Especial: 12 músicas do mestre Cassiano

por Bruno Capelas, especial para o Scream & Yell

“Ouvindo Cassiano, rá/os gambé num guenta”: fosse só por ser citado por Mano Brown em “Vida Loka (Pt.2)”, Genival Cassiano dos Santos já mereceria um lugar na eternidade da música brasileira. Mas a verdade é que há muito para se descobrir na obra desse compositor, cantor e guitarrista paraibano – especialmente para quem se dispuser a navegar para além dos onipresentes hits “Primavera (Vai Chuva)”, “Eu Amo Você”, “Coleção” e “A Lua e Eu”.

Dono de uma discografia tão marcante quanto curta – foram apenas quatro discos na carreira solo, mais um com a banda Os Diagonais, todos hoje disputados a tapa por colecionadores de vinil –, Cassiano passou muito tempo sob a fama de maldito. Após seu maior sucesso, com o disco “Cuban Soul: 18 Kilates”, de 1976, ele sofreu com problemas no pulmão e com a incompreensão das gravadoras, se impondo um autoexílio no mundo da música por várias décadas. O afastamento foi apenas interrompido pelo mezzo despedida/mezzo tributo “Cedo ou Tarde”, de 1991, com participações de discípulos como Djavan, Sandra de Sá, Marisa Monte (que gravou recentemente “A Lua e Eu”), Ed Motta e Claudio Zoli.

Morto aos 77 anos, em 2021, por graves problemas respiratórios, o guitarrista natural de Campina Grande teve uma partida tímida, em meio à segunda onda da covid-19. Agora, ele recebe uma justa homenagem na próxima edição do C6 Fest. Em apresentação comandada por Daniel Ganjaman, os cantores Fran e Preta Gil, Liniker, Luccas Carlos e Negra Li vão fazer o Baile do Cassiano no dia 19 de maio no Parque do Ibirapuera, no mesmo palco que receberá o cantor Daniel Caesar e as bandas Paris Texas e Young Fathers.

Para se preparar para o Baile do Cassiano, a reportagem do Scream & Yell organizou uma playlist para quem deseja uma imersão rápida pela discografia de Cassiano, pronta para aquecer não só o corpo, mas também o coração, a caminho do festival.

“Coleção”, do disco “Cuban Soul: 18 Kilates”, de 1976
Para começar, é difícil escapar de um dos maiores hits da carreira de Cassiano – até porque é impossível não se render ao charme de versos como “sei que você gosta de brincar de amores…”. Além da versão original, do disco “Cuban Soul”, a faixa ganhou vida nova ao longo das últimas décadas em regravações de diferentes gêneros. Pode escolher a sua favorita: tem Banda Eva, Mart’Nália, Emílio Santiago, Sampa Crew, Djavan e até mesmo o Biquini Cavadão.


“Primavera (Vai Chuva)”, do disco “Imagem e Som”, de 1971
Composta por Cassiano e Silvio Rochael, “Primavera” ganhou sua primeira (e talvez definitiva) versão no disco de estreia de Tim Maia, “Tim Maia”, em 1970. Não era só: o trabalho ainda tinha outras três canções do paraibano (“Você Fingiu”, “Eu Amo Você” e “Padre Cícero”, esta última em parceria com o síndico). O sucesso de “Primavera” abriu caminho para que ele gravasse seu primeiro disco na RCA no ano seguinte, registrando a sua própria leitura da canção– mais acelerada e urgente que a de Tim. Atenção para os bem cuidados vocais d’Os Diagonais no apoio.


“Não Dá Para Entender”, com Os Diagonais, no disco “Os Diagonais”, de 1969
Criado no Rio de Janeiro, Cassiano começou a carreira tocando bossa nova e samba jazz no Bossa Trio. Depois, com o irmão Camarão e o amigo Amaro, fundou o grupo Os Diagonais, bastante influenciado pela soul music da época. É algo que fica evidente neste disco de estreia, que reúne versões suingadas para standards do samba como “Praça Onze”, “Na Baixa do Sapateiro” ou “Cabelos Brancos”. De originais, apenas duas faixas: a bem-humorada “Clarimunda”, que mistura soul e baião, e a enérgica “Não Dá Pra Entender”. Foi o suficiente, porém, para estreitar os laços entre Cassiano e um recém-chegado dos EUA… Tim Maia. (Além deste, os Diagonais gravaram ainda outro disco interessantíssimo, “Cada Um Na Sua”, já sem Cassiano, mas cheio de suas composições. O trabalho foi relançado recentemente em LP pelo pessoal da Três Selos, em edição caprichada).


“Minister”, do disco “Imagem e Som”, de 1971
Hoje vendido por milhares de reais por colecionadores de discos, “Imagem e Som” fez pouco barulho na época de seu lançamento. Mas é um disco cheio de pepitas pop, como é o caso de “Minister”: em menos de dois minutos, Cassiano presta uma homenagem a “Azul do Cor do Mar”, conta a história de um homem dividido entre dois amores e que, sem saber o que fazer, decide fumar seu cigarro Minister, deitar e dormir. Um manual pra vida.


