Cardelli – que aliás, tem muitas músicas legais…

Elisa: E tem o estúdio do Beeau também, o Memória, que foi onde foi gravado o disco da Retrato.

Victor: E a gente levantou praticamente todas as músicas desse disco da Antiprisma e da Retrato nesse estúdio.

Todos eles são aqui em São Paulo capital mesmo?
Victor: Menos o do Cardelli que é em Alphaville, Barueri. A bateria e algumas guitarras da “São Duas Horas e Está Tudo Bem” foram gravadas há muito tempo em Jacareí, durante a pandemia. A gente acabou regravando algumas coisas porque mudamos o arranjo. Mas pelo menos umas cinco ou seis músicas foram basicamente no [estúdio do] Cardelli.

Eu sei que é meio chato ficar perguntando “o que quer dizer tal letra?”, mas qual foi a inspiração para “Vampiros”?
Victor: É uma metáfora para essa sensação que a gente tem de ‘intangibilidade’, sabe? De não conseguir expressar seus sentimentos ou de estar alienado, à parte do mundo.

Elisa: É meio como observar a própria vida e o mundo em torno com algum distanciamento. Como se você estivesse no mundo, mas não faz tanta parte dele. A gente ficou pensando ‘é mais ou menos como os vampiros’ (risos).

Victor: E ao mesmo tempo a gente, todo mundo, se sente um pouco ‘vampiro’ em algum momento. Quando bate aquela sensação de alienação perante o mundo, que você está no seu mundinho. Essa é a ideia de “Vampiros” que a gente quis falar na música, essa comunicação meio intrincada. Esse pouco pertencimento em relação ao mundo externo.

Elisa: Mas também dá para aplicar isso em relacionamentos. Um distanciamento que se aplica para qualquer coisa.

Victor: Todo relacionamento é um pouco isso, né? Todo relacionamento é um mundo próprio.

Lembro que no último álbum já tinham algumas coisas que vocês fizeram com um conteúdo meio político, até por conta do que a gente estava vivendo com o governo e a pandemia – e de certa forma ainda estamos. Vocês acham que isso também se estendeu para o disco novo?
Victor: Não daquela mesma maneira.

Elisa: Acho que todas as nossas letras, nosso trabalho, tem um cunho político. Penso assim, mas não tão explicitamente quanto em algumas músicas do outro disco.

Victor: Nesse caso, acho que a gente pensou em falar de forma diferente. Porque este acabou sendo mais um disco de crônicas, como se fosse um disco que a gente fala mais do pessoal, do interno. Antes era uma coisa um pouco mais contemplativa, para fora…

Elisa: Agora não, é como se fosse uma lupa apontada para dentro.

Victor: E vez ou outra a gente tinha essas músicas políticas, como “Só Porque Você Não Se Encontrou”, “Não Verás País Nenhum”, né? Mas dessa vez, acho que por conta do que vivemos nos últimos anos, a gente voltou muito para dentro de nós e a inspiração veio muito dos nossos sentimentos pessoais mesmo, nada muito de fora. Antes a gente falava mais de paisagens ou analogias tipo o ‘deserto’, o ‘céu’, o ‘sol’…

Elisa: É, até as próprias imagens das músicas mudaram. Essas palavras imagéticas das músicas não são mais tão contemplativas agora. Pode ser que voltem a ser (risos), mas neste disco foi meio assim. Ele é mais urbano, tem mais imagens de ambiente urbano.

Antiprisma no formato quarteto com Beeau, Victor, Elisa e Ana

Eu ia perguntar exatamente isso: o que vocês acham que esse disco difere dos outros. O que vocês enxergam dele e dos álbuns anteriores?
Elisa: A primeira e maior diferença, mais óbvia do campo prático, é o fato dele estar mais orientado para banda e pro elétrico. Além disso, acho que as nossas músicas sempre foram meio sérias, sisudas, mas nesse disco a gente está um pouco mais. Talvez por conta de que a gente envelheceu… No bom sentido, até. A gente se sente um pouco ‘menos inocente’ em relação ao mundo. Pra mim essa é a sensação que tenho com essas músicas, comparando com as primeiras.

