texto de Luciano Ferreira
A experiência de ouvir ‘Big Anonymous’ (2024), o sétimo álbum do El Perro Del Mar, projeto da sueca Sarah Assbring, é nada menos do que avassaladora, e talvez poucos estejam preparados para um encontro com essas composições tão devastadoras, lírica e musicalmente falando.
As dez faixas que formam o novo disco do El Perro del Mar foram compostas originalmente para uma apresentação no Royal Dramatic Theatre de Estocolmo. Daí surge a explicação para a sensação de uma trilha sonora imersiva e densa no percurso do disco. ‘Big Anonymous’ é uma experiência sonora quase cinematográfica, que busca em cada mudança de faixa tocar o âmago do ouvinte com sentimentos que vão da completa desolação à intensa reflexão através de arranjos lentos, conduzidos por uma instrumentação minimalista, mas ao mesmo tempo atmosférica e envolvente, e completada pela voz quase etérea da artista e letras repletas de frases que “queimam”. Os títulos de algumas canções entregam um pouco do conteúdo: “Cold Dark Pond”, “The Truth the Dead Know”, “Kiss of Death”…
Sarah canta cada canção com o “coração na mão”, e discorre sobre a efemeridade da vida, a dor da perda e a necessidade de valorizar as pequenas coisas – exemplo disso é a emocionante “One More Time”, onde implora: “Me dê mais uma vez / Só mais uma vez/ Com você / Por favor, me perdoe / Por ter outra coisa / Em minha mente / Além de você”.
A artista perdeu várias pessoas próximas, e o luto está refletido nas opções artísticas para o álbum. A própria Sarah confessou que se sente atraída pelo sentimento de melancolia, uma constante aqui. A ideia que ela pretendia para o trabalho foi perfeitamente captada pelos seus colaboradores Jacob Haage (parceiro de longa data e principal colaborador musical) e Petter Granberg, responsáveis pelos sintetizadores.
Construído a partir de camadas de sintetizadores, batidas ecoantes e elementos orquestrados, ‘Big Anonymous’ é uma obra ao mesmo tempo atraente e assustadora. Musicalmente, se distancia de tudo que a artista já fez até aqui com o seu projeto ao longo de mais de duas décadas, e cuja sonoridade nunca esteve presa a gêneros musicais em específico. O novo trabalho marca um momento único na carreira de Sarah e seu projeto, que já havia mostrado o anseio por mudanças sonoras em singles densos lançados anteriormente, como “Broder” (2018) e “Please Stay” (2019), este último presente no álbum.
A primeira parte da obra é formada por canções que se assemelham a um bloco espesso, quase intransponível, calcado em experimentações e comandado pela sufocante “Suburban Dreams” e pela assustadora “Cold Dark Pond”, onde ela parece dialogar com a figura paterna sobre sentimentos herdados: “Você tem a mesma escuridão que eu… Eu coloquei isso em você”.
Na segunda parte há canções menos experimentais e com formatação mais acessível, iniciando com “Between You and Me Nothing” e finalizando com a dolorosa “Kiss of Death”, onde Sarah canta sobre a dor da perda e a aceitação. Longe dos padrões convencionais da música pop, ‘Big Anonymous’ é uma obra que requer atenção e audição cuidadosa. Quem se dispuser a isso, encontrará um álbum sublime, apesar de toda a dor que transborda.
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge : A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.
Fui, do alto dos meus 57 anos, atrás pra ouvir com uma curiosidade intensa. E o que ouvi é muito mais do mesmo pra quem atravessou os anos 80, ouvindo aquelas coisas típicas da coletânea lonely is an eye sore ou similares. Tanta coisa já impregnadas ali. Aí quem escreve já coloca algo como “poucos estão preparados”… enfim…um feijão com arroz bem requentado, na verdade.
Olá, Ismael. Ao usar a expressão “TALVEZ poucos estejam preparados para um encontro com essas composições tão devastadoras, lírica e musicalmente falando”, me referi principalmente para quem acompanha a carreira do El Pero del Mar, mas também pelos temas das letras e conceito que o álbum se debruça. E acho que a comparação com a coletânea da 4AD bem distante em termos de propostas musicais.