“Uma Lágrima”, do disco “Imagem e Som”, de 1971
“Bença, mãe! Estamos iniciando nossas transmissões, essa é a sua rádio Exodus”. Para fãs dos Racionais MCs, é difícil não completar os primeiros segundos de “Uma Lágrima” com o discurso de Mano Brown em “Sou Mais Você”. Mas há muito mais nessa canção que a introdução de cordas sampleada na abertura de “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia”: aqui, Cassiano compõe uma balada de rara beleza, inoculando todo o romantismo que marcaria boa parte de seus sucessos nos discos seguintes. Preste atenção ainda nas linhas deliciosas da cozinha do baixista Capacete e o baterista Paulinho Braga.


“Melissa”, do disco “Apresentamos Nosso Cassiano”, de 1973
Sem grande resultado comercial com “Imagem e Som”, Cassiano trocou de gravadora em seu segundo disco e foi para a Odeon – não à toa, o trabalho tem título digno de álbum de estreia, mas maturidade de veterano. Dos quatro discos do paraibano de Campina Grande, este talvez seja o menos palatável e o mais psicodélico/progressivo, mas não por isso menos interessante. Exemplo é essa sinuosa canção, de linhas de guitarras marcantes, que Cassiano compôs para a filha. Uma graça.


“Central do Brasil”, do disco “Cuban Soul: 18 Kilates”, de 1976
Para muita gente, o disco “Cuban Soul: 18 Kilates” é a grande obra-prima de Cassiano. Todo composto em parceria com o guitarrista Paulo Zdanowski, o álbum é um perfeito ponto de contato entre a primeira era do soul brasileiro (de Cassiano, Tim Maia e Hyldon) com uma segunda fase mais marcada pelo funk e pela disco music, de nomes como Banda Black Rio, Gerson King Combo e Sandra (de) Sá. E “Central do Brasil”, com seu ritmo marcante e balançado, é excelente amostra dessa conexão… ou seria baldeação? Fica a critério do ouvinte.


“Onda”, do disco “Cuban Soul: 18 Kilates”, de 1976
Aberto e encerrado com duas baladas de primeira linha (“Coleção” e “A Lua e Eu”), “Cuban Soul” é um disco dividido ao meio por um monumento em forma de canção. Com quase oito minutos de duração, “Onda” é uma balada funk de balanço hipnótico irresistível – o que a tornou figurinha fácil em discotecagens de música preta & brasilidades ao longo das últimas décadas em São Paulo, também com uma mãozinha dos Racionais, que a samplearam em “Da Ponte Pra Cá”. Pra todo mundo que já viveu uma paixão passageira e arrebatadora, vale o mantra: “foi somente onda”.


“Salve Essa Flor”, com Luiz Melodia, do disco “Cedo Ou Tarde”, de 1991
Após gravar “Cuban Soul”, e a despeito de emplacar duas músicas em trilhas de novela (o auge do sucesso naqueles anos 1970), Cassiano teve uma vida difícil a partir de sua obra-prima: seu álbum seguinte, já na CBS, foi recusado pela gravadora, na mesma época em que ele começou a sofrer com problemas no pulmão. No começo dos anos 1990, uma tentativa de resgate gerou o temporão “Cedo Ou Tarde”, um disco cheio de regravações e convidados, em que muitas boas intenções acabam sobrepostas por arranjos exagerados e superprodução. Ainda assim, há bons momentos – caso de “Coleção”, com participação especial de Djavan, ou desse dueto com Luiz Melodia para “Salve Essa Flor”, originalmente gravada em “Cuban Soul”.


“O Vale”, do disco “Apresentamos Nosso Cassiano”, de 1973
Responsável por abrir o segundo disco do cantor, “O Vale” talvez mereça o título de maior pérola escondida de Cassiano. Em pouco mais de três minutos, Cassiano faz sua voz passear por melismas e falsetes, acompanhado por Dom Charles ao piano e um novato Robson Jorge no baixo, em uma canção em que música, letra e arranjo se combinam deliciosamente, ao descrever um lugar idílico do passado. Que linda melodia você fez, Cassiano.


“A Lua e Eu”, do disco “Cuban Soul: 18 Kilates”, de 1976
Já perto do fim, não dá para não falar de “A Lua e Eu”, balada originalmente lançada em 1975 e depois incluída no disco “Cuban Soul”. Da introdução espetaculosa à voz sincera e melancólica de Cassiano, à letra que revisita um amor antigo que ainda dói, passando por linhas de baixo e arranjos de cordas irresistíveis em cortesia de Dom Charles, está tudo aqui – isso pra não falar no excelente solo de guitarra de Paulo Zdanowski. Um standard do cancioneiro romântico brasileiro, a ponto de ter regravações de Nana Caymmi a Pixote, de Marisa Monte a Leo Jaime, passando pelo indefectível Sampa Crew, para qualquer coração solitário se identificar.


“Eu Amo Você”, com Tim Maia, do disco “Tim Maia”, de 1970
Baile que é bom encerra com hit – e nenhuma lista que homenageia Cassiano poderia passar sem “Eu Amo Você”, a inocente e maravilhosa balada que ele cedeu para o primeiro disco de Tim Maia. O mestre paraibano só a registrou uma vez, em “Cedo Ou Tarde”, numa releitura que mais esconde do que exibe a beleza da canção. Sendo assim, abraçamos a versão do Síndico, com toda a candura que ela tem. Perfeita pra abraçar a paquera e rodar uma última vez pelo salão no baile, levando a companhia pela mão porta afora.


O C6 Fest acontece no Parque Ibirapuera, em São Paulo, nos dias 17, 18 e 19 de maio. Conheça a programação completa dividida por dias aqui. Os ingressos estão à venda aqui.


– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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