Victor: Eu acho que, se a gente pegar tudo que a gente fez, o primeiro EP faz dez anos este ano, é bastante tempo. Na época a gente tinha muito certo o que a gente queria fazer. Foi uma coisa muito apaixonada, muito aventureira de se fazer porque a gente estava se lançando. O segundo álbum foi um pouco disso também, porque boa parte do que não entrou no EP está no primeiro álbum, mas ele tem bastante a essência do que é realmente o Antiprisma. Já o “Hemisférios” é um disco que a gente quis botar a mão na massa, produzir e criar tudo e talvez seja o que a gente mais teve total autonomia. Tudo que está lá, a gente pensou minimamente.

Elisa: A gente fez todas as etapas do processo de produção, pré-produção, gravação…

Victor: Tudo que é timbre, tudo que está lá, nós que pensamos mesmo em como fazer. Foi um disco que deu muito trabalho e eu tenho muito orgulho dele. Já esse de agora, a gente ainda não ouviu como vai ser exatamente, mas acho que talvez seja nosso trabalho mais maduro, nosso melhor nesse sentido. E igual a Elisa falou: as composições estão mais sérias, a gente envelheceu no sentido de se entender melhor, do que a gente é.

Elisa: Sem contar que a gente passou por esse grande trauma coletivo e pessoal que foi a pandemia. Então ele carrega sim esse sentimento que ficou, essa melancolia, essa revolta, essa coisa bem profunda mesmo. Às vezes até um pouco sombria, sabe? Ele carrega tudo de cabo a rabo.

Victor: Mas ele também traz esse esmero – vamos dizer assim – do “Hemisférios”, mas com muito mais profundidade, no sentido de ter mais duas pessoas: a Ana e o Beeau, que estão ali e a gente fez questão de abrir nosso universo para eles. E acho que isso só teve a acrescentar. Basicamente é isso.

Elisa: A gente vê como uma continuação mesmo do Antiprisma. A gente não joga nada fora do que já fizemos. É uma continuação bem coerente. Inclusive várias músicas deste novo disco remetem bastante às do começo, do EP. Mesmo de forma não óbvia.

Victor: “Tente Não Esquecer” é uma música que poderia estar no EP ou no primeiro disco. Alguma coisa ou outra ali é bem do começo.

Estava vendo umas entrevistas antigas e em uma delas, bem do início do grupo, falava que a Elisa tinha uma facilidade para fazer melodias em inglês e depois o Victor ajudava a fazer a letra em português. O processo de composição de vocês ainda é assim ou mudou com os anos?
Elisa: Eu raciocinava muito mais em inglês no começo do Antiprisma para buscar melodias, mas agora não é mais assim. Acho que o processo acabou mudando e tenho mais facilidade. O que acaba acontecendo é que eu faço a melodia não necessariamente com palavras que existem. É a melodia em si, e a partir dela, eu busco com o Victor as letras, as palavras que se encaixam nessa melodia, a métrica e a tônica. É mais por aí.

Victor: Não tem uma regra certa; às vezes ela chega com uma melodia, às vezes eu chego com a melodia, às vezes ela chega com uma ideia de um estado de espírito e sai alguma coisa a partir daí. Muitas vezes alguém chega com uma música quase inteira pronta e a outra pessoa arremata ali com uma coisa que fez total diferença para a composição. Então sempre é uma parceria mesmo, nunca é assim ‘ó, eu fiz 100% dessa música’ ou a Elisa fez. Então não tem uma regra. Mas no geral o que dá para dizer que sempre fazemos é primeiro a música, depois a letra. Nem me lembro se teve alguma música nossa que saiu a letra primeiro…

Elisa: Eu acho que não teve não.

Victor: Mas é isso; é a melodia que chega, ou é um riff, ou é uma harmonia, progressão de acordes. Mas a gente sempre está assim dialogando ‘olha, o que que isso aqui te lembra?’ Eu acho que a Elisa é a melhor editora das minhas músicas e vice-versa. A gente se entende muito bem assim, o que fazer nas composições…

Elisa: Para qual caminho levar, né?

Eu queria saber como é que está sendo para vocês essa ‘dobradinha’ de tocar na Antiprisma e na Retrato ao mesmo tempo. Como é essa experiência?
Victor: Olha, no começo foi uma loucura porque a gente estava levantando o repertório da Retrato e também da Antiprisma tanto para fazer o show quanto para ensaios de composição. Mas hoje está mais tranquilo. Tem sido um aprendizado porque a Ana e o Beeau nos influenciam muito e creio que seja uma via de mão dupla. Tem sido muito prazeroso para mim especialmente estar tocando baixo na Retrato, pois eu sou baixista de origem, então não precisa cantar, é só tocar baixo e nossa, é uma realização para mim (risos).

