texto de Leonardo Tissot
Cat Power gravou um disco inteiro em homenagem a Bob Dylan em 2023 — o ao vivo “Cat Power Sings Dylan: The 1966 Royal Albert Hall Concert”, que ela apresenta no C6 Fest no dia 19 de maio, em São Paulo. Mas a relação da artista da Georgia com o cantor e compositor nascido em Minnesota é bem mais longa que isso. Começou há quase 50 anos, quando a pequena Charlyn Marshall ainda era só uma garotinha na barra da saia da mãe.
Em uma entrevista recente à Variety, ela lembra de seus pais e seu grupo de amigos ouvirem “o santo graal das pessoas brancas”: Beatles, Stones, Neil Young e Dylan. Mas era apenas o último que suscitava discussões a respeito de suas letras e se ele realmente sabia cantar ou não, entre outros debates essenciais para o fã de música dos anos 60 e 70.
“Isso me fez pensar mais sobre ele, porque rolavam umas conversas de verdade. Sobre o que diabos eles estavam falando? Aprendi sobre pensamento crítico desde cedo por causa dessas discussões”, diz.
Dylan “perseguiu” Chan durante toda sua carreira, e não é de hoje que a cantora se debruça sobre a obra do ídolo. Desde “The Covers Record” (2000), no qual gravou “Kingsport Town” e “Paths of Victory”, passando por “Jukebox” (2008), disco em que registrou “I Believe in You”, e ainda a fenomenal versão para “Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again”, que gravou para a trilha de “Não Estou Lá” (2007), a sombra de Robert Zimmermann parece estar sempre à sua espreita.
No ano passado, ela decidiu gravar logo um disco inteiro em homenagem à sua maior referência musical. E não foi qualquer disco, e sim sua própria interpretação do clássico bootleg “The ‘Royal Albert Hall’ Concert”, que traz a gravação de uma das mais tensas apresentações da carreira de Dylan.
Embora documente, na verdade, uma apresentação em Manchester (e não em Londres, como o título dá a entender — daí as aspas em “Royal Albert Hall”), a gravação é um dos emblemáticos registros ao vivo da carreira de Dylan. Irritada com o músico por começar a usar instrumentos elétricos (e ser considerado um “traidor” pelos fãs de sua fase inicial folk/acústica), a plateia fez questão de pagar ingressos para vaiar, xingar e se rebelar contra o astro.
Ao ouvir o grito de “Judas!” vindo do público, Dylan se vira para a banda (então The Hawks, futura The Band) e manda: “toquem alto pra caralho”. Eles obedecem — e daí surge a, talvez, versão definitiva de “Like a Rolling Stone”.
Na turnê de promoção do disco, que chega ao Brasil em maio, Cat Power vem tocando as 15 faixas da apresentação de 1966, na mesma ordem em que foram lançadas originalmente. Falando nisso, é bom lembrar que passaram-se décadas até que o show chegasse oficialmente ao mercado.
Como bem lembra o editor deste renomado site da família indie brasileira, foi nos primeiros anos da década de 1970 que as cópias piratas da apresentação de Manchester começaram a circular — dando início à lenda de que o show havia sido gravado no Royal Albert Hall. Dylan de fato tocou lá, com Beatles e Stones na plateia, mas isso ainda levaria alguns dias para acontecer.
Foi só 32 anos depois que a gravadora Columbia colocou no mercado (em uma versão de luxo) “The Bootleg Series – Volume 4: Live 1966 The ‘Royal Albert Hall’ Concert”. A essas alturas, ninguém mais ligava para onde o show havia ocorrido de fato, e sim como ele era conhecido entre os dylanófilos do mundo.
Naturalmente, a performance de Cat Power não tem a mesma tensão da gravação original. Ficou provado que a reação do público nos anos 60 foi uma bobagem, e Dylan continua sendo tão genial como sempre, seja tocando violão, guitarra ou vuvuzela. Ainda assim, ela faz bonito em versões tristemente doces de “It’s All Over Now, Baby Blue”, “Desolation Row”, “Visions of Johanna” e a favorita da cantora, “Mr. Tambourine Man”, ainda na fase acústica da apresentação.
Da metade para o fim vem a parte elétrica, com a banda completa. “I Don’t Believe You”, “Just Like Tom Thumb’s Blues”, “Ballad of a Thin Man” e, é claro, “Like a Rolling Stone”, ganham uma camada de melancolia extra na voz cada vez mais grave e profunda de Chan Marshall. Leia o review completo do disco aqui.
Se ela já deixou saudade depois da última passagem pelo Brasil, no Popload 2022, dessa vez promete partir corações mais uma vez. Estamos esperando com o tubo de cola em mãos.
O C6 Fest acontece no Parque Ibirapuera, em São Paulo, nos dias 17, 18 e 19 de maio. Conheça a programação completa dividida por dias aqui. Os ingressos estão à venda aqui.
– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo. Leia outros textos de Leonardo!. A foto que abre o texto é de Julien Courbe.