Filipe Bragança, Giovanna Cordeiro e Paulo Machline falam de “Meu Sangue Ferve Por Você”, um “Cinderela Baiana” que deu certo

entrevista de João Paulo Barreto

Não se engane com a chamada dessa entrevista. Apesar de fazer uma referência direta a um dos “melhores piores” filmes de todos os tempos, sua alusão aqui só cabe no sentido de destacar a ideia do romance clássico e dos contos de fadas envolvendo um príncipe encantado e uma bela donzela (aqui, também, baiana) que tem sua vida modificada em 180 graus após o “charming” bonitão surgir em sua existência. Diferente do clássico da Disney, porém, temos uma mulher de pulso filme, decidida e que não se deixa abater por adversidades, tampouco ser humilhada por pretensos vilões que buscam atrasar sua vida.

Na figura do príncipe, um carismático e marcante personagem da cultura pop brasileira, personificação exata da extravagância (no melhor sentido da palavra) em vestimentas e na aplicabilidade do conceito de “insaciável e sedutor amante latino”. Tal persona, no entanto, não passa disso: um personagem. Por trás dessa figura de voz aveludada, presença e beleza contagiantes, um homem apaixonado que busca a serenidade de uma pacífica vida à dois e a tranquilidade de quem tem a sorte de um matrimônio feliz.

Tal símbolo da cultura pop, como você já deve ter percebido, é o cantor Sidney Magal. Já a sua presença real e apaixonada em busca de paz no amor é Sidney Magalhães, que, no auge de sua carreira de sucesso no começo dos anos 1980, em uma visita profissional a Salvador, se apaixona por uma jovem de 17 anos, a baiana Magali West, que também já teve seus percalços no amor. “Meu Sangue Ferve por Você” (2024), simpático conto de fadas em forma de comédia-musical romântica, narra com liberdade criativa e diversos números de dança ilustrados com as canções marcantes de Magal (uma delas, marcante, com um Caco Ciocler na pele de um inescrupuloso empresário) essa história de amor que começou naquela soteropolis e dura até hoje na vida de Magal e Magali.

Filipe Bragança, em conversa com o Scream & Yell, falou sobre essa missão em seu trabalho como ator na busca equilibrar as duas facetas de Magal, personagem principal que ele encarna com exatidão. “É menos sobre mostrar o meu trabalho e mais sobre entender o que é esse personagem. Entender os dois. O Sidney Magal e o Sidney Magalhães. Entender essas duas facetas e tentar capturar essa essência. Mas quando eu soube que eu ia interpretar o Sidney Magal, eu tinha, mais ou menos, uma visão clara do que é que eu teria que fazer. Quer dizer, é o Sidney Magal. Todo mundo conhece e eu já o conhecia”, explica o jovem ator.

A atriz Giovanna Cordeiro traz para sua versão de Magali West uma baianidade que escapa das armadilhas do caricato, tão comuns quando atores sudestinos representam nordestinos. “Eu acho que tem um lugar muito gostoso na construção de personagem, independente da região, que é essa questão: pelo que ela está lutando? O que ela quer ali? A Magali tem 17 anos no nosso filme. Ela tem uma sede pela liberdade, uma vontade de querer viver, de descobrir o mundo. E uma mãe muito amorosa, mas muito controladora. E o personagem do Magal é esse cara que abre esse caminho para essa possível liberdade e, também, para o encantamento. Eu levei muito pra esse lugar”, explica Giovanna.

A opção acertada de estruturar o filme a partir de uma comédia-musical romântica é abordada pelo diretor Paulo Machline: “Eu nunca tinha feito um musical antes. E eu sempre tive muita vontade, mas não era o gênero que eu consumia como cinéfilo. Não era. Mas quando comecei a trabalhar no roteiro e entendi que as músicas do Magal poderiam entrar no filme, falei: ‘deixa eu entender esse gênero’. E daí eu fiz uma pesquisa bastante ampla, o que é um dos momentos mais legais de um projeto: quando você vai entender o que você quer fazer. São os momentos mais legais do processo de se fazer um filme”, explica Paulo.