Elisa: E para mim também só tocar guitarra. Nem sempre me preocupar em cantar, apesar de que um backing ou outro a gente acaba fazendo. Mas é só tocar guitarra, sem me preocupar de estar lá no front… é muito bom. E é isso, a gente tem uma troca muito boa com a Ana e com o Beeau, então nos sentimos muito em casa. Temos uma relação de muito respeito, então é por isso que acaba dando certo até para conciliar horário, prioridades daquele momento, de qual banda vai focar, o que vai fazer… é uma relação muito madura.

Victor: Tem o bom senso de entender quando é o momento de cada banda. E a John [Di Lallo] também contribui bastante para isso, mesmo ela não sendo da Antiprisma. Ela sempre está ali e faz parte desse processo de certa forma. “O Enigma de Um Dia” é um disco que eu tenho muito orgulho, é um repertório muito bom ao vivo. Acho que a gente tem feito um show bem poderoso e a nossa amizade é muito grande, por isso dá certo ter duas bandas e não ter problemas.

E como é que vai ficar a questão da Retrato agora que vocês vão lançar o disco novo do Antiprisma? A Retrato vai dar um tempinho ou vão ficar costurando show das duas bandas?
Elisa: As duas bandas seguem sempre em paralelo. Uma não precisa parar ou estacionar para a outra andar. Então é nessa conciliação sempre assim, costurando shows eventualmente quando tiver de uma ou de outra.

Victor: Eu acho que não vai mudar muita coisa não. Porque a gente começou ensaiando como Antiprisma as primeiras músicas que gravamos nesse disco, e durante esse processo é que eles nos convidaram para fazer parte da Retrato, que era uma vontade que eles tinham de ter essa banda. Então desde o começo a gente sabia que ia ter que conciliar. No começo foi meio estranho a gente entender o que é uma banda e o que é a outra. Para mim pelo menos foi um processo diferente, mas tranquilo. Acho que não muda nada e quem sabe a gente faça shows por aí juntos em outras cidades ou até em São Paulo mesmo. É sempre um prazer.

Talvez por terem começado como uma dupla acústica, sempre tive a impressão de que vocês procuram fazer as coisas do jeito de vocês, de forma bem pessoal e artesanal. Como vocês estão enxergando o cenário independente pós-pandemia?
Elisa: No pós-pandemia a gente voltou meio que com a sensação de que estaríamos começando quase do zero de novo. Tateando de novo, conhecendo o cenário… Estou achando bem diferente de antes da pandemia, sabe? Mas ao mesmo tempo algumas coisas se mantêm: o espírito de ‘faça você mesmo’, essa vontade de que as coisas aconteçam e tal. Mas a gente ainda está entendendo como é que está o cenário, pra saber como é que a gente vai se colocar de novo nessa nova realidade – que não é mais tão nova, se for ver – mas a sensação é que é nova ainda.

Victor: Eu particularmente acho muito difícil porque, como a Elisa disse, a gente já saiu da pandemia há uns anos, daquele vórtex do absoluto nada, que estava todo mundo parado. Mas voltamos de um modo que muita coisa que a gente valorizava se perdeu e está tendo que se reinventar, tentar encontrar qual que é o mote agora da galera que faz música independente. Estamos percebendo que ainda está sendo um processo entender o que que vai ser dessa cena, pelo menos aqui em São Paulo. Eu vejo que a gente ainda está experimentando, ver o que vai acontecer. Mas por outro lado, tem muita gente que está firme, atenta e estamos dispostos a dialogar com essas pessoas. Na verdade, quanto mais pessoas, melhor. Inclusive se a gente conseguisse abrir esse nicho independente de alguma forma e o tornasse mais abrangente, acho que seria muito positivo. Eu achava que no pós-pandemia ia correr para isso, mas isso ainda não ocorreu. Mas tenho esperança de que isso vai ocorrer (risos).

Elisa: Isso é um raciocínio meio anti-algorítmico (risos).

Victor: Exatamente isso. A gente tem que começar a pensar por nós mesmos e parar de pensar como o instagram ou sei lá o que mais entregaria o seu conteúdo. Somos artistas e assim que é, sabe? É muito importante que isso não saia da cabeça de quem faz música e de quem está curtindo também.

