entrevista por Janaina Azevedo
Um dos mentores do estilo que acabou conhecido como stoner rock, após trabalhos clássicos com o Kyuss e o Fu Manchu, Brant Bjork é um cara tranquilo, tão dedicado à música que anda pela casa grudado em sua guitarra, ainda ouve sua playlist de favoritas dos Stones e enxerga no passado a resposta para tudo.
Veio ao Brasil, gostou a ponto de batizar um dos seus filhos como Brasil, e agora retorna ao país com uma turnê que deve passar por toda a América Latina, com o trio que leva o seu nome e uma surpresa para os fãs da cena desértica que pariu o stoner: traz junto o amigo Mario Lalli, do Across the River, outra banda-chave do movimento.
Brant era stoner mesmo antes do estilo receber esse nome. Prestes a completar 51 anos, vive o presente, mas não deixa de relembrar seus amigos e sua época de juventude, com o carinho de quem sabe que inspirou e ainda inspira muitas bandas. E mistura nostalgia e futuro nesta entrevista que você lê a seguir.
Como vai ser o seu show aqui em São Paulo e o que vocês estão planejando para esta turnê pela América Latina?
Já estive na América do Sul antes e sempre foi um prazer. Meu baterista de longa data estará comigo, Ryan Gütt, tocamos há quase 10 anos juntos. E outro amigo das antigas, Mario Lalli, tocará baixo. Esta será, eu acho, a primeira vez que ele se apresenta com minha banda solo. Somos apenas um trio, e tocaremos músicas selecionadas da minha discografia, mas também tocaremos algumas músicas novas do trio, o BBT, que é como apelidamos o Brant Bjork Trio. Estamos gravando um novo disco no momento. A gravação termina na próxima semana e vou lançar pela minha gravadora, a Duna Records. Será osso primeiro lançamento como Brant Bjork Trio. Espero que saia neste verão, provavelmente em meados de junho.
Como foi voltar a tocar com Mario Lalli?
Sempre fomos amigos, sempre estivemos próximos um do outro e nos ajudando de uma forma ou de outra. E claro, nossa história remonta a quando eu era criança. Quer dizer, eu fiz meus primeiros shows ao vivo abrindo para a banda dele quando tinha 13 anos. Eu estava em uma banda chamada Today, que costumava tocar com uma banda do Mario que na época se chamava Inglenook. Ali por 1986/1987, eles mudaram seu nome para Yawning Man. Ele estava me ajudando a administrar a banda e a administrar a turnê. E um dia eu falei: você gostaria de tocar baixo? E ele topou! Foi muito simples. Eu sabia que a química funcionaria. Toquei guitarra na outra banda dele, Fatso Jetson, por um curto período em meados dos anos 1990. E sempre tivemos jam sessions e projetos soltos e outras coisas. Então estamos musicalmente coexistindo há algum tempo.
Quando vocês tocam juntos, o sentimento é de nostalgia, ou é sempre como se fosse algo totalmente novo?
Ambos. Pensando bem, é mais uma novidade. E novidades são sempre emocionantes. Às vezes é assustador. E sou uma pessoa nostálgica por natureza, sou pisciano. Gosto do passado. E sempre há momentos em que eu fico tipo “ah os dias de glória, os anos dourados, ah que tempo bom”. Éramos jovens e éramos aventureiros. Mas na verdade foi um longo caminho. É uma estrada acidentada, com altos e baixos e tudo mais. Mas estamos aqui e fazendo músicas novas e isso é muito bom.
Ele vai estar nesse disco que você está gravando?
Sim, estamos trabalhando. Ainda não temos um título para o disco, mas estamos entusiasmados.
Será seu primeiro disco desde “Saved by Magic Again”…
“Saved by Magic Again” é um disco antigo que acabou de ser relançado (em 2023) com nova arte. Foi gravado em 2005. Um lado do disco metade das músicas eu gravei sozinho e a outra metade eu gravei com minha banda de apoio. Pensei que seria diferente, interessante e respeitoso dividir essas duas sessões e esses dois lotes de músicas. Então, um dos relançamentos de “Saved by Magic” sou só eu cantando todas as músicas.E o outro sou eu tocando com minha banda de apoio. Portanto, são dois registros. Considerando que, como eu disse, a primeira vez que foi lançado, foi apenas um lançamento.
Nesse disco tem uma versão do Cream, certo?
“Sunshine of Your Love”, sim. Uma versão bem espontânea. Cresci ouvindo o “Disraeli Gears” (1967). Era um disco que estava na coleção dos meus pais em casa e eu ouvia isso quando criança e essa música meio que ajudou a me moldar como músico. Gosto da música da era do final dos anos 1960, especificamente do rock. É uma música clássica. Não pensei em acrescentar nada. Essa não era a intenção. Eu simplesmente gostei da música e queria tocá-la. Foi bem simples. E o Cream ainda é uma das minhas bandas de rock favoritas de todos os tempos.