Neste papo com o Scream & Yell, Filipe, Giovanna e Paulo falam um pouco mais sobre construir essa fábula musical. Confira!

Na entrevista que fiz com o Sidney Magal no ano passado, ele falou sobre encontrar esse equilíbrio entre o Magal e o Magalhães em sua vida pessoal e como artista. Como foi para você encontrar esse mesmo caminho representando as duas facetas do homem?
Filipe Bragança – É menos sobre mostrar o meu trabalho e mais sobre entender o que é esse personagem. (No caso) Entender os dois: o Sidney Magal e o Sidney Magalhães. Entender essas duas facetas e tentar capturar essa essência. Quando soube que eu ia interpretar o Sidney Magal, eu tinha, mais ou menos, uma visão clara do que é que eu teria que fazer. Quer dizer, é o Sidney Magal. Todo mundo conhece e eu já o conhecia. Claro que eu não o conhecia tão profundamente quanto viria a conhecer depois de pesquisar para fazer o papel. Só que depois entendi melhor a proposta do Paulinho (Machline, diretor) para esse filme. Entendi melhor qual seria a linguagem. E, aí, sim, entendi que está tudo muito claro. O Sidney Magal está ali. Ele começa o filme como Sidney Magal. E aí, depois, cada vez mais se torna e se agarra ao Sidney Magalhães. Acho que é um pouco esse o caminho do personagem. Talvez esse seja o seu grande arco no filme: ele se apropriar do Sidney Magalhães de uma vez por todas. O personagem tem essas duas facetas muito claras no filme. O artista, o amante latino, querido por todos e todas. E o Sidney Magalhães apaixonado, desejando uma família e desejando um amor para a vida. Para mim, é isso. Foi um processo natural. Tive o Paulinho junto comigo. Tinha a Joana Mariani, também, que é uma das produtoras do filme. Ela tinha muito material por ter dirigido o documentário “Me Chama Que Eu Vou” (2021). Ela tinha muito material que eu não encontraria na internet com tanta facilidade. Ela me passou tudo isso. E, além de tudo, pude conhecer o próprio Magal, falar com ele. E ele me contou muita coisa. Muitas histórias e experiências. E isso era o mais importante para mim. Era ouvir como ele lidava com a carreira e como ele lida com o mundo e com esse amor que existe na vida dele. Essa foi a forma natural de entender esses dois.

Giovana, eu nasci na Bahia e vivi aqui toda a minha vida. Por isso, posso afirmar com segurança que é perceptível em sua construção de Magali uma naturalidade dentro de um comportamento regional orgânico, com sotaques que escapam do cartunesco. Como foi esse processo junto ao Paulo e à Emanuelle Araújo e Tãnia Toko, duas atrizes daqui?
Giovana Cordeiro – Eu acho que tem um lugar muito gostoso na construção de personagem, independente da região, que é essa questão: pelo que ela está lutando? O que ela quer ali? A Magali tem 17 anos no nosso filme. Ela tem uma sede pela liberdade, uma vontade de querer viver, de descobrir o mundo. E uma mãe muito muito amorosa e protetora, mas controladora, que já viveu uma história parecida com essa que ela está agora querendo se aventurar para viver romanticamente. E o personagem do Magal é esse cara que abre esse caminho para ela. Um caminho para essa possível liberdade e, também, para o encantamento. Eu levei muito pra esse lugar. Ele apresentando para ela uma fantasia gostosa de ser vivida. Acho que o elenco foi muito generoso comigo. A Emanuelle e a Tânia me trouxeram muita coisa do que é ser baiana, da forma de falar, da maneira de falar entre a família. E eu, muito malandramente, só ia absorvendo, ouvindo, recebendo, incorporando. Eu e a Sol, que faz a minha prima, a Ana Maria, a gente estava muito nesse lugar de descoberta. A gente foi muito uma ao lado da outra. Acho que, nesse sentido, o nosso filme foi muito feliz com a união dentro do processo. Fui descobrindo essa baianidade. Acho que, depois, fazendo, vendo e ouvindo, confesso que durante o processo eu fui ficando naturalmente insegura com esse lugar. Muito pouco por querer representar de uma maneira respeitosa. Mas fui encontrando um acolhimento muito gostoso desse lugar, dessa família. E, nesse sentido, eu me aproximava disso. Porque histórias familiares fazem muito parte de quem eu sou e da maneira como eu gosto de me relacionar. Eu também sou de uma família que tem muitas mulheres, como a Magali. E essa troca, esse lugar dessa intimidade feminina, também, me ajudou a criar naturalidade. Acho que a gente vai somando todas essas coisas, sabe? Entender o que essa personagem está, de fato, querendo. O que ela quer de todos esses personagens? por que ela age dessa maneira? Como filha, eu poderia roubar tudo dessa mãe. Poderia herdar todas essas características. Eu fiz isso e fiquei bastante feliz. E estou muito feliz de vocês aqui, em Salvador, falando que encontra essa baianidade na Magali, nessa família. Porque é um objetivo que foi alcançado e era muito esperado.