Antiprisma flagrado ao vivo no Fffront

E o nome do disco novo, qual é a ideia por trás dele?
Elisa: O disco novo vai se chamar “Coisas de Verdade” e é uma ideia que o próprio nome já diz: reforçar essa importância que a gente dá para as coisas que são palpáveis e reais, as conexões reais mesmo. E na situação atual, a gente sente a necessidade desse reforço cada vez mais…

Victor: Quando a gente começou a fazer o disco e vimos como ele estava ficando, veio essa ideia muito por conta dessa evolução de dois ou três anos para cá das mídias sociais, inteligência artificial e tudo isso. A gente percebeu esse movimento da evolução das coisas, da comunicação, da tecnologia e de lidar com isso. A gente está cada vez mais artificial e muitas vezes nem percebe o que está sentindo; só sentimos o que algoritmo mandou sentir ou manifestar. E por incrível que pareça, tem parecido muito revolucionário na minha cabeça você ter uma banda de rock, gravar um som ao vivo e ter essa banda fazendo coisa orgânica falando de sentimentos e relações bem humanas.

Elisa: E são processos longos né? Porque processos longos são quase artesanais e isso é anti produtivo se você pensar na lógica da velocidade atual. Porque pô, é tempo de ensaio, tempo de composição, é tudo tempo. E se sabe que não vai ter necessariamente um retorno de tudo isso como se espera nos dias de hoje.

Victor: Nossos discos são assim: a gente faz no tempo que dá, sabe? A gente não contabiliza quanto tempo a gente vai usar. Quem sabe no próximo façamos isso para não ficar doido, né? Mas é isso: “Coisas de Verdade” porque o disco realmente soa bem orgânico, bem verdadeiro. Tudo ali é muito sincero, sem trend, sem subterfúgios, sem querer agradar ninguém. Se você gosta, gosta. Se não gosta, tudo bem, está tudo certo. Mas eu vou continuar sendo humano. Essa é a minha escolha e espero que quem ouça entenda que ali há um diálogo entre seres humanos e que vamos celebrar isso, porque acho que é o que falta; a gente enaltecer isso e não a tecnologia ou sei lá o quê. O que isso tudo tem me trazido de bom nesse momento? Sinceramente é uma coisa que eu acho que todo mundo deveria pensar um pouco, sabe?

Vocês pensam em lançar clipes das músicas do novo disco? Alguma coisa meio conceitual, tipo vídeos para todas as músicas ou coisa assim?
Victor: Olha, a gente é doido pra fazer algo assim…

Elisa: Já consideramos fazer isso.

Victor: Mas por enquanto a certeza que temos é que vai ter o clipe de “Vampiros” e um outro material com imagens da gravação, provavelmente um making off do disco e também com as sobras desse clipe.

Elisa: Estamos com bastante material.

Victor: Só não sabemos direito como fazer e o tempo que a gente vai ter para fazer. Você sabe como é, ser uma banda independente é desafiador, porque é muita coisa que tem que pensar. Mas quando vemos o produto final, dá um orgulho. Estamos aí de pé há dez anos e não é fácil. Passamos por muita coisa, tocamos em muito lugar, fizemos de tudo já e agora estamos buscando nos reinventar nesse sentido.

Elisa: E tudo que fazemos além da música é com esse intuito de ficar contente de fazer, de se expressar. Não são como peças publicitárias para divulgação, então não usamos muito a lógica mercadológica para lançar as coisas, sabe? Por isso que depois do disco lançado temos todo o tempo pra gente ver quais materiais a gente vai lançar em seguida.

E quais vão ser os próximos passos da banda? Vocês têm mais shows marcados assim depois do lançamento desse single?
Victor: Bom, a gente está pensando em fazer um show para celebrar esse single. E estamos querendo fazer um show com um pessoal da literatura que é uma ideia que a gente tem pensado já há muito tempo, de querer envolver a música independente com outras vertentes da arte. Já fizemos isso no espetáculo Reflexvs com a Retrato e também o Psicomanto, mas algumas coisas que misturavam linguagens visuais. É um caminho que pode ser que a gente escolha trilhar. Essa parte dos shows ainda está um pouco nebulosa, no sentido de saber se a gente vai seguir esse caminho ou se vamos fazer mais shows convencionais. Mas inclusive a gente está querendo fazer um circuito de shows em Minas Gerais, no Paraná e Rio de Janeiro. Isso deve acontecer em breve. E quem estiver em São Paulo, que fique atento que logo logo deve aparecer um show do Antiprisma. E provavelmente ele será diferente, especial. Espero que seja uma experiência única para quem estiver no evento e que curta essa mistura. Acho que é importante ter esse diálogo com a literatura e tudo mais.

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br

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