Nessa turnê você toca guitarra, certo? E você também tem uma carreira muito prolífica como baterista. Você tem algum projeto ou banda em que toca bateria? E como você se sente em relação a isso?
Estou focado na guitarra (nessa turnê). E gosto de tocar violão. É acessível. A guitarra com a qual tocarei está literalmente bem ao meu lado. É isso que eu gosto. Está aqui. Posso pegar, posso trabalhar com isso. Sendo bem honesto, diria que sou um baterista aposentado. Sempre serei um baterista de coração. Mas, sabe, eu nem tenho uma bateria instalada em minha casa. E meu atual baterista, Ryan Gutt, é um ótimo baterista. E é por isso que toco com ele há anos. Eu meio que toco bateria indiretamente através dele. Estou um pouco enferrujado. Você sabe, eu não toco há muito tempo e não estarei no palco tão cedo. Mas você nunca sabe o que o futuro reserva. Nunca se sabe.
Você já esteve no Brasil antes, tanto solo quanto com o Kyuss. O que você lembra dessas passagens?
Minhas memórias são as cores. As cores do Brasil eram lindas e marcantes e tão vibrantes e tão legais. Por alguma razão, essa é uma das minhas melhores lembranças do país, são todos os diferentes tons e cores únicos. Mas também a gentileza das pessoas. Achei o povo brasileiro muito gentil, muito querido. E fiquei muito grato pelo apreço que eles demonstraram pela minha música. Me apaixonei na hora pelo Brasil na minha primeira visita. Na verdade, tenho dois filhos e meu filho mais novo se chama Brasil.
Sério? Quantos anos ele tem?
Ele tem 11 anos e fará 12 em abril.
Ele nasceu depois da sua primeira vez aqui, certo?
Sim, sim. Eu e minha esposa na época, nós estávamos com dificuldade para decidir um nome. Eu estava no avião voltando do Brasil para casa e achei que era um nome legal.
Você já trouxe ele aqui?
Não, ainda não. Talvez algum dia.
Essa é uma grande conexão com o Brasil, ter um filho com esse nome.
Sim, sim. Eu amo o Brasil.
E você curte algo de música brasileira?
Não. Quer dizer, não estou muito atualizado. Eu estudo muita música do passado. Isso não quer dizer que eu não saiba que há muita música atual que é boa. Acho que especialmente no rock, há muito rock excelente sendo criado nos últimos 10, 15 anos. E como eu disse, no que diz respeito ao meu prazer auditivo e aos meus estudos auditivos, eu sempre, desde jovem, sempre fui para o passado. Gosto de encontrar e descobrir a raiz das coisas que me movem. Então, quando se trata especificamente de música brasileira, eu ouço principalmente muitos sambas, muito João Gilberto e todo esse tipo de coisa do passado. Eu amo essas coisas. Na verdade, ontem mesmo eu estava ouvindo um disco do Stan Getz com João Gilberto.
Nas suas passagens por aqui, deve ter ouvido que o Kyuss influenciou muitas bandas brasileiras. Como é ser uma inspiração até hoje?
É muito lisonjeiro. É uma honra que o que fiz, realizei e criei como músico nos últimos 30/35 anos tenha inspirado outros a fazerem a sua própria música. Isso é uma coisa maravilhosa. É disso que se trata a música. A música é um presente e a música é mágica. E a música nos conecta, nos cura e nos protege. Para mim, ter comprometido minha vida em ser músico e trilhar o caminho da criação de música e depois fazer com que essa música inspire outras pessoas é realmente incrível. Foi assim que funcionou para mim. É assim que funciona. Esse é o ciclo. E saber que faço parte desse ciclo é ótimo. Porque quando eu era criança, era a mesma coisa comigo. Rock and roll clássico, Beatles, Stones, Led Zeppelin, Ramones, Black Sabbath. Essas são as bandas que me inspiraram. Cream, Jimi Hendrix. Foi assim que aprendi a ser músico, estudando a música deles, ouvindo a música deles e vivendo-a e inspirando-me nela. eE para mim ajudar outros a fazerem o mesmo, é ótimo.
Eu estava dando uma olhada nos discos do Kyuss, e me dei conta que neste ano o “Welcome to Sky Valley” faz 30 anos. O que você lembra da época desse disco? O que ele significa para você?