E como foi esse contato com a Magali para resgatar suas memórias e usá-las no filme?
Giovanna – Ela me contou bastante sobre situações da sua vida. E ela era muito moleca, muito solta. E isso é muito legal de perceber. Porque a gente está falando desses dois pólos, desses opostos do Magal e da Magali. Ela é muito prática e solta, mas, ao mesmo tempo, menina. Ela tinha essa vontade de ser livre e tudo mais. E, através disso, eu fui entendendo um pouco dessa energia dela. Essa energia mais da execução, mais prática, mais acelerada. E esse contraponto que a gente foi construindo aqui também, que a gente enxergou no casal, que é um Magal mais romântico, em um tempo alargado das coisas. Mas mais acelerado, também, no lugar da paixão. E ela mais: “opa, pera aí, vamos com calma”. Então, acho que, através disso, eu fui entendendo essa persona como um todo. E a baianidade, hoje em dia, está muito no casal. Quando a gente foi ver o material do “Me Chama que Eu Vou”, tinha muita coisa com a Bahia nesse pano de fundo. Então, nesse sentido veio, veio tudo junto

Paulo, ao construir o roteiro do filme, a ideia de ser um musical que brinca com a quebra da quarta parede e insere os números musicais com as canções de Sidney Magal, as referências a Bollywood, sempre foi algo que esteve na gênese do projeto?
Paulo Machiline – Quando a gente começou a trabalhar nesse projeto, eu nunca tinha feito um musical antes. Sempre tive muita vontade, mas não era o gênero que eu consumia como cinéfilo. Não era. Eu conhecia, obviamente. Eu assistia aos grandes filmes e tal, mas quando comecei a trabalhar no roteiro, quando entendi que as músicas do Magal poderiam entrar no filme, falei: “deixa eu entender esse gênero”. E daí eu fiz uma pesquisa bastante ampla, o que (sempre) é um dos momentos mais legais de um projeto: quando você vai entender o que você quer fazer. Quando vai entender qual é a linguagem, qual é o gênero e subgênero. Para mim, são os momentos mais legais e mais ricos do processo de se fazer um filme. Fui conhecer os filmes de Bollywood, fui conhecer a escola francesa de musicais, que é muito diferente da escola americana. E me aprofundei na americana para descobrir daí o que eu queria fazer. E encontrei uma linguagem híbrida. Bebo na fonte dos musicais americanos, mas trago isso que cria um diferencial para o filme. Eu trago Bollywood para esse filme. E foi uma coisa proposital. A gente queria fazer isso. A gente, inclusive, tinha versões que era mais Bollywood ainda, sabe? Mas acho que essa forma híbrida que encontramos é o que transformou o filme no que ele é. É muito bacana quando vemos que algo que planejamos com um determinado objetivo foi cumprido. Com esse filme, a gente buscava uma comédia romântica com um subgênero musical. E deu certo.

João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde, de Salvador. 

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