Bem, eu sabia que iria deixar a banda depois de gravar aquele disco, então foi um pouco triste. Honestamente, esse álbum foi uma experiência um pouco triste para mim. Eram caras com quem cresci e compartilhamos laços que iam além da música. Crescemos juntos em uma pequena cidade deserta, criamos uma banda e fizemos nossa música. Mas eu sabia que era hora de seguir em frente e tinha vários motivos para fazer isso, o que agora é história, não é muito importante. E eu acho que “Sky Valley” é o som e a sensação de uma banda que está fazendo tudo o que pode. Não creio que poderíamos ter feito melhor. Estamos tocando no auge da nossa capacidade. Acho que é isso que esse disco representa para mim. Eles gravaram mais discos depois e é claro que eu também fiz minhas próprias coisas. Mas aquele álbum em particular, naquela época em particular, foi muito emocionante e nós simplesmente colocamos tudo o que tínhamos e tudo o que estávamos sentindo na música.
Há uma frase na capa da “Sky Valley” que diz: ouça sem distrações. Você lembra de quem foi a ideia de colocar essa frase?
Não sei, mas se tivesse que adivinhar provavelmente diria que foi ideia do Josh. Não me lembro com certeza, mas acho que a intenção por trás disso era aprofundar o disco e realmente ouvi-lo, algo que costumávamos fazer. Quando Josh e eu éramos crianças, éramos muito jovens para entender o que era escuta crítica. Não sabíamos o que era isso. Mas foi isso que fizemos quando crianças. E estávamos fazendo isso com nossos discos favoritos, e a maioria dos nossos discos favoritos eram discos de punk rock. E o punk rock não é um estilo de música que você consideraria uma audição crítica. Mas foi isso que fizemos. Ouvíamos criticamente Misfits, Black Flag, Discharge. E ao ouvir criticamente esses discos aprendemos muito e aplicamos isso ao Kyuss. Acredite ou não, achávamos que Kyuss era uma banda de punk rock. Não gostávamos muito de heavy metal. Não sentíamos que tínhamos talento para esse estilo de música.
Vocês já eram chamados de stoner naquela época?
Não que eu saiba. Eu nunca tinha ouvido o termo stoner rock até me entrar no Fu Manchu, alguns anos depois. Então, quando o Kyuss tocava no início dos anos 1990, o termo stoner rock não existia e nunca tínhamos ouvido falar dele. Sempre rio quando ouço o nome. Acho que vem do simples fato de que quando éramos jovens e gostávamos de fumar maconha. Era o que a gente gostava de fazer. E isso não era uma coisa muito popular naquela época. Mas é o que gostávamos de fazer. Fumar maconha, tocar, compor. E alguém decidiu que a nossa música, que naquela época não tinha um rótulo, era stoner. Porque era difícil categorizar o Kyuss, pois na verdade não éramos uma banda grunge. Não tocávamos heavy metal. Não parecíamos uma banda de punk rock. Éramos meio únicos. E alguém decidiu chamá-lo de stoner rock. Mas acho que a banda já estava acabada na época em que as pessoas começaram a usar esse termo.
Você acha que existe uma chance remota de o Kyuss se reunir novamente?
Não sei. Não é mais algo em que penso. Quer dizer, fizemos o nosso melhor com Kyuss Lives e foi um grande sucesso em todos os níveis (nota: Brant montou o projeto com dois ex-parceiros de banda, John Garcia e Nick Oliveri, mais o guitarrista Bruno Fevery. A banda circulou de 2010 a 2014).Josh não fazia parte disso. Ele tem o Queens of the Stone Age. É uma banda enorme. Não creio que ele sinta necessidade de voltar e celebrar Kyuss. Mas eu não sei. Essa é uma pergunta para ele. Pessoalmente, não imagino que vá acontecer, mas, de novo, não sabemos o que o futuro reserva. Eu estou hiper focado em onde estou agora e estou bastante contente.
Mas você, pessoalmente, gostaria que houvesse uma nova reunião como a que teve em 2011?
Se Josh me ligasse e dissesse que queria reunir a banda novamente e me convidasse para tocar bateria, eu consideraria isso. Mas não espero esse telefonema tão cedo.
E uma última pergunta: gostaria que você nos contasse o que é que você ouve sem distração hoje em dia?
Bem, ouço principalmente jazz. Na verdade, meu pai era músico de jazz, então sinto que a apreciação pelo jazz está em meu sangue. Então tenho ouvido muito Chet Baker, muito Miles Davis, Art Blakey. Eu amo Sonny Rollins, Sarah Vaughan. Também adoro blues, ouço muito o disco “Burning” (1963), do John Lee Hooker, que eu amo. Amo muito esse disco. Outro dia eu estava ouvindo Stones. Eu tenho uma playlist só com as minhas favoritas do Stones. É isso que tenho ouvido. Mas eu diria que o que mais tenho ouvido é Chet Baker.
– Janaina Azevedo (www.facebook.com/janaisapunk) